ASSUMPTOS DO DIA
O saneamento das povoações
II
A França começou o saneamento pelas casas operarias e por iniciativa particular.
No ano de 183 [sic], A. Koachlin, e depois Dokus, commovidos pela miseria em que vivia grande numero de operarios, cujas habitações por velhas, arruinadas e immundas, eram o refugio de todas as doenças mortiferas e ponto de partida de epedemias [sic], tiveram a ideia de constituir em «Moulhouse» casas cercadas de jardins, para alugar por preço modico, ás classes operarias.
D’aqui nasceu a «Société moulhousienne dés cités», que já tem construido 1.200 casas, vendendo-as por annuidades, que são applicadas a novas construcções, depois de distribuido o juro de 4% sobre o capital primitivo.
Esta sociedade serviu de modelo a muitas outras que se constituiram em França e em diversos paizes.
As construcções de casas operarias influiram de tal modo para elevar o sentimento de dignidade pessoal e a moralidade da vida em familia que, diz Bernaerts, o celebre homem do Estado Belga, nada ha mais essencial, mesmo debaixo do ponto de vista economico, do que collocar o operario n’um meio favoravel á sua saude».
[*]
Muitos annos depois é que nasceu em França o movimento em favor do saneamento geral das povoações e das casas de habitação, originado especialmente pela benefica e humanitaria lei de 15 de abril de 1850, pela qual foram creadas as commissões dos alojamentos insalubres.
Estas commissões, que deviam ser eleitas pelos concelhos municipaes, tinham como principaes incumbencias:
1.º receber todas as queixas que lhes fossem dirigidas por causas de insalubridade dos logares e das habitações;
2.º organisar inqueritos para determinar as causas de insalubridade;
3.º propor tudo quanto podesse concorrer para melhorar as habitações e os logares insalubres;
4.º designar os predios insusceptiveis de saneamento e que por isso deviam ser reconstruidos.
Eleitas a principio em numero muito pequeno por não haver nos concelhos pessoal habilitado, luctaram estas commissões com innumeras difficuldades em consequencia de varias insufficiencias da lei, que, alem de estabelecer uma grande morosidade nos processos, não definia claramente as regras hygienicas a que as construcções deviam obedecer, e eram desconhecidas do publico em geral, permittindo a continuação dos antigos erros e dos abusos, que concorriam para aggravar as más condições já existentes, e por isso nos primeiros annos pouco progrediu este serviço. Ainda assim recorrendo á intervenção officiosa, tentando esclarecer o publico sobre as exigencias da hygiene e convencer os proprietarios sobre a conveniencia de fazerem executar voluntariamente os trabalhos de reconhecida utilidade, formulando leis e regulamentos, que foram depois approvados successivamente, conseguiram fazer 99.399 inqueritos desde 1850 a 1899, descobrindo e remediando numerosas causas de insalubridades, o que contribuiu poderosamente para melhorar as habitações, tanto no interior como no exterior.
[*]
Estes exemplos foram seguidos por todos os paizes cultos, e dos seus bons resultados offerecem-nos as estatisticas a demonstração mais completa e convincente.
Comparando a mortalidade antes de se effectuarem os melhoramentos sanitarios com a que indicam os respectivos registos depois de realisadas as obras, tem se reconhecido que a mortalidade vae diminuindo successivamente e na proporção em que essas obras se vão concluindo, como demonstra com toda a clareza o seguinte quadro da mortalidade geral por 1.000 sabitantes [sic] nas duas epochas referidas:
Inglaterra de 23,3 desceu a 17,4
Suissa de 24,2 » 17,6
Belgica de 24,2 » 20,0
França de 23,7 » 22,0
Italia de 30,7 » 25,5
Baviera de 31,4 » 28,5
Nas cidades succedeu o mesmo
Londres de 24,0 desceu a 18,8
Edimg.º de 25,8 » 18,8
Paris de 25,37 » 20,17
Berne de 31,4 » 20,8
Bruxellas de 31,9 » 21,9
Marselha de 52,0 » 25,0
Não são de menor importancia os resultados obtidos na mortalidade produzida pelas doenças infecciosas, que estão intimamente ligadas e dependentes das condições da habitação.
[*]
Indicam as estatisticas que a mortalidade por 1.000 habitantes pela febre typhoide diminuiu em:
Berlim de 0,95 a 0,14
Londres de 0,99 » 0,16
Genebra de 0,55 » 0,18
Paris de 0,64 » 0,33
Inglaterra de 0,98 » 0,21
França de 0,85 » 0,31
Na tuberculose tem-se observado os mesmos effeitos.
O Dr. Sandoz n’uma memoria, que publicou em 1901 sobre as condições da habitação e a saude publica, informa que havia em Londres certos bairros e ruas que eram verdadeiros focos de tuberculose, causando numerosas mortes, mas que esta doença desappareceu ali por completo com a destruição d’esses bairros, que foram substituidos por novas habitações saudaveis e ruas amplas bem illuminadas.
Affirma tambme [sic] Knopt que a mortalidade pela tuberculose desceu em Londres nos annos de 1891 a 1896 de 2,2 0/00 a 1,73 0/00 e em toda a Inglaterra desceu gradualmente, acompanhando os progressos dos melhoramentos executados, como indica o seguinte quadro:
1870 – 2,1 0/00
1880 – 1,86 0/00
1890 – 1,68 0/00
1896 – 1,30 0/00
Brouardel n’um interessante relatorio apresentado á commissão de tuberculose demonstra que esta doença constitue focos, que se localisam sobre tudo nas grandes cidades e especialmente em certos bairros e ruas humidas com casas insalubres, «as quaes devem desapparecer, como primeiro plano de campanha a seguir contra esta terrivel doença».
[*]
Tudo quanto fica exposto mostra sem a menor duvida a grande influencia das condições da habitação na mortalidade, cuja diminuição gradual acompanha os progressos realisados pela engenharia sanitaria e pelo saneamento das habitações e do solo das cidades.
(Continúa.)
A. MONTENEGRO.
A. Montenegro - "ASSUMPTOS DO DIA / O saneamento das povoações / II"
in Diário de Notícias
de 10 de Fevereiro de 1905, nº. 14081, p. 1 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2016.