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Texto da entrada (ID.1954)

Chronica scientifica / As cinemophtalminas – Effeitos desagradaveis do cinematographo sobre os orgaõs da visão – Exigencias da hygiene a respeito deste divertimento

Não é sem inconveniente que os nossos orgãos visuaes arrostam com a luz excessivamente intensa das lampadas electricas chamadas de arco voltaico, ou simplesmente lampadas d’arco. A fixação por tempo demasiado de qualquer fóco destes produz perturbações da vista, as quaes momentaneas ou temporarias a principio, se podem demorar e constituir uma ophtalmia especial uma verdadeira inflamação, que já tem sido denominada elegantemente: ophtalmia electrica. Felizmente a sciencia, que é uma especie de moderna Providencia para todos os effeitos, faculta mais de uma maneira de nos libertarmos destes inconvenientes duma invenção que, nas suas multiplas aplicações e nos seus variados aspectos, estaria, sem essa protecção, a todo o momento a dar-nos cabo dessa preciosa faculdade de ver, tal é a profusão crescente dessse systema de iluminação, que nos deslumbra a cada passo nas ruas, nas lojas, nos theatros, nos restaurantes e até nos templos.

Sob a inspiração de certos principios scientificos, a industria fornece vidros córados de azul, de amarello, de vermelho, de verde ou de tons combinados, para evitar a incidencia de raios demasiado crus e particularmente das radiações consideradas nocivas, comquanto [sic] não luminosas, – os raios ultravioletas, em que são tanto mais ricos os fócos quanto mais intensos e tanto mais prejudiciaes, quanto mais proximos elles estão dos olhos.

Para estes efeitos, como para o calor, a humidade, o frio, ha limites de tolerancia mais ou menos extensos, existindo susceptibilidades extraordinarias, para a luz, do lado do aparelho da visão, perante as quaes a irradiação de similhantes fócos se torna verdadeiramente insuportavel, provocando acidentes bastantes incomodos.

Os cinematographos teem para essa excessiva irritabilidade inconvenientes graves, tornando-se uma causa vulgarmente provocadora dessa doença, que aliás não afecta sómente os orgãos da vista, reflectindo-se em varios districtos do systema nervoso, conforme temos observado em muitos casos e se confirma pelos factos de observação estrangeira.

O dr. Ginestous, de Bordeus, teve ocasião de estudar em grande numero de individuos lesões oculares que se poderiam explicar em parte pela impressão demasiado forte, devida ao alvo iluminado intensamente. Destas lesões ha umas que são transitorias, de ordem funccional apenas; outras são mais duradouras e envolvem alterações anatomo pathologicas [sic], ainda que faceis de desaparecerem.

A principio sente-se uma excitação ligeira, seguida de lacrimação, á vista das primeiras imagens movimentadas, um começo de deslumbramento que obriga o espectador a fechar instinctivamente os olhos, como para se negar aquella irritação passageira. Em geral, os olhos acomodam-se após os primeiros momentos deste ataque de photophobia e a vista distrahida segue no alvo a evolução das scenas mais ou menos divertidas.

Em certos individuos, pelo contrario, a esta primeira perturbação seguem-se alterações nervosas mais fundas e demoradas, que obrigam a abandonar a sala de espectaculo.

Dá-se então um acesso de fadiga retineana, que pode durar alguns dias e impossibilitar parcialmente para alguns trabalhos, ler ou escrever, por exemplo, sequer para fixar uma folha de papel branco. Tambem é certo que alguns individuos experimentam, em seguida a estas sessões animatographicas um tanto prolongadas, verdadeiras conjunctivites, inflamação das palpebras, vermelhidão, todo o apanagio emfim [sic] desta doença aguda dos olhos.

Contudo a luz projectada no alvo não tem a crueza que se encontra no proprio fóco, o qual se acha geralmente abrigado, para atenuar ou impedir a producção a miude [sic] destes casos, entretanto faceis de provocar com todas as luzes de incandescencia.

Como interpretar estes phenomenos? A explicação dada pelo medico citado e que mais se coaduna com as idéas correntes, é a seguinte:

A cinematographia tem como fundamento a persistencia das imagens retineanas, sucedendo-se em intervallos curtos e determinados. A duração destes está calculada em media em 1/45 de segundo. Para que a ilusão se produza, é preciso que a sucessão das imagens se execute mais depressa.

É facil de comprehender que desta rapidez anormal resulta uma dificuldade de percepção e um trabalho muito maior para os orgãos visuaes, donde resulta uma fadiga, mais ou menos pronunciada, conforme as disposições individuaes.

Se a reacção pode ser mais ou menos intensa segundo estas, a culpa no entanto reside nos aparelhos cinematographicos e no seu funcionamento defeituoso, pelo que esta especie de fadiga (estenopia) visual é mais frequente do que se pensa e será um defeito grave a evitar, o que se sabe ser possivel e até relativamente facil, pelo aperfeiçoamento de certas peças, além da modificação de algumas disposições como o modo de illuminação, a nitidez das fitas, a distancia do espectador ao alvo, etc.

No cinematographo existe um obturador em fórma de disco, o qual é provido de janellas, a que se seguem sectores fechados, de dimensões apropriadas, para produzirem a obscuridade durante o lapso de tempo preciso para a substituição de uma imagem pela outra; de fórma que os olhos do espectador são submettidos a alternativas, a contrastes frizantes de luz e de escuridão, sucedendo-se muito rapidamente, o que dá a impressão desagradavel de scintillação, causa essencial dos phenomenos descritos. Os inventores teem-se dado a tratos para obviar a este transtorno, que provoca a antipathia por um divertimento, que poderia ser mais inocente e instructivo e que, de resto, está consagrado, não sem os reparos da hygiene e da moral, na verdade, dignos de serem atendidos.

De varias maneiras tem pretendido superar a dificuldade e dotar a projecção luminosa animada de uma suavidade que de ordinario não oferece. A experiencia suficientemente repetida veio evidenciar os principios a que a modificação deve atender:

1.º - É necessario que os periodos de luz e de obscuridade sejam sensivelmente eguaes.

2.º - Dada a velocidade de rotação do aparelho, os periodos de obscuridade não devem ser superiores a 1/5 de volta.

O genio inventivo parece que conseguiu tornar praticas estas leis, dividindo ou sub-dividindo os sectores abertos do obturador, de maneira que a transição da obscuridade para a luz se faça gradualmente, permitindo que a vista se acostume a estas alternativas.

A falta de clareza das figuras não contribue pouco para estes efeitos, sendo assim que as peliculas gastas exageram este defeito da scintilação [sic]. Esta faz-se sentir mais aos espectadores que estão perto do que ao longe, em virtude de que a persistencia retineana das imagens é maior para os que se acham mais afastados do alvo e d’ahi a conclusão de que não são bons os lugares mais proximos deste.

Tomando como ponto de partida estas perturbações oculares, temos notado em pessoas mais predispostas verdadeiros acidentes nervosos, vertigens, manifestações hystericas, insomnias, pesadelos, irritabilidade anormal, mal-estar que se pode atribuir a um grau de fadiga consideravel, tendo o seu inicio nos nervos opticos.

Tudo isto é porém evitavel se o manejo do cinema seguir atenciosamente o que a observação ilustrada e a experiencia conscenciosa mostram e introduzir na sua delicada engrenagem e no dispositorio geral do seu funcionamento os necessarios aperfeiçoamentos que a hygiene, ciosa dos seus direitos até nos animatographos e por boa razão, requer com firmeza.

J. Bettencourt Ferreira


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / As cinemophtalminas – Effeitos desagradaveis do cinematographo sobre os orgaõs da visão – Exigencias da hygiene a respeito deste divertimento" in Diário de Notícias de 8 de Setembro de 1910, nº. 16100, p. 1 (c. 4-5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1954.



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