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Texto da entrada (ID.1979)

Chronica scientifica

Estudos technicos superiores – Ensino polytechnico

Por esta designação aproximadamente distinguem-se entre as nações cultas os graus de instrucção publica que prepara para as carreiras oficiaes os engenheiros, os technicos, os professores de diferentes especialidades, que teem de produzir a sciencia sob as multiplas fórmas por que ella levanta o pensamento e utiliza á sociedade.

Se uns limitam as suas ambições a tornarem-se simplesmente praticos habilitados e a adquirirem sómente os conhecimentos imediatamente aplicados á sua profissão; outros procuram levar mais longe o seu espirito de iniciativa e expandir-se no campo das descobertas e das invenções, desenvolvendo faculdades directrizes e dedicando-se á profissão propriamente scientifica, ocupando cathedras de ensino, dirigindo laboratorios, collocando-se á testa de emprezas industriaes ou de obras publicas.

Áquelles basta uma educação de caracter technico, sem dispensa dos necessarios estudos theoricos; a estes deve caber uma intensiva cultura, de caracter transcendente. É a esta segunda categoria que em França destinam o que lá se chama «altos estudos».

Na actualidade ha escolas para tudo. Não existe uma careira, por humilde que pareça, que não tenha o seu instituto de ensino e aperfeiçoamento. As universidades facultam os estudos superiores, a elevada cultura intellectual alargam [sic] o ambito das especulações philosophicas. Ao lado dellas, os institutos technicos completam os estudos profissionaes e perfectibilizam as aptidões no sentido das carreiras a que cada um se destina.

Os oficiaes do exercito teem as suas escolas superiores de sciencia e arte da guerra; os medicos alcançam o doutorado nas universidades, como os advogados e frequentam as escolas de medicina e as clinicas especiaes. Os agronomos e veterinarios teem as suas instituições privativas. Aos engenheiros, porém, não é dada nenhuma instituição similar, vendo-se obrigados a procurar as suas habilitações atravez de estabelecimentos de indole diversa, ficando as mais das vezes incompletos os seus estudos, sobretudo pelo lado pratico.

Veremos o que significam as escolas polytechnicas e como ellas devem ser aproveitadas nesta organização docente.

A este respeito merecem atenção especial as considerações, a que vamos referir-nos, do professor Pelletan, que ha pouco em uma conferencia publica, divulgada pela imprensa scientifica, condensou o que se pensa e pratica nos paizes mais adiantados, no que toca esta ordem de estudos.

* * *

A distincção entre os diversos graus de instrucção comprehende-se muito bem nesses paises, principalmente na America e na Allemanha.

Nesta ultima elles constituem uma especie de hierarchia, de modo que uma determinada escola serve de preparação para estudos de uma ordem superior, ao mesmo tempo que fornece habilitação para certas funcções ou carreiras. É exactamente nestes paises, cujas instituições escolares teem um lado pratico imediato, que os estudos superiores são mais elevados e de uma organização mais perfeita. Elles facultam a instrucção scientifica e a educação technica em ciclos de estudos, que encerram os diversos graus, cujo remate é o doutorado como sua mais elevada realização, permittindo em cada grau a acquisição de diplomas que abrem ao estudante diferentes carreiras.

Entre nós como em França são as escolas polytechnicas que, sob aspectos e denominações varias, suprem em parte esta falta.

Seria facil completar o seu quadro e dotal-as com os elementos indispensaveis para o preenchimento do seu fim educativo, de importancia tão elevada no tempo presente, em que da perfeição dos estudos scientificos deriva um numero de benefícios individuaes e colectivos, que synthetizam o progresso social.

Taes como estão, estas escolas, sob o fraco impulso de uma rotina atrazada, com a insuficiencia de methodos anachonicos e sem a conjugação de elementos necessarios para o ensino moderno, nem exercitam a inteligencia, mal preparada por uma instrucção secundaria que é tudo o que ha de mais incongruente e defeituoso, nem habilitam definitivamente os alumnos para as ocupações que os conduzem á mais desgraçada esterilização de boas inteligencias, á aniquilação de vontades que necessitam estimulo e á desorientação de vocações que deveriam ser aproveitadas.

A este respeito diz o professor Pelletan: «Os defensores mais encarniçados do ensino polytechnico não podem sustentar que elle tenha uma utilidade directa; preconisam-no como uma gymnastica intelectual; este vocabulo querido da rotina, encerra uma idéa falsissima: a de que basta uma pessoa agitar-se para fazer boa gynastica. Longe disso, deve proceder methodicamente; é preciso executar não prodigios de força, mas os movimentos normaes. É assim que procede a escola moderna para trenamento physico, e assim deve ser quanto ao do espirito. Nada de exercicios extraordinarios, mas sim aquelles que são usuaes, conformes aos que requer a vida real. Não é legitimo, aliás, assimilar o trabalho do pensamento ao trabalho corporal e julgar que se póde desperdiçar aquelle como se faz a este. Quando emprego as forças physicas em um esforço inutil, ellas recuperam-se no dia seguinte e o exercicio fal-as desenvolver; mas quando aplico a inteligencia a um estudo esteril, sobrecarrego a memoria com um peso morto e, como ella só póde suportar um limitado fardo, imobiliso sem proveito uma parte das minhas forças; perco uma parte do capital intelectual».

Este engenhoso conceito encerra toda a critica que se pode dirigir contra o ensino superior polytechnico, tal como elle é ministrado em França e no nosso paiz, que sofre ha tanto tempo dos inconvenientes das mais infelizes e descabidas imitações, destituidas de motivo e de criterio.

Em geral o ciclo polytechnico compõe-se das mathematicas, da physica, da chimica e muito escassamente das sciencias naturaes e sociaes (Economia politica).

A influencia das mathematicas domina quasi inteiramente neste ciclo e dão como razão disso que ellas constituem um excellente exercicio do espirito e são para a cultura deste uma continuação das humanidades, do latim, da philosophia, que aliás são promptamente esquecidas, como orgãos que se invalidam e atrophiam, por falta de funcção devidamente activa. Evidentemente a mathematica tem numerosas aplicações praticas, mas o que acontece ordinariamente é tirar-se pouco partido da excelencia dos seus calculos e dos seus methodos, para a resolução dos problemas mais interessantes, não obstante a sobre-carga de estudos desta ordem, enorme, apesar de repartida por quatro annos de estudos, que só por si não bastam para o ingresso em uma pratica profissional, sofrivelmente isenta de embaraços e de hesitações por falta de technica.

Na União americana, como na Allemanha, na erudita Allemanha, o ensino do calculo gira unicamente em volta das aplicações uteis e não se acanha de a fazer servir para a realização dos mais fecundos inventos. A exemplo, poderiamos citar a fabricação dos instrumentos de precisão, que no imperio attinge um grau de aperfeiçoamento enexcedivel, que se deve principalmente o douto emprego feito desses estudos transcendentes pelos numerosos engenheiros especialistas que as suas escolas instruem.

O desenvolvimento extraordinario da industria da optica é disso um resultado admiravel.

Só esta á sua parte dá trabalho e um sem numero de mathematicos.

* * *

A pedagogia de hoje requer, como um dos pricipaes incitamentos fornecidos ao espirito do alumno e como realização de um dos principaes preceitos educativos, os trabalhos individuaes e os exercicios de laboratorio. Uns e outros teem sido insuficientemente comprehendidos e postos em pratica nos cursos polytechnicos, de uma fórma que deixa muito a desejar, não permittindo á sua saida a exigivel estabilidade e clareza de noções, bem como o indispensavel conhecimento technico dos methodos experimentaes, que são a base das sciencias modernas. A falta de escolas especiaes, completa a mesquinhez de elementos realmente aproveitaveis, no intuito da formação dos individuos para as ocupações que dependem da mecanica, da physica, da chimica e da electricidade. Esta deficiencia exagera-se ainda mais pela carencia de oficinas em que os alumnos possam praticar, como é de uso na Allemanha e modernamente na Inglaterra, onde o diploma de engenheiro se não obtem logo á saida da escola, sendo necessarios ainda dois ou tres annos de aprendizagem em estabelecimento industrial apropriado.

Não se pense que estes cursos technicos estrangeiros são de algum modo mais demorados do que os nossos, pois que a preparação se faz em um minimo de tres annos e num maximo de cinco, para aquelles que desejam atingir os ultimos graus de instrucção, a licença ou o doutorado, ou transformar a crysalida das suas legitimas aspirações a especialistas habeis. Simplesmente esses annos são bem aproveitados, varridos de inutilidades e plenos de ensinamento util e dedicado, que inspira ao jovem estudante o desejo de saber e só pode aureolar as suas esperanças em uma bem sucedida aplicação.

Agora que a revolução atingiu todas as camadas sociaes, se assenhoreou definitivamente do espirito publico, entrou sedenta de reformas em todos os serviços, bom é que se tome uma orientação determinada na execução de remodelações que, como as do ensino publico, não estavam planeadas anteriormente e carecem de uma direcção impressa e de uma base erecta a partir da elaboração reflectida e da opinião ilustrada dos competentes.

J. Bethencourt Ferreira


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Estudos technicos superiores – Ensino polytechnico" in Diário de Notícias de 17 de Novembro de 1910, nº. 16170, p. 1 (c. 4-5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1979.



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