Ainda o cometa de Halley
Chamusca, 19. – Passou o cometa sem que a sua visita se fizesse notar por qualquer das manifestações tão preconisadas pelos sabios.
A noite de hontem pôz álerta toda a villa, que veiu [sic] para as ruas por onde a philarmonica Chamusquense andou, desde a meia noite até ás 3 horas da madrugada, executando as melhores marchas do seu repertorio e apesar da chuva que, pela uma hora, caiu com violencia.
As egrejas tambem foram muito visitadas pelo mulherio.
Até romper a madrugada quasi todas as casas se conservaram illuminadas, pois todos queriam observar o phenomeno que se esperava.
Um logro completo.
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Murtosa, 19. – Um grupo de individuos, ha pouco vindos do Brasil, festejou com musica e foguetes, no largo da egreja, a annunciada visita do cometa de Halley ao nosso globo terraqueo.
Apesar do tempo bastante chuvoso que esteve a maior parte da noite, a musica tocou até de manhã, ouvindo-se estralejar muito fogo. D’aqui, a musica, acompanhada de muito povo, foi ao mercado de Pardelhas, já dia claro, saudar o commercio. No largo da Egreja juntou-se muito povo, algum d’elle bastante assustado na perspectiva do «acabamento do mundo» pela collisão do astro errante com a terra…
Pelas ruas toda a noite circulou muita gente, ávida de presenciar o phenomeno, porque, dentro de casa, diziam algumas pessoas, era mais perigoso estar do que ao ar livre… isto é, podiam resistir mais tempo á morte… Afinal todos ficaram embasbacados, de ventas no espaço infinito, sem nada conseguirem descortinar!
O ceu, cheio de densas nuvens negras, não se deixou atravessar por esse clarão fatidico que muita gente esperava com um temor irresistivel. São as consequencias da leitura de alguns jornaes que espalharam aos quatro ventos talvez a asphixia dos habitantes de [sic] terra, pela approximação do cometa de Halley…
Tudo, porém, ficou como d’antes e o povo regressa ao seu normal socego [sic], que nunca, para bem de todos, devia ser interrompido com noticias duvidosas e falsas.
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Odemira, 19. – O phenomeno do apparecimento do cometa de Halley, ao contrario do que tem succedido n’outras partes, mediocre pertubação [sic] terrorista tem aqui cansado no espirito publico; tem havido, porém, viva curiosidade em observal-o.
Hoje, ás 5 horas da manhã, era grande a multidão de pessoas que nos pontos mais culminantes da villa esperavam, açoutadas pela curiosidade, pela lufada agreste do vento e pelas bategas d’agua que caia impertinentemente, o apparecimento do grandioso bicho a envolver o nosso ameaçado planeta com os fluidos deleterios da sua enorme cauda; mas todas foram burladas: – elle não teve a amabilidade de se deixar ver.
Para amenisar o fracasso e incutir coragem n’alguns espiritos mais timoratos, uma «troupe» de alegres rapazes percorreu, durante a noite, as ruas da villa, executando uma bonita serenata em bandolins, guitarras e violas, e dando «vivas» á… Christina… não – ao cometa!
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Sardoal, 19. – Emfim [sic], o cometa passou!... Sem duvida que um sem numero d’individuos respira, n’este momento, muito mais livremente. Aqui, que o publico aparentava uma presença d’espirito necessaria e comprehensivel, não deixa, todavia, de se notar em quasi todos os rostos, um todo, mais prasenteiro e despreoccupado.
Houve diversas demonstrações de fraqueza. A affluencia ás egrejas foi muito maior do que o habitual, havendo bastantes confissões e sendo-nos dito que em uma aldeia visinha um grupo numeroso de mulheres se reuniram, entoando o Bemdicto…
Como fosse espalhado que no momento da passagem do cometa pela terra haveriam fortes abalos, sendo bastante perigoso estar n’aquella occasião em casa, fomos despertados, pela 1 hora da noite, por uma forte algazarra proveniente d’uma parte da população da villa que preferia andar pelas ruas em uma noite verdadeiramente invernosa, parecendo que a agua se «entornava a cantaros», a estar em suas habitações ao abrigo d’estes rigores da natureza, que nos fez julgar estarmos em estação differente.
Bom seria que a sciencia, em casos d’esta ordem, se manifestasse por outra forma, não lançando nos animos tanto terror ou então, escolhendo melhores occasiões para que o povo d’este concelho (só peço para o meu concelho) não seja obrigado, como agora ao deitar, tomar charopadas quentes de aguardente e assucar [sic] mascavado (gratis pela receita) e ao levantar fazerem julgar que tomam a sua pitada. O que fez o cometa!…
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Alpalhão, 19. – Muitas pessoas não se deitaram a noite passada com o medo do cometa. Nas ruas não houve grande concorrencia, devido ao mau tempo, pois fazia muito frio, chovendo torrencialmente por volta das 2 horas da madrugada.
Comtudo, uns grupos de rapazes, a que mais propriamente se deveria chamar selvagens, andaram toda a noite em constante gritaria, incommodando assim toda a gente que precisava descançar [sic], muito principalmente pessoas gravemente doentes, como tivemos occasião de presenciar, por se acabar n’aquella noite o mundo, diziam elles, como se uma tal vozearia lhes podesse valer de alguma coisa contra o cometa. Mas não, não é assim.
Quando uma tal gritaria não é aqui todos os dias, é-o, pelo menos, todos os domingos do anno, dando assim este povo uma idéa do que é – um povo atrazado.
Ao sr. administrado[r] do concelho de Niza pedimos providencias, pois isto assim é que não póde continuar.
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Lamego, 20. – Aqui não se viu o cometa por causa do mau tempo; ainda assim na noite de 19 para 20 muita gente se conservou a pé para ver o phenomeno, mas nada conseguiram.
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S. Thiago do Cacem, 20. – Já ha muitos dias que se via aqui desde as 3 horas da madrugada o cometa. Na noite de 19 muita gente não se deitou, mas foi codilhada, porque nada viu pelo estado do tempo. Saiu a banda da Sociedade Recreativa, que tocou alegres «passe-calles» e foram lançados muitos foguetes.
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Gavião, 20. – Foi uma verdadeira chuchadeira a espera do cometa. Apesar de chover, a Tuna Gaviense e muitos «tunos» saudaram as 2 horas com uma girandola de foguetes, saindo para a rua tocando o hymno de Halley.
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Povoa de Varzim, 20. – Tambem aqui nada se viu na noite de 19.
Um grupo de rapazes bohemios e folgasões improvisou uma tocata para a noite de 18 e 19, á «Zé Pereira», para apaziguar os espiritos.
Surtiu o desejado effeito: a barulheira, que era infernal, não deixou dormir alguem.
Todos se levantaram, estando as ruas cheias de gente até ás 4 horas da manhã.
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Montargil, 19. – Na noite de 18 para 19 vieram muitas familias do campo reunirem-se ás da villa, para assim morrerem todos juntinhos.
Na madrugada de 19, n’um sitio denominado o Moinho de Vento, juntou-se muito povinho esperando a hora da passagem do cometa, de que afinal nada se percebeu.
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Taboa, 20. – N’esta freguezia e na de Esparis os dignos parochos explicaram ao povo o phenomeno, não se arrastando os crentes para praticas religiosas, implorando a graça divina. Mas nem todos cumpriram com os seus deveres, e n’algumas aldeias do concelho a ignorancia pagou o seu tributo á fé.
Como um cometa de respeito não apparece todos os annos, houve quem o julgasse propicio para boa colheita!
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Obidos, 19. – As ruas d’esta villa foram percorridas na noite de 18 por grupos de individuos de differentes classes da sociedade com descantes acompanhados de flauta, bandolins e violas; outros com «harmoniuns», em alegre convivio, como que preparados para grande romaria, esperar a passagem do cometa, mas nada viram, pois o tempo chuvoso não permittia ver o firmamento.
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Santa Comba Dão, 20. – Na madrugada de hontem affluiram aos pontos d’onde melhor se avistava o nascente, muitas familias, para d’ali observarem a passagem do cometa de Halley.
A maior concorrencia notou-se na avenida de Santo Estevam e no monte do mesmo nome, demorando-se ali grande numero de pessoas até ao romper da manhã, sem nada observarem, devido talvez á grande accumulação de nuvens, que por vezes despejavam enormes catadupas d’agua.
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Nazareth, 19. – O gremio da Nazareth esteve de serviço permanente para os socios poderem observar a passagem do cometa de Halley, mas a noite, que, com pequenos intervallos, esteve sempre chuvosa, não deixou avistar qualquer ponto do firmamento.
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Pedrogam Grande, 19. – Muitas pessoas sairam na noite de 18 para a rua por causa do cometa, mas nada viram.
As capellas de S. Sebastião e do Calvario estiveram toda a noite abertas, conservando-se ali muito povo, succedendo outro tanto nas ruas e largos da villa.
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Figueiró do Vinhos, 20. – Na noite de 19 pouca gente se deitou, passando o tempo em descantes e danças.
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Villa Velha de Rodam, 19. – A noite passada foi uma verdadeira noite de arraial para muitos dos habitantes d’esta villa, que não se chegaram a deitar. Afinal nada viram, porque as nuvens que cobriam o firmamento não lhes permittiram o goso de tal espectaculo.
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Alandroal, 20. – Na noite de 18 para 19 houve muita gente que se não deitou, com o fim de assistir á passagem do cometa de Halley. Foram, porém, pouco felizes, porque nada viram.
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Alemquer, 20. – Na madrugada de hontem andaram muitas pessoas até de dia, pelos pontos mais elevados da villa. Na praça de Camões era grande a concorrencia de gente que ali esperava ver o cometa. Ranchos percorriam as ruas cantando.
Afinal ningeum [sic] viu o cometa e alguns foram molhados por uma batega d’agua que caiu nelas 3 horas.
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Espinhal, 20. – Muitas pessoas d’esta villa foram a noite passada para o Calvario, para ver se de lá viam o celebre cometa, ficando completamente illudidas, porque não viram coisa alguma.
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Oleiros, 20. – Consta-nos que n’algumas localidades d’este concelho o povo passou a noite de ante-hontem para hontem nas egrejas, com o receio de que o celebre cometa de Halley acabasse o mundo de um momento para outro.
Felizmente, já todos os sustos passaram.
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Soure, 20. – O receio de que ha uma temporada a esta parte pairava sobre os «pobres de espirito», desvaneceu-se depois da passagem do cometa, que, segundo alguns «adivinhões», arrazaria, quando «lambesse» a terra, toda a humanidade, reduzindo-a a um monturo de cadaveres.
Felizmente, nada d’isso se deu.
Apesar dos sabios declararem, como tanta vez o Diario de Noticias annunciou, que nenhum prejuizo adviria com a passagem do já tão velho quão celebre cometa de Halley, ainda assim o povo, coitado, na sua grande ignorancia, estava alvoroçado.
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Condeixa, 19. – Apesar do dia de hontem não convidar ao passeio, em virtude da chuva que, com pequenos intervallos estava caindo, comtudo o movimento pelas ruas foi grande. N’esta villa foram muito poucos os que trabalharam.
Durante a noite, isto é, desde as 10 da noite ás 3 da manhã, talvez mais de 200 pessoas estacionaram no largo da Senhora das Dôres, sitio ermo e distante d’aqui uns 400 metros, isto porque constou que ás 2 horas da madrugada, na occasião em que a cauda cometaria envolvesse a terra, se sentiria um abalo terrestre. Durante a tarde e especialmente ás 5 horas, tambem ali se juntaram grande numero de pessoas, que, receosas do mesmo caso se dar, ali se refugiaram. Esta romaria deu em resultado uma serie de constipações e umas nove desordens com alguns ferimentos sem importancia.
Lembranças do cometa…
O que é certo é que aquelles que resignadamente se foram deitar esperando que uma somneca lhes fizesse despercebidamente passar a pavorosa hora annunciada, não conseguiram pôr olho, tendo alguns de se levantar e sair para a rua, tal era o barulho que se fazia batendo ás portas, avisando a approximação das 2 horas.
Muito poucos foram os que se deitaram. Aquelles que não sairam para a rua, em casa, com toda a familia reunida, discutiam o caso da fórma mais animadora possivel, para mais socegados passarem o tempo.
No final de tudo isto, o que se presenceou foi uma enorme batega d’agua, justamente á hora em que o cometa devia mimosear a terra com a sua cauda.
Hoje outro dia de descanso, sente-se o continuado estralejar de foguetes deitados em frente á egreja matriz, e uma commissão composta pelos srs. Francisco Pitta, Semeão Braga e José Fontes, festejou o dia de hoje com musica, que percorreu todas as ruas da villa, e foguetes, conservando-se a egreja aberta e os altares todos illuminados.