O tratamento do lupus pelo methodo de Finsen no hospital de S. José
O sr. conselheiro Curry Cabral, illustre enfermeiro mór dos hospitaes civis de Lisboa, a quem, incontestavelmente, se devem os grandes melhoramentos introduzidos nos estabelecimentos que tão superiormente administra, reconhecendo a extrema importancia que teria entre nós a introducção do systema therapeutico do sabio professor dr. Finsen, resolveu fazer uma installação adequada no hospital de S. José, submettendo o projecto á approvação d’aquelle eminente medico dinamarquez.
Necessario se torna, porém, segundo a resposta de Finsen, que do seu instituto viesse alguem dirigir a installação technica e ensinar o systema therapeutico na sua pratica, ou que de Lisboa ali fôsse um medico para esse fim.
Reconhecidas as excepcionaes condições que se encontravam no hospital de S. José, onde existia a força motriz e um dynamo capaz de produzir energia electrica necessaria para o funccionamento d’uma installação Finsen, e ainda as extraordinarias vantagens da pratica entre nós d’um methodo de tratamento que tem por objectivo a extincção e a cura d’uma horrivel enfermidade, que se mostrou rebelde a todas as therapeuticas, foi a questão submettida pelo sr. conselheiro dr. Curry Cabral ao criterio do então ministro do reino, sr. conselheiro Hintze Ribeiro, que, por portaria de 23 de junho de 1903, encarregou o sr. dr. Azevedo Neves, digno director geral do Laboratorio de Analyse clinica do hospital de S. José, de ir estudar em Copenhague, em commissão extraordinaria de serviço publico e sem vencimentos especiaes, a installação technica do methodo de Finsen para o tratamento do lupus e de visitar as installações photo therapeuticas similares de Hamburgo e Berlim.
Ao mesmo tempo começou-se a construir um pavilhão que podesse servir para n’elle se installar a secção de serviço de phototherapia pelo methodo Finsen. A construcção civil que é simples elegante completa foi delineada e executada sob a direcção intelligente e illustrada do engenheiro da commissão de obras do hospital de S. José, sr. D. Luiz de Mello.
O pavilhão destinado ainda para servir á condigna installação das secções de electrotherapia e raios X, que dispunham de acanhado espaço no edificio principal do Laboratorio de Analyse clinica. O novo pavilhão comprehende: uma sala de espera destinada aos doentes; uma camara escura servindo para radioscopia e exames das fossas nasaes, larynge, etc.; uma vasta e elegante sala, a sala de tratamento, n’uma metade da qual se encontra a grande lampada Finsen para quatro doentes e mais uma lampada Finsen-Hyn para um doente, estando a outra parte da sala reservada a exame e tratamento de doentes pelos raios X e pela electricidade, duas camaras escuras das quaes uma para spectroscopia e a outra para revelação de chapas radiographicas; com pequeno vestuario uma sala para laboratorio podendo servir tambem para o tratamento de doentes pela luz solar; corredores, etc.
A construcção concluiu-se em fins de novembro de 1904, começando desde logo com as installações electricas que foram feitas sob a direcção do habil chefe da repartição de obras do hospital, sr. Samuel de Almeida, sendo esta a primeira installação electrica completa e cheia de difficuldades que n’aquelle hospital se realisou sem se recorrer a pessoal estranho aos quadros d’aquella casa.
A corrente é fornecida por uma machina Compound, Siemen Bross, cujas caracteristicas são 120 volts e 70 ampéres. Esta machina acha-se afastada 300m,0 do local em que a energia é applicada e distribuida por 3 circuitos independentes; sendo um para apparelhos de phototherapia radioscopia e radiographia; outro para uma lampada de Finsen Reyn, e o 3.º simplesmente destinado á illuminação cujo typo de lampadas é de 80/10.
Em virtude da disposição da canalisação pode trabalhar indifferente e simultaneamente qualquer dos apparelhos, sem que por tal circum[s]tancia haja variações sensiveis no seo perfeito funccionamento, sendo sempre possivel empregar-se todo o rendimento do dynamo como conservação, constante do potencial nos seus bornes, apesar de variações de carga de 5 a 70 ampéres.
Em toda a installação se attendeu muito particularmente ao dificil problema da instabilidade da carga, por fórma a evitar variações, de potencial, perigoso para quem tivesse de trabalhar com os apparelhos e exigindo uma intensiva vigilancia dos instrumentos de medida que assim rasoavelmente se atenua.
Ao mesmo tempo procedeu-se á installação do material destinado ao tratamento dos doentes segundo o mothodo [sic] de Finsen. Este material foi fabricado em Copenhague e examinado no Instituto de Finsen antes de ser remettido para Lisboa. A escolha do material foi feita pelo sr. dr. Azevedo Neves.
A installação Finsen comprehende uma lampada Firosen grande modelo destinada ao tratamento simultaneo de quatro doentes. Esta lampada consta d’um poderoso arco voltaico de 50 ampéres (as lampadas de illuminação mais intensa consomem uma corrente de 20 ampéres) e quatro tubos telescopicos com lentes de crystal da [sic] rocha, destinados á filtração da luz para a illuminação dos raios calorificos. O tratamento faz-se applicando a luz durante uma hora e um quarto sobre a região doente, devidamente comprimida com uma lente de crystal de rocha em cujo interior circula a agua. Na figura está representada a lampada e o modo como se effectua o tratamento.
Além da lampada grande modelo possue o laboratorio uma lampada Finsen Reyn consumindo uma corrente de 20 ampéres e destinada ao tratamento d’um doente de cada vez. Com estas duas lampadas podem-se tratar normalmente 35 doentes por dia.
Existem ainda 2 apparelhos para a luz solar, 19 lentes compressoras de diversos modelos e todos os instrumentos que no laboratorio do Instituto de Finsen se empregam para os estudos mais importantes de photobiologia.
Com o intuito de se poderem realisar pesquizas relativamente à acção que a luz exerce sobre os seres vivos, existem na sala destinada a laboratorio e os tratamentos pela luz solar, 8 camaras de vidros córados, tendo[-]se experimentado previamente as materias córantes com o spectroscopio.
A installação de raios X, comprehende uma bobine Ducretet, e dois interruptores, um de mercurio fabricado por Ducretet e um interruptor electrolytico de Wehlnet da casa Siemens e Halshe de Berlim.
Nesta secção de serviços existe um apparelho inventado pelo sr. dr. Feyo e Castro, chefe de secção do laboratorio, o qual reune no mesmo commutador as ligações com as differentes pontas do interruptor electrolytico ou com o interruptor de mercurio. Ao lado deste commutador existe um apparelho do sr. Samuel d’Almeida, graças ao qual se pode augmentar ampére a ampére a intensidade da corrente electrica que passa na bobine. Tanto o apparelho do sr. dr. Feyo e Castro como o do sr. Almeida foram construidos nas officinas do hospital de S. José e por pessoal pertencente a este estabelecimento. Completam esta installação varios [sic] ampolas de Crookes, fabricados por Chabaud, Muller, Hirschman, Siemens e Halske e dois supportes, um fabricado por Ducretet e o outro servindo especialmente para os tratamentos dos raios X, inventado pela casa Hirschman de Berlim. Ha ainda as escalas de Holzknecht, radio chromometro de Benoist, etc., etc.
Na parte reservada aos tratamentos pela electricidade existe um movel do gabinete da casa Gaiffe, servindo para applicação de correntes continuas e intermittentes; uma machina de electricidade estatica tambem fabricada por Gaiffe, apparelhos de Arsonval, etc.
Os serviços installados no novo pavilhão do Laboratorio d’Analyse clinica começaram a funccionar em 10 de dezembro de 1904.
A installação Finsen do hospital de S. José, sendo não só a primeira de todo o paiz e uma das melhores e mais bem organisadas e completas da Europa, é superior ás installações de Hamburgo, Berlim, Dresde e Paris e é tambem a primeira que em Portogal [sic] começou exercendo a sua acção benemerita.
Pela electricidade e raio X tratam[-]se actualmente quarenta doentes por dia, durante este serviço, cerca de 2 horas (9 ás 11 da manhã) na secção Finsen andam actualmente em tratamento 24 doentes, durando cada tratamento uma hora e um quarto, começando ás 7 ½ da manhã e terminando às 5 horas da tarde. De cada vez tratam-se ao mesmo tempo quatro ou cinco doentes.
Os serviços prestados pelo laboratorio, tanto pelo que respeita a analyses como relativamente a tratamentos são gratuitos para os doentes internados e para os pobres, e remunerados para os que não estejam nestas condições.
[Contém imagens; legendas: “Hospital de S. Joao – Fachada do Instituto Finsen”; “Conselheiro Curry Cabr[al]”; “Hospital de S. José – Sala do tratamento do Instituto Finsen”]
[n.d.] - "O tratamento do lupus pelo methodo de Finsen no hospital de S. José"
in Diário de Notícias
de 20 de Janeiro de 1905, nº. 14060, p. 3 (c. 4-5; imagens, c. 4-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2001.
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