A alimentação do pobre
As principaes causas da tuberculose – O trabalhador dispende mais energia do que a sua alimentação lhe fornece
Ha dias um conferente distincto affirmou n’uma assembléa popular que os trabalhadores, na sua maioria, dispendem diariamente muito maior quantidade de energia do que aquella que a sua parca alimentação lhes fornece.
Ha phrases que constituem volumes. É justamente pela má e deficiente alimentação que uma parte dos trabalhadores morre aos estragos da tuberculose.
O boletim obituario dá-nos um numero aterrador de mortes pela tuberculose, em Lisboa. Nada menos do que 702 individuos succumbiram nas primeiras 24 semanas do anno corrente, aos estragos d’essa enfermidade.
É Lisboa uma das cidades que maior percentagem dá para essa mortalidade, que tanto tem preoccupado os governos dos povos adeantados.
São 4 as causas principaes para que o individuo se tuberculise, a saber:
A habitação insalubre;
A alimentação deficiente;
O abuso do alcool;
O exceso [sic] do trabalho.
A influencia da habitação insalubre no desenvolvimento da tuberculose já nós aqui expozemos, ainda que muito succintamente. No presente artigo apenas nos occuparemos da alimentação do pobre, assumpto que tem sido completamente descurado, o que bastante tem contribuido para o depauperamento da nossa raça.
Está sobejamente demonstrado, pelo que se tem escripto nos jornaes e revistas e pelo que se tem dito em conferencias e prelecções, que o povo passa fome, muita fome, pois, á medida que as condições de vida se aggravam de dia a dia, os salarios estão estacionarios, as crises de trabalho são cada vez maiores em virtude da introducção da mechanica em todos os ramos de industria, e ainda de outras circumstancias [sic] trazidas á suppuração pelo progresso.
Não só em Lisboa esse facto se dá; dá-se em toda a parte do paiz. A tuberculose já se não desenvolve apenas nos grandes centros onde a agglomeração é pasmosa, a promiscuidade degradante.
Ella tanto penetra na mansarda do trabalhador urbano, como na choupana do proletario rural, ainda que aqui o bacilus encontre maior resistencia em virtude do ar oxigenado com que constantemente lavam os pulmões.
A tuberculose, repetimos, é uma das enfermidades que maior numero de victimas tem feito, vendo-se de dia a dia os seus progressos.
O seu triumpho sobre a nossa raça tem sido completo, pois consegue roubar aos carinhos da familia centenares de trabalhadores que tão prestaveis poderiam ser a todos os ramos de actividade humana.
Se o trabalhador da provincia tem a defendel-o o ar puro e vivificante, tem a aggraval-o a sua alimentação deficientissima em virtude dos minguados salarios que aufer [sic].
Na provincia do Minho vimos nós trabalhadores carregados de familia a auferirem 180 a 240 réis no trabalho de tecelagem. Isto com uma jornada de 12 horas de labor fatigante.
No Alemtejo [sic] tambem tivemos occasião de ver trabalhadores ruraes, na «apanha da azeitona» do nascer ao pôr do sol, para auferirem 960 réis semanaes. Impossivel viver-se em taes circumstancias. E d’aqui a enorme percentagem para essa terrivel doença que tem constituido o maior flagello do seculo XX.
(…)
Pedro Muralha.