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Texto da entrada (ID.1944)

Chronica Scientifica

Esterilização dos liquidos pelos raios ultra-violetas

Não poucas vezes se tem dito que a luz é agente microbicida dotado de grande energia e não é isto uma afirmação gratuita, porque experiencias realizadas desde bastantes annos, em condições diversas, mostram quanto é verdadeira esta acção esterilizadora exercida sobre os microrganismos por esta complexidade de radiações tomada no seu conjuncto. Ha porem uma especie de radiações, que directamente não podem ser apreciadas pelos nossos orgãos visuaes, mas cujo poder energetico é consideravel, as quaes parecem ter uma influencia muito especial sobre a vida dos seres microbianos.

Todos sabem que a luz branca se decompõe ao atravessar um prisma, separando os raios das sete cores constituintes, formando uma imagem colorida que tem o nome de espectro, que tanto pode ser do sol, como de outra origem luminosa. Para aquem do vermelho e para alem do violeta, tal como os vemos suceder no arco-iris, existem ainda raios poderosos, dotados de propriedades muito particulares. Os physicos deram-lhes o nome de infravermelhos e ultravioletas. São estes ultimos, os mais refrangiveis da parte obscura do espectro, aquelles cuja energia chimica mais se aprecia e cujas qualidades e força de penetração os obrigam a distinguir entre as mais potentes radiações conhecidas. Elles abundam na luz solar, na chama do arco voltaico, nas luzes de incandesceucia [sic], em muitos outros fócos e a elles se atribuem efeitos especiaes, que estão actualmente em estudo. As suas propriedades abioticas, isto é, contrarias á existencia de uma vasta flora bacteriana estão na actualidade perfeitamente demonstradas e sobre o seu conhecimento se fundam varios processos de esterilização de liquidos, que uma industria mais scientificamente orientada vae tornando correntes e, o que mais é para estimar, economicos, simples e generalizaveis.

Reconhecendo-se quanto é difícil na pratica a purificação da agua, do leite, dos môstos, etc., para que ás vezes não basta a filtragem mais ou menos completa, ou para que o adicionamento de substancias chimicas é inconveniente ou prejudicial, assim como o calor, que modifica a constituição chimica desses liquidos, como acontece vulgarmente com o leite achar-se-á na aplicação dos raios ultravioletas um meio facil e pronto de os tornar asepticos, quer dizer, livres de germes, sem alteração das suas qualidades organoleticas e digestivas.

Algumas experiencias incompletas serviram de ponto de partida de trabalhos mais importantes, que formem base ás aplicações já numerosas destas radiações, cujo emprego tende a vulgarizar-se dentro de pouco tempo. Em 1882 Engelmann observou uma especie de acção repulsiva exercida pelos raios ultravioletas sobre as bacterias. Este autor examinando ao microscopio uma preparação de bacterias, teve a idea de fazer incidir sobre ella, por meio de uma objectiva microespectral, um feixe de raios córados com as cõres do espectro solar. Viu então as bacterias espalhadas na placa reunirem-se nas porções vermelha e infravermelha do espectro, rarearam [sic] nas regiões amarella e verde e abandonarem completamente as porções violeta e ultravioleta. D’onde concluiu que os microbios fugiam das regiões de actividade chimica do espectro, para se acumularem sob os raios calorificos (vermelhos e infravermelhos). A razão desta preferencia e daquella antipathia não tem sido egualmente interpretada e de certo se não pode levar á conta de um mero capricho, como a escolha de uma côr. Imposta pela volubilidade da moda.

Supoz-se, em vista da conhecida actividade chimica maior dos raios azues, violetas e ultravioletas do espectro solar, que elles operassem modificações profundas no meio nutritivo, tornando-se incompativel com a vida das bacterias. Pesquizando neste sentido, alguns experimentadores notaram a presença de uma pequena quantidade de ozone, corpo dotado de consideravel poder antiseptico. Por exemplo, Kernbaum diz ter obtido a agua oxygenada pela simples acção dos feixes de raios chimicos da luz sobre a agua commum[.] Diferentes reacções provam a formação de agua oxygenada pela demorada influencia destes raios em varios liquidos.

Experiencias mais recentes mostram que são bastantes alguns minutos para se effectuar a acção esterilizadora da luz obscura, antes que se desenvolvam quaesquer quantidades de ozone ou de agua oxygenada. Courmont e Nogier confirmam que estes corpos não representam papel algum neste processo. Para que elles se produzam é necessario que a luz actue demoradamente e ao cabo de 10 minutos elles não se revelam ainda. Esta duração é muito maior de que a sufficiente para se conseguir a esterilização pelas radiações chimicas.

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Para a obtenção dos raios violetas e ultraviotetas serve principalmente a lampada de quartzo, substancia que deixa passar este systema de radiações e tanto pode ella servir com o arco electrico, como com a lampada de incandescencia de vapores de mercurio. Na producção industrial é de preferencia a esta que se dirigem para alcançar com rapidez, economia e perfeição, ao mesmo tempo num dispositorio singelo, a esterilização perfeita de aguas potaveis e outros liquidos alimentares.

A este respeito haveria ocasião de glorificar os nomes de varios inventores, que quase ao mesmo tempo idearam apparelhos diversos para este fim. Data de 1907 a memoria em que o sr. Billon-Daguerre communicou á Academia de Sciencias de Paris a utilização de diferentes systemas de radiações, raios violetas, ultravioletas, raios X, radio, para a esterilização a frio de certos liquidos, obtendo em particular os resultados mais animadores com a acção dos raios ultra violetas sobre o leite.

As experiencias de Courmont e Nogier de um lado e as de Hen e Stodel, feitas por outro lado, sob os auspicios do physiologista Dastre, no seu laboratorio, vieram confirmar amplamente os resultados annunciados e conseguidos por Billon-Daguerre.

Para que este processo se torne eficaz e sem demora é necessario isolar as radiações ultra violetas das outras que pertencem ás regiões mais ou menos visiveis do espectro, destituidas de energia chimica e que atenuam consideravelmente e, por assim dizer, estorvam a acção dos raios microbicidas.

Conseguido este desideratum, ao cabo de numerosas tentativas, está-se actualmente de posse de uma maneira de esterilizar instantaneamente as bebidas, com a dupla condição porém, que os inventores realizem de uma forma engenhosa e elegante, de os liquidos se apresentarem sem turvação e em camada de limitada espessura.

A agua esterilizada por este modo, conserva pois a composição, arejamento e temperatura que a distinguem; o seu sabor não se modifica. Temos portanto um processo que, em vista da renovação industrial, verdadeira revolução se poderia dizer, se antepõe a qualquer dos outros discutidos e em uso, para o saneamento de aguas potaveis, podendo aplicar-se em diferentes pontos da sua passagem. A reducção de formato dos aparelhos torna-o susceptivel de emprego domestico, como os filtros e recomenda-se pela intensidade e pronta acção nos quarteis, nas fabricas, nos hospitaes e mais estabelecimentos que, mais facilmente do que qualquer particular, tem ao seu alcance a electricidade.

Devemos acrescentar, a titulo de esclarecimento que a faculdade tornada quase portatil dos raios ultra violetas, não oferece o menor inconveniente para aquelles que lidam com os aparelhos em que elles são aproveitados. Alguns experimentadores denunciaram as qualidades prejudiciaes para a vista, atribuidas a estas radiações e aconselharam certos cuidados, por exemplo, o uso dos vidros córados que as interceptam.

Estas precauções são porem inuteis, porque as lampadas esterilizadoras funccionam dentro dos aparelhos e não ferem portanto a vista dos que tenham de os manipular, e de, por qualquer motivo, se aproximarem delles.

J. BETTENCOUT FERREIRA.

[NOTA - Possui uma imagem]


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Esterilização dos liquidos pelos raios ultra-violetas" in Diário de Notícias de 10 de Agosto de 1910, nº. 16071, p. 1 (c. 3-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1944.



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