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Texto da entrada (ID.2013)

Chronica scientifica

Fiscalisação do leite – Importancia da questão – Mortalidade e morbilidade infantil por falta de leite – Para conjurar o perigo commum – A verificação da pureza do leite – Variantes de composição e adulterações – Insuficiencia de garantia da lei e da verificação – Bases scientificas para remediar este mal – Processos de esterelisação.

A fiscalisação do leite tem levantado atritos entre os revendedores e as autoridades zeladoras. Não é recente a divergencia sem que as posturas e os regulamentos obstem a que ella se torne ostensiva e vá ferir interesses de ordem varia, que não devem ser descurados pelo legislador e pelos que obedecem á lei. D’aqui a necessidade de um estudo do assumpto menos perfunctorio do que até agora se tem feito. A regularisação do negocio do leite, se não se presta ás diatribes e expansões politico-financeiras provocadas pela crise vinicola e pela industria do tabaco, é, pela sua intima relação com o bem estar e com a saude das gentes, uma questão digna de preocupar ao menos os que, por cargo administrativo ou por cuidado philanthropico, teem de velar pelos seres delicados que mais dire[c]tamente beneficiam da alimentação lactea: as creanças, os velhos e os doentes.

Alguns principios estabeleceram os entendidos – chimicos, biologistas e medicos – a favor da resolução do complicado problema do leite, o qual bem considerado vale uma boa somma de contos de réis por anno e tem sobretudo uma importancia enorme no ponto de vista da sanidade publica.

Em França e noutros paizes civilisados as autoridades tratam assiduamente desta questão, sobre a qual ha publicada uma extensa bibliographia e constitue normalmente objecto de discussão na imprensa diaria e nos periodicos scientificos, onde aquelles principios se explanam e libertam das hesitações das tentativas.

O congresso internacional de hygiene de Paris em 1889, investigando as causas influentes na excessiva mortalidade infantil, reconheceu ser a principal a falta de hygiene na alimentação das creanças, particularmente das que soffrem amamentação artificial.

Em presença da estatistica obituaria mais sombria, para que a primeira infancia contribue mais abundantemente, accusando em certas localidades percentagens aterradoras e em vista de tanta miseria organica lavrando na parte mais tenra da população, do rachitismo vulgar, das deformações, paragens de crescimento, etc., frequentes nas pequenas edades, forçoso é reconhecer a communidade de causa que lhes dá origem e essa encontra-se comprovadamente na viciação ignorante ou propositada, as mais das vezes, insciente e grosseira do aleitamento artificial.

Comprehende-se portanto, que, em frente de um inimigo tão poderoso e disseminado, que fere traiçoeiramente o renovo das gerações, a procura de um agente seguro que debelle radicalmente o mal constitua um problema de interesse capital.

Assim é, por exemplo, na Dinamarca, na Allemanha e em outras nações que presam o seu bem-estar e o seu desenvolvimento. O mais seguro meio de travar a marcha deste importante factor de despovoamento é a administração abnndante [sic] do leite de boa qualidade.

Nasce porém aqui uma dificuldade, á primeira vista de facil vencimento, mas bastante intrincada na pratica – a verificação da pureza do leite e do seu valor alimentar.

Um litro de leite deve conter em media por 870 partes de agua: 130 de materias fixas comprehendendo 40 de gordura (manteiga), 50 de assucar (lactose), 40 de caseina e saes.

Este seria o leite chamado «normal», o leite como «devia ser». Não se contam realmente estes numeros no leite «tal qual é», sendo muito variaveis todas as percentagens, mais do que todas a da manteiga, a qual diminue em geral por virtude de processos mais ou menos licitos e imperfeitos de que resulta uma desvalorisação do producto alimentar por excellencia, principalmente no ponto de vista da manteiga gorda.

Não insistiremos agora, o que nos levaria longe sobre as falsificações cuja base é a adicção de substancias estranhas, como a farinha, oleos, etc., fraudes nocivas, mas pouco costumadas.

Consideraremos a adulteração que tem habitualmente o nome de «baptismo» entre nós e que se reduz á mistura da agua com o leite. É esta uma maneira usual de o adulterar duplamente perigosa, porque não só diminue o poder nutritivo de leite, mas o sujeita a inquinações que o tornam vehiculo dos germens de muitas doenças: febre typhoide, tuberculose, e outras.

Chegou-se a contestar que acrescentamento de agua ao leite devesse tomar-se á conta de sophisticação; mas na douta opinião de Littré, a falsificação das substancias alimentares consiste exactamente na adulteração voluntaria por meio de mistura com materias inertes ou de qualidade inferior.

Ajuntar a agua ao leite vendavel é pois adulteral-o, no sentido proprio da palavra.

Não se pode considerar do mesmo modo a gordura de menos, subtracção que entra no entanto muito pelo abuso. A materia gorda do leite de vacca, o mais geralmente consumido, existe na proporção de 40 a 80 por cento das materias extractivas e, entre certos limites, é permittida a sua diminuição, sem que a bebida perca sensivelmente das suas qualidades nutrientes.

Trata-se porem de um decrescimo natural e não se defende o empobrecimento do leite normal, e tanto menos, quanto esta desnaturalisação arrasta quasi sempre o baptismo, a fim de restabelecer uma densidade que a descremagem augmentou e ainda outros processos mais ou menos usados, taes são o acrescentamento de materias para engrossar o leite, chegando ás mais grosseiras adulterações.

Devemos confessar que, apesar de tudo que se tem estudado ácerca destas manipulações criminosas, a lei acha-se ainda mal garantida contra os falsificadores e a averiguação de pureza é sempre um trabalho de laboratorio paciente e demorado, para ser suficientemente exacto e portanto, a boa fiscalisação não se compadece com os rigores summarios ordinariamente empregados em rapidos simulacros de verificação.

O facto é que taes medidas não impedem toda a adulteração, mas apenas as mais grosseiras e banaes, ficando muito de banda o lado sanitario do problema.

O caso da producção forçada, que adoece a vacca é [sic] altera consequentemente o leite, não e [sic] tomado na devida consideração.

Se pensarmos que mesmo as preparações de leite artificialisado são mais ou menos nocivas e estão fóra do regulamento commum, veremos como a investigação sobre a normalidade do leite deixa ainda muito a desejar.

Não fica, entretanto, sem remedio contrario esta causa manifesta do depauperamento e da morbilidade popular. Os progressos da chimica biologica fornecem os meios de precaver até certo ponto as falsificações do leite, assim como os methodos de o sanear e transformar em alimento perfeito e destituido de inquinações.

A fundação de grandes vacarias, em estabulos modelos, á maneira das que existem em Berlim em [sic] Francfort, mantidas segundo os dictames da sciencia e escrupulosamente fiscalisadas, abastecendo de leite os grandes centros, é para desejar como medida economica, porque barateiam a producção e como melhoramento salubre, porque oferecem maior garantia da boa qualidade do producto.

A facilidade na introducção de leite nas cidades e o aperfeiçoamento dos meios de o transportar e boas condições é tambem um processo de barateamento e de purificação relativa.

A propaganda dos modos de conservar o leite aponta-se ao lado dos alvitres anteriores e sem duvida attinge na vida moderna, commercial e domestica, um alcance muito grande, pela facilidade e segurança do seu emprego, impedindo as fermentações que o damnificam e fazem prejudicial.

Rivalisam com este fim dois processos antinomicos – a refrigeração e a esterilisação pelo calor:

O primeiro cede ao segundo em que a acção deste é mais decisivamente purificadora.

São numerosos os apparelhos inventados para conseguir este ultimo, nem sempre de resultados eficazes; a simplificação delle na pratica da chamada «pestenrisação» [sic] é bastante, na maioria dos casos, fóra do tratamento industrial em ponto grande nas estufas sob pressão.

Desta forma o leite passa de uma temperatura de 75 a 80 graus a 10 ou 15º subitamente, mostrando a analyse bacteriologica que elle perde assim os germens acaso contidos. A ebullição é o meio esterilisador mais geralmente seguido para uma conserva de poucas horas.

Para uma conservação duravel é preciso eleval-o 110º ou 15º por mais de 15 minutos. É assim que ainda se mantem no Instituto Pasteur de Paris os frascos de leite esterilisados ha annos pelo sabio cujo nome distingue o estabelecimento.

Foi o professor Pinard quem no anno de 1889 instituiu em uso auctorisado esta preparação lactea e d’então para cá todas as maternidades e dispensarios se empenham no emprego della, gloriando-se dos resultados.

É justo e esperançoso dizer que entre nós algumas tentativas estão sendo levadas por diante com exito notavel, a que apenas falta a força de generalisação, para as tornar em uso corrente.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Fiscalisação do leite – Importancia da questão – Mortalidade e morbilidade infantil por falta de leite – Para conjurar o perigo commum – A verificação da pureza do leite – Variantes de composição e adulterações – Insuficiencia de garantia da lei e da verificação – Bases scientificas para remediar este mal – Processos de esterelisação." in Diário de Notícias de 7 de Fevereiro de 1905, nº. 14078, p. 1 (c. 6-7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2013.



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