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Texto da entrada (ID.1997)

ASSUMPTOS DO DIA

O saneamento do Porto e a sua transformação radical

É innegavel que as condições hygienicas de Lisboa, ha annos a esta parte, teem melhorado consideravelmente, o que é devido a tres factores essenciaes: a introducção do Alviella e o abastecimento completo de agua potavel; a abertura de novos bairros com as suas espaçosas ruas e avenidas; maior actividade no serviço da limpeza.

Isto tudo não é bastante e ainda estamos longe do idéal que é necessario attingir e não devemos de modo nenhnm [sic] parar no caminho encetado, contentando-nos com as favoraveis consequencias até agora alcançadas. O systema dos exgottos é difficiente e rudimentar e a construcção das casas resente-se ainda de grande quantidade de defeitos, que reclamam, da parte dos contructores, mais sciencia e consciencia, e da parte das auctoridades respectivas mais vigilancia e mais zèlo pelo bem publico.

No Porto, realisaram-se melhoramentos identicos, posto que em menor escala, mas os resultados não teem correspondido beneficamente ao que se esperava de taes obras, antes o estado sanitario parece ter-se aggravado nos ultimos annos.

Introduziu-se agua do rio Souza, obrigando-se a sua canalisação nos edificios particulares e destruiram-se alguns dos pontos mais infectos da cidade velha. Assim se deu cabo dos abominaveis «Aloques da Biquinha», uma enxurrada, permanente ao ar livre, um deposito e mercado de immundicies, a par da mais commercial e frequentada arteria da cidade, a rua das Flores. Conjuntamente rasgou-se a suja e tortuosa rua das Cangostas, para dar logar á rua de Mousinho da Silveira. Fez-se tambem tabua raza na bolorenta rua dos Banhos e annexas, e a nauseabunda viella da Neta converteu-se na rua do Sá da Bandeira.

A percentagem foi pequena e ainda resta erguida, na sua vetustez andrajosa, a maior parte do antigo burgo portuense, acostado ás egrejas parochiaes da Sé, de S. Nicolau e Miragaia. As ruas da Fonte da Ourina, corruptamente designada Fonte Taurina, da Reboleira, do Barredo, dos Guindaes, dos Mercadores, da Bainharia e tantas outras, estão a pedir o camartello demolidor, qualquer que seja a consideração e piedade archeologica que estejam despertando. Conserve-se tudo aquillo que tenha um caracter historico e artistico, mas em nome do progresso e do bem estar não haja o menor respeito por esse apinhado, embora pittoresco, de casebres sombrios onde não penetra o sol e mal circula o ar e que são pelo menos origem constante de molestias endemicas, quando não são ponto de partida de enfermidades pestilenciaes.

Hoje, no Porto, voga a idéa da necessidade de se arrasarem os bairros primitivos, que tanto teem resistido aos impulsos da civilisação material.

Concordando com a idéa que preside a este plano, quer-nos parecer, todavia, que elle, para ser efficaz, deve ser posto em pratica com a maior prudencia e tino. Não basta arrasar, é preciso pensar-se na maneira de erguer sobre os escombros uma obra duradora, firm [sic], inatacavel; isto é, contendo o menor numero de vicios possivel.

Foi pena, quando se pôz a concurso a construcção dos exgottos geraes, que não se fizesse o mesmo tambem com respeito aos melhoramentos a introduzir na cidade. São duas cousas absolutamente complementares e dependentes uma da outra: aformosear e sanear.

E quando dizemos aformoseamento não levamos apenas em vista a belleza externa, mas sim tambem, a elegancia, o conforto, a commodidade interna. A maior parte das casas que se construiram nas ruas novas, nas ruas commerciaes, sobretudo, como na rua do Mousinho da Silveira, não offerecem garantias de salubridade, Entaipadas, só com uma frente, não tendo por isso respiradouro, padecem ainda de outros vicios, altamente condemnaveis em face das mais modestas exigencias da hygiene.

Antes, por conseguinte, de levar a cabo as projectadas medidas destruidoras, que assumem assim o caracter grave de medidas de salvação publica, convem calcular todas as consequencias do plano que se projecta, ponderando com o maximo escrupulo todos os dados do problema.

Não desejamos crear embaraços, nem tampouco deter uma acção decisiva, que quanto mais decisiva e rapida fôr, tanto mais regeneradora será. A energia, porém, não exclue o estudo previo e meditado, do qual proceda uma obra mais segura e benefica.

Os creditos do Porto, o socego da sua população, a segurança e tranquillidade até de todo o paiz, exigem que se trate d’este assumpto sem mais dilação de tempo, sem mais preoccupações politicas, de faccioso partidarismo de campanario. O Porto é uma cidade tão importante, um elemento de tal ordem no organismo nacional, que precisa que nenhuma suspeita perturbe a normalidade da sua intensa vida trabalhadora.

A laboriosa cidade, a estrenua defensora das regalias populares, tem jus a que o paiz se dedique por ella, já que ella tambem se dedica pelo paiz, e qualquer auxilio que a nação preste para a sua radical transformação hygienica, não será jámais um favor, mas sim, unicamente, um dever.

Nesta ordem de idéas nos parece que se devem orientar os poderes publicos, prestando o seu valimento, já moral, já de qualquer outra natureza, aos esforços e aos recursos das auctoridades e corporações locaes.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "ASSUMPTOS DO DIA / O saneamento do Porto e a sua transformação radical" in Diário de Notícias de 17 de Janeiro de 1905, nº. 14057, p. 1 (c. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=1997.



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