Industrias hydro-electricas – Proposta de lei sobre a utilisação das forças hydraulicas – Elogios a dois illustres engenheiros – Jazigos de hulha branca
Entre as propostas de lei sobre fomento agricola, apresentadas na camara dos deputados pelo illustre ministro das obras publicas e de que temos dado desenvolvido relato, conta-se uma, como tambem já dissemos, sobre a utilisação das forças hydraulicas, assumpto realmente momentoso e de que todos os dias se occupam em diversas terras do paiz differentes interessados. É enorme, segundo nos consta, a affluencia de pedidos de licença que chegam áquella secretaria de estado para exploração de quedas d’agua. Ha pouco foi mandado fazer um rapido reconhecimento das quedas d’agua utilisaveis, particularmente na parte montanhosa do paiz.
Trata-se, pois, d’um caso de interesse geral e cuja curiosidade é escusado frisar.
A respectiva proposta do sr. conselheiro Moreira Junior foi enviada para o estudo das commissões de agricultura e especiaes de obras publicas. Reputamos prestar um util serviço aos leitores dando-lhes hoje um extracto dos elementos mais aproveitaveis do relatorio, que é um trabalho bem feito e que encerra materia para o estudo d’um assumpto de alta economia nacional.
O relatorio começa por assignalar o desenvolvimento havido no estrangeiro nas industrias hydro-electricas e depois refere os trabalhos feitos entre nós por dois illustres engenheiros:
Costa Couraça e Severiano Monteiro
Eis o que d’elles justamente se diz:
O meu illustre antecessor no ministerio das obras publicas, commercio e industria, mandou fazer um rapido reconhecimento das quedas d’agua utilisaveis, particularmente na parte montanhosa do paiz, ao mesmo tempo que um projecto de proposta de lei era organisado, a seu pedido, pelo muito distincto engenheiro João da Costa Couraça, sobre concessão de licenças para a derivação e aproveitamento das aguas publicas e communs para a força motriz.
É sobre este trabalho – resultado de um grande e criterioso estudo da legislação estrangeira e da sua adaptação ao nosso paiz, e com a cooperação valiosa e reflectida do distincto engenheiro Severiano Monteiro, a quem a longa pratica dos serviços publicos dá accentuada competencia no assumpto, que elaborei a presente proposta de lei, convicto de que ella corresponde a uma necessidade real e inadiavel: facilitar o aproveitamento immediato das energias hydraulicas sem comprometter o futuro do patrimonio commum, conciliando os interesses geraes do paiz com os direitos preexistentes e as necessidades da industria.
Jazigos mineraes
A industria dos transportes, que tanto imporia fomentar, pelo seu desenvolvimento muito facilitará a exploração de algumas riquezas, particularmente dos jazigos mineraes como o de ferro de Moncorvo e o de marmore e alabastro de Vimioso, em grande parte desvalorisados pela falta de transportes baratos.
O nosso paiz, não possuindo, como os Alpes ou os Pyrineus, grandes jazigos de hulha branca – as geleiras – tem em compensação a hulha verde, que muito convem aproveitar na creação de novas industrias ou na exploração das existentes, em substituição da hulha negra pela qual somos tributarios do estrangeiro por milhares de contos de réis annuaes.
Quedas de agua utilisaveis – Hulha branca
Não possuimos ainda um inventario das quedas d’agua utilisaveis; o magnifico estudo feito pelo major Durão limitou-se a um rapido reconhecimento dos cursos de agua que teem origem no massiço da Serra da Estrella. Ainda assim, o relato da sua primeira campanha é valioso repositorio de informações.
Mostra elle que a hulha branca e a hulha verde, sem serem completamente desaproveitadas, pois a ellas se devem alguns centros industriaes importantes como o da Covilhã, de Manteigas e outros, estão ainda muito longe de fornecer a energia que representam e com a continuidade que a industria reclama.
Estiagem e quedas de agua
A escassez da agua nos mezes de estiagem, aggravada com o consumo que d’ella se faz nos mesmo mezes nas irrigações, obriga a recorrer a outras fontes de energia, o que muito onera a industria.
Este mal é devido em grande parte á falta de arborisação, como se torna bem patente na vertente da Serra da Estrella, correspondente a Gouveia, por comparação com a vertente correspondente a Manteigas, onde a arborisação tem tomado consideravel desenvolvimento.
O aproveitamento de quedas de agua em ribeiras, cujo caudal varia entre limites muito afastados, obriga a adopção de barragens por vezes muito dispendiosas; mas a natureza fertil em recursos, dotou as serras, e principalmente a nossa Serra da Estrella, de grandes reservaterios naturaes, as lagoas e os covões, em que por meio de pequenas barragens se armazenariam grandes massas de agua, que poderiam ser derivadas na medida das necessidades, por um simples jogo de torneiras.
Não são só as grandes quedas, como as que se podem utilisar na Serra da Estrella, algumas de 1:000 metros, que podem fornecer as grandes potencias e que chamam a attenção dos industriaes; são-n’o tambem os grandes caudaes de rapido declive, como os que podem fornecer alguns dos nossos rios, nomeadamente o Douro, o Tejo e o Guadiana, que tambem tem sido objecto de pedidos de concessão.
Um recenseamento provisorio de forças hydraulicas, na região dos Alpes, emprehendido pelo engenheiro R. de la Brosse, em quatro departamentos, abrangendo uma area de dois e meio milhões de hectares, deu na estiagem em milhão de cavallos e em aguas medias 2.300:000 cavallos.
Para a França uma primeira avaliação deu, na estiagem, 4 milhões de cavallos, e, em aguas medias, 9 a 10 milhões. Estudos posteriores, e mais precisos, permittem reconhecer que estes numeros são muito inferiores à realidade.
Em Hespanha, o engenheiro D. Horacio Bentabol calculou «grosso modo» a potencia global bruta das forças hydraulicas, pelas precipitações hydro-meteoricas e pelas zonas de altitude, em cerca de cinco e meio milhões de cavallos.
Força hydraulica
Para a parte montanhosa do nosso paiz, a que fica ao norte do Tejo, admittindo que cada kilometro quadrado pode fornecer permanentemente 5 litros de agua (o minimo obtido por numerosas observações feitas na região dos Alpes), o que corresponde a uma capa de agua de altura de 155 milimetros e que a queda disponivel é de 220 metros (metade da altitude media d’aquella parte do paiz) chegamos ao numero redondo de 750:000 cavallos.
Não julgamos muito, avaliar para todo o paiz, em um milhão de cavallos, a força hydraulica utilisavel, sobretudo se attendermos a que a parte da bacia hydrographica dos nossos princiuaes [sic] rios – Douro, Tejo e Guadiana – comprehendida em territorio hespanhol, é de cerca de 180:000 kilometros quadrados, proximamente o dobro da área total do paiz.
A producção da hulha
Se, para não sermos taxados de exaggeracção, fizermos o calculo do valor da hulha precisa para a producção de metade só d’aquella energia, vemos, que é de cerca de 18:000 contos de réis o valor da riqueza que todos os annos se perde no mar, com a energia desaproveitada, não contando com outras riquezas que com ella seguem o mesmo destino, empobrecendo o solo e levando a desolação e a miseria a regiões que uma sabia previdencia poderia tornar prospera.
Utilidade publica
Um dos maiores entraves á utilisação das quedas de agua é levantado pelos proprietarios ribeirinhos, por vezes em grande numero, o que torna difficil o entendimento amigavel. Pela presente proposta de lei, declaradas as concessões de utilidade publica, o concessionario tem o direito de expropriação, no maior interesse da agricultura, da industria ou dos serviços publicos, quando este seja reconhecido pelo inquerito a que tem de se proceder, e sem o qual nenhuma concessão poderá ser outorgada.
As concessões
O regimen preferido para a outorga da concessão é o concurso publico, adoptado com exito na adjudicação de obras publicas, como sendo o que melhor garante os interesses geraes do Estado, sem coarctar a precisa liberdade e segurança que a industria reclama para o seu desenvolvimento. O praso de concessão de cincoenta annos, podendo elevar-se a setenta e cinco, e mesmo noventa e cinco annos, dá á industria larga margem e estimulo para se exercitar no sentido do aproveitamento da energia das quedas de agua.
A renda annual exigida aos concessionarios é perfeitamente justificada pelo direito que se lhes confere da utilisação da agua nos rios navegaveis e fluctuaveis, que são do dominio publico e da expropriação, por utilidade publica, dos direitos dos proprietarios ribeirinhos no uso das aguas communs, (o que é justificado pela grande vantagem advinda á industria e á agricultura) e ainda por outras garantias e servidões que pela presente proposta de lei se estabelecem em favor dos concessionarios, mediante previa e justa indemnisação.
Sem todas estas garantias o concessionario ficaria á mercê de qualquer proprietario menos acomodaticio.
É tambem para considerar que será relativamente valiosa a receita a colher.
(...).
[n.d.] - "Industrias hydro-electricas – Proposta de lei sobre a utilisação das forças hydraulicas – Elogios a dois illustres engenheiros – Jazigos de hulha branca"
in Diário de Notícias
de 11 de Junho de 1910, nº. 16011, p. 2 (c. 5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1900.
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