O cometa de Halley
No Porto
Porto, 19. – Por causa da passagem do cometa de Halley, na madrugada de hoje andaram muitas pessoas até ao dia, pelos pontos elevados da cidade e Villa Nova de Gaya.
Era dia claro e numerosos ranchos percorriam as ruas.
Na Serra do Pilar, o regosijo por não ter acabado o mundo era tal que chegou a haver desordens entre os mais expansivos, que libaram demasiadamente. Além de troca de murros e bengaladas, um dos contendores chegou a dispara tiros de revolver para afugentar os mais desatinados.
Em Paranhos, freguezia rural do Porto, morreu repentinamente a sr.a D. Margarida Henriqueta de Guimarães Cruz, cunhada do sr. Adriano Cibrão, inspector da alfandega. Diz-se que a morte foi devida ao susto que esta senhora apanhou por causa do cometa.
Em Belmonte – Seria influencia do cometa?
Belmonte, 19. – Desde o dia 14 do corrente que o cometa não tem sido visto, devido ao tempo nebloso [sic] e á chuva.
A noite passada choveu, não se podendo sair á rua.
A população, socegada [sic] por se tornar conhecida a conferencia do astronomo Simas, que a auctoridade administrativa mandou affixar e distribuir em todas as freguezias.
O sub-delegado de saude d’este concelho, sr. Annibal Leitão, regressando a casa ás duas horas da madrugada d’hoje, riscou por acaso com a bengala n’uma pedra, deixando um traço luminoso, Repetindo a operação em outras pedras deu o mesmo resultado.
Seria influencia do cometa?
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Mirandella, 19. – A noite esteve chuvosa, mas apesar d’isso, muita gente aguardou a hora da passagem do cometa, ficando lograda, pois que nada foi notado.
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Penafiel, 19. – Muitas pessoas madrugaram no monte do santuario apesar da humidade do tempo. O ceu appareceu algo limpo ás 3 horas. Nade [sic] de extraordinario; nas janellas muitas pessoas. Não saiu a troupe «Nove de Julho», por motivo da humidade atmospherica.
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Abrantes, 19. – O cometa foi n’esta villa ruidosamente festejado. A banda do Gremio Musical tocou durante toda a noite, indo terminar no coreto do Castello.
Os estudantes da escola secundaria, por elles humoristicamente cognominada «Academia da Brôa», deu um baile que esteve animadissimo. Até ás duas da madrugada, hora a que tudo correu ao passeio do castello na esperança de gosar algum dos espectaculos anunciados. A concorrencia ali foi enormissima e muitos se augentaram [sic] a pé firme até perto das 4 horas, debaixo d’uma chuva torrencial. Por alguns foi ainda visto um clarão luminoso de pequena intensidade talvez prejudicada pelo mau tempo.
A villa apresentava aspecto festivo, notando-se muita curiosidade e pouco pavor.
A empreza electrica accendeu os aços voltaicos.
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Loures, 19. – O cometa foi aqui festejado com musica e cantos e os habitantes andaram toda a noite em marcha e cantando pelas ruas até de manhã.
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Coimbra, 19. – A cidade esteve transformada n’um arraial a noite passada.
Pelas ruas grande concorrencia, apesar do mau tempo, ouvindo-se tocatas, descantes e danças em alguns pontos, No largo do Ramal um grupo de tricanas improvisou uma dança que durou até alta madrugada, percorrendo diversas vezes o bairro baixo com grande animação.
Alguns grupos de estudantes com serenatas tambem deram uma nota alegre para contrastar com a monotonia e terror de muitas pessoas que tinham como certo esta noite o fim do mundo.
No Penedo da Saudade, Santo Antonio dos Olivaes, Alto de Santa Clara, Montes Claros e outros pontos elevados era grande a affluencia de pessoas de todas as classes.
Das povoações rurares chegam noticias do susto que se apossou de muita gente, indo bastantes fieis para as egrejas passar a noite.
Na Ladeira de Santa Clara foram vistas algumas pessoas subindo-a de joelhos no cumprimento de promessas á Rainha Santa.
Hontem, na parochial de S. Martinho do Bispo, finda a devoção do Mez de Maria, o rev.º coadjuctor Rodrigues Moreira, proferiu uma allocução ácerca do cometa, lendo e explicando a conferencia, que anda impressa, do astronomo sr. Simas. Isto fez tranquilisar muitos assistentes que enchiam a egreja, e tanto assim que muitas pessoas que para ali foram aterrorisadas sahiram d’ali com espirito socegado, convencidas de que nenhum mal podia acontecer.
Houve muitas ceias em familia e entre amigos.
De manhã ouviram-se muitos foguetes e contavam-se varios episodios engraçados passados durante a noite.
O vinho teve grande consumo, mas a policia respeitou as camuecas, não se effectuando prisões.
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Cintra, 19. – Uma commissão projectava para a noite de hontem para hoje, festejos no vasto campo de Seteaes, para tornar esquecida a passagem do cometa, apesar não [sic] haver por aqui gente temorata, como o tempo porem o não permittisse, pois caiu sobre esta villa um denso nevoeiro, e uma impertinente chuva, pelo que a festa passou a ser na villa na antiga séde da corporação de bombeiros, onde tocou até ás 2 horas da manhã, a banda da Real Sociedade União Cintrense, e onde se dançou.
Depois de retirar a banda, começou a rapaziada a fazer ums algazarra [m]edonha até depois das 4 horas.
Os que não estiveram a pé durante a no[i]te, levantaram-se ás 2 horas da manhã para ver se lobrigavam o cometa, o que era impossível, devido ao estado do tempo.
Em S. Pedro tambem tocou durante parte da noite a banda da Sociedade União 1.º de Dezembro, de S. Pedro de Cintra.
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Azambuja, 19. – Apesar da noite chuvosa que esteve, muitas pessoas estiveram levantadas durante a noite e passearam pela villa, e algumas d’ellas empregaram-se em canticos populares até depois das duas horas da noite, havendo o bello «sol-e-dó» e, se a philarmonica da villa não foi tocar para a praça de Serpa Pinto, foi devido a estarem doentes 6 musicos e um que mais falta fazia, era o pratilheiro Carlos, que soffreu um desastre na mão direita.
Depois das 3 horas da manhã, começou chovendo torrencialmente, e as familias, mais tranquillas, recolheram aos seus aposentos e plenamente satisfeitas por nada haver succedido.
Esta manhã havia felicitações e ditos engraçados relativos ao cometa.
Em Villa Franca, Alhandra e outras terras do Ribatejo, houve musica e foram lançados ao ar muitos foguetes.
Pena foi a noite estar chuvosa e devéras pouco agradavel.
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Leiria, 19. – Muitas familias não se deitaram, com o receio de que o choque com o cometa produzisse alguma alteração na atmosphera. Afinal, nada se viu.
Pelas ruas, o movimento foi anormal e animado.
No coreto do Jardim esteve tocando a Tuna Musical Artistica, que executou um selecto repertorio, que muito agradou, sendo a concorrencia diminuta, em consequencia da pessima noite que esteve.
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Setubal, 19. – Passou a noite d’hontem e com ella a preoccupação terrorista que acompanhava, ha dias a esta parte, um grande numero da população da patria sadina, principalmente do elemento feminino.
Como é natural, tambem por aqui não teem faltado as peripecias interessantes, a proposito da passagem do cometa de Halley.
D’algumas familias, residentes no populoso bairro de Troino, sabemos nós que ha oito dias a esta parte teem morto toda a creação gallinacea, que tinham nas capoeiras, para se alimentarem bem e á larga... Ao menos queriam morrer fartos, diziam, «e quem cá ficasse não havia de ter o prazer de se gosar das innocentes gallinhas».
Tambem hontem deixaram de ir para o mar os pescadores, incluindo os proprios ilhavos, que ficaram em terra, para passar o dia «terrível» com as suas familias!...
Por esse facto não houve hoje em Setubal peixe para o consumo da população.
Apesar de na noite passada chover com maior ou menor intensidade, e por esse facto ser pouco convidativo o passeio, não se póde calcular a quantidade de gente que se incommodou a sair de casa para passar a noite na rua, á espera de qualquer coisa, que a maior parte mesmo não sabia o quê...
A noite d’hontem dava-nos a nota interessante d’uma vespera de S. João, e foi realmente pena que o tempo estivesse tão desagradavel, porque a festa não devia ser má...
Nos largos e praças da cidade viam-se grandes magotes de povo, que aguentavam a pé firme as bategas d’agua, por vezes, fortes bastante.
O movimento nas ruas durou até altas horas da madrugada, hora a que quasi todos comprehenderam a grande tolice de perderem uma noite á chuva, á espera d’um acontecimento que não correspondeu á sua espectativa [sic], pois nada viram, nem mesmo as estrellas... que estavam encobertas com o nublado da atmosphere [sic]...
Hoje, nas primeiras horas do dia, a cidade apresentava o aspecto d’um domingo. Pouco movimento pelas ruas, uma ou outra cara, ainda com os vestigios d’uma noite perdida, sem a satisfação d’uma curiosidade que vinha já de ha dias e que nem ao menos foi compensada pelas delicias d’uma noite de primavera...
A consolação que a muitos resta é que já não tornam a cair n’outra... d’aqui a 75 annos...
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Braga, 19. – Ás 3 horas da madrugada, grande parte da população de Braga saiu para a rua a ver a passagem do cometa.
Nada se avistou por causa da cerração de nuvens.
O Sameiro, bom Jesus, Guadalupe, centros conhecidos pela sua elevação, tiveram grande concorrencia de curiosos.
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Salvaterra, 19. – A noite passada nesta villa, apesar de estar bastante chuva, foi uma verdadeira noite de S. João, pois devido, uns a espirito de curiosidade e outros a espiritos francos, fez com que as ruas da villa fossem muito concorridas e que parte dos habitantes, embora não saissem, se conservassem á lerta [sic] até ás cinco horas da manhã.
Os não medrosos promoveram ceias, que decorreram animadissimas.
Felizmente nada houve de novidade e encontraram-se hoje todos descansados por não terem acabado com a existencia.
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Oeiras, 19. – Preparavam-se grandes manifestações em honra do cometa de Halley, chegando as musicas a sair para a rua, mas quem tudo «lo manda» abriu as torneiras do reservatorio aquatico aereo, obrigando todos a recolherem-se a suas casas, e mesmo ás alheias; mas isso não impediu que ás 3 da madrugada não saissem para a rua grandes ranchos de homens e mulheres, estas com o habil pretexto de acabarem junto de seus maridos, cantando chistosas coplas muito apropriadas ao caso; por que por aqui a apparição do cometa pouco ou nada influiu no animo d’esta gente, a não ser no de alguma besta tonta, que fez as competentes resas [sic] e accendeu as suas velas ao santo da sua devoção para que conjurasse o perigo.
Elle fartou-se d’aterrorisar o animo dos timidos e dos ignorantes, mas teve que se aguentar com a serie de tolices e baboseiras da imprensa a seu respeito, exceptuando, já se vê, a boa doutrina tendente a esclarecer o espirito publico, por que essa é sempre bem recebida pelo salutar effeito que produz.
Ahi vae uma amostra do animo d’esta gente por aqui:
Passava um individuo pela rua d’espingarda ás costas.
- Onde vaes? – perguntou-lhe o outro.
- Vou á praia ver se mato um massarico[.]
- Vê se me trazes o cometa, que se enverga bem, que te dou 200 réis por elle.
A praia era o ponto d’observação.
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Povoa de Santa Iria, 19. – Foi base principal da noite a espera do cometa, muitos grupos de curiosos se encontravam aqui e além nos pontos mais visiveis para disfructar [sic] o panorama do tal phenomeno, ás três menos um quarto, foi visto ao nascente um clarão de especie ao da aurora borial [sic], julgando ser effeito do dito cometa, apesar de passados um quarto de hora desappareceu com o raiar da manhã; nada de sustos para o povo, pelo contrario interesse em ver o phenomeno que só d’aqui a 76 annos voltará.
Em Santa Iria, houve alguns sobresaltos [sic] no povo d’aquella terra, mas devido aos esforços do parocho, que se desfez em explicações, sobre o tal cometa e sua apparencia e resultado que se podia dar; fez atenuar os animos e socegar o povo; muita chuva foi o que mais pode [sic] disfructar.
Houve alguns descantes durante a noite e guitarradas para passar o tempo á approximação da hora visivel do cometa.
No Gremio Recreativo Musical Santa Iriense se tambem houve «soirée» dançante.
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Santarem, 19. – Os timoratos cometarios estão contentissimos por terem escapado do mau bocado que o cometa de Halley os poderia ter feito passar.
Alguns chegam a dizer que a opinião varia dos sabios sobre os maus consequentes da passagem da cauda do cometa pela terra não passou d’uns restos de «poisson d’avril.»
No entretanto rarissimas foram as pessoas que não passaram a noite sem dormir, á espera da hora fatal e nós entrámos n’esse numero, não á espera do cometa, mas esperando no tribunal pelo fim do julgamento dos individuos arguidos pelo crime de homicidio voluntario na pessoa do contrabandista Manuel Martins Gallego, conforme nos referimos n’outro local.
A ex-banda dos bombeiros tocou no passeio da Rainha até á meia noite e como gostassem da digressão repetiram hoje o mesmo programma.
Durante a noite varios grupos percorreram as ruas tocando e cantando varias canções populares.
O mau tempo não deixou descortinar a chuva de estrellas cadentes, se é que a houve, nem tão pouco quaesquer effeitos magneticos.
Os barometros não accusaram a mais pequena depressão.
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Gollegã, 19. – Foram innumeras as pessoas que na noite passada se não deitaram pois toda a gente queria observar de visu os effeitos do cometa. A atmosphera conservou-se porém carregada não se vendo brilhar no espaço uma unica estrella ficando portanto logrados os observadores.
Pela 1 hora da noite a banda golleganense percorreu as ruas executando um ordinario, queimando-se á sua psssagem [sic] muitos foguetes e havendo alguns descantes em varios pontos da villa. Emfim [sic] uma animação extraordinaria.
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Caldas da Rainha, 19. – A maioria da população das Caldas e suburbios passou a noite ao ar livre á espera do... cometa que lhes fez a «pirraça» de não se mostrar. Para os arrabaldes da villa foi tambem muita gente. Os que não quizeram arrostar com os rigores da noite conservaram-se comtudo a pé em casa e com as habitações illuminadas. Pelas ruas houve descantes, deitaram-se bombas e foguetes, houve musicas, etc.
Terroristas houve poucos.
No estrangeiro
O panico dos madrilenos
Madrid, 19. – Foi pronunciadissimo o panico em Madrid com o cometa. Ás 3 horas e 30 minutos muitas pessoas diziam sentir cheiro bastante forte umas a acido carbonico, outras a acido sulfuroso. Houve alguns relampagos e a chuva caiu abundante – (Havas).
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Madrid, 19. – Por noticias chegadas de todas as provincias, sabe-se que se organisaram muitas excursões aos montes mais elevados, onde o povo abancou com farneis, na esperança de ver o cometa, o que não conseguiu por causa do ceu estar encoberto. – (Correspondente).
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Cadiz, 19. – Dizem os passageiros dos vapores «Leão XIII» e «Manuel Calvo» aqui chegados, que se levantaram de madrugada para ver o cometa, não o conseguindo por estar o ceu coberto de nuvens – (Correspondente)
Os pontos altos da cidade invadidos pelo povo
Paris, 19. – A atmosphera nublada impediu esta madrugada a multidão estacionada nas ruas de ver o cometa. – (Havas).
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Paris, 19. – Os locaes que mais se prestavam para a observação do cometa estiveram concorridíssimos, especialmente Montmartre.
O enevoado do ceu, porém, não permittiu que podesse ser satisfeita a curiosidade publica. – (Correspondente).
Experiencias mallogradas
Berlim, 19. – Telegrammas recebidos de todo o imperio e do estrangeiro consignam que o resultado das experiencias tentadas relativamente ao cometa, foi em toda a parte negativo. – (Havas).
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Athenas, 19. – O director do observatorio que seguiu a passagem do cometa deante do sol, verificou que nada se deu de anormal. Pela 1 hora e um quarto da madrugada, porém, um grande bolido vindo de oeste, assustou os habitantes com o brilho e ruido que provocou. – (Correspondente).
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New-York, 19n. – O observatorio dos Estados Unidos declara que a terra ainda não atravessou a cauda do cometa, mas que está muito proxima d’ella. Em S. Thomas, Antilhas Dinamarquezas, vê-se um grande feixe de luz atravessar dois terços da [sic] firmamento. – (Havas).