Saneamento da cidade de Lisboa
IV
Está geralmente reconhecido por todos os hygienistas e confirmado pelas estatisticas, que concorrem poderosamente para diminuir a mortalidade nas grandes cidades:
1.º Um bom abastecimento d’aguas potaveis.
2.º A construcção de esgotos.
3.º Abertura de ruas largas e bem arejadas, com casas construidas de nôvo satisfazendo a todas as condições hygienicas.
4.º A suppressão das superficies insalubres e a demolição dos predios anti-hygienicos.
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Parece que, depois da cidade de Lisboa ter sido abastecida com as aguas do Alviella, de se ter dado um certo desenvolvimento á construcção dos esgótos e de se ter aberto um numero importante de largas ruas e avenidas o seu estado sanitario devia melhorar consideravelmente; comtudo as estatisticas da mortalidade e das doenças que são o argumento de maior valor a que se póde recorrer, não estão muito de accordo com esta opinião.
Não temos estatisticas bem organisadas senão nos ultimos annos, mas com algum trabalho pude obter esclarecimentos e chegar a conclusões, que julgo aproximadamente exactas e vão reunidas no seguinte quadro, organisado por series de 5 annos.
[ver imagem]
O exame d’este quadro mostra que a mortalidade geral começou a diminuir no anno de 1886, convem comtudo, lembrar que n’este anno foi alargada a area da cidade, juntando-se-lhe varias freguezias com população menos densa em casas mais saudaveis, onde a taxa da mortalidade deve ser menor, influindo para menos na taxa do conjuncto geral, o que tambem confirma o seguinte quadro da mortalidade geral por 1000 habitantes dentro da antiga circunvallação:
1886 – 90 | 31,85
1891 – 95 | 29,34
1896 – 900 | 27,90
Estes resultados mostram, que a mortalidade dentro da antiga circunvallação, onde se encontram os bairros velhos com ruas estreitas e humidas e os pateos com as suas casas doentias e arruinadas, pouco diminuiu o que tambem confirmam as columnas relativas ás doenças da tuberculose pulmonar e da febre typhoide, que nascem e se desenvolvem de preferencia e com mais intensidade nos bairros e nas casas insalubres.
Todas estas considerações nos levam a concluir, que o benificio [sic], que devia esperar-se dos melhoramentos já realisados, foi muito diminuido pelo augmento sempre crescente da infecção e das causas da insalubridade não combatidas.
Este augmento de infecções e das causas da insalubridade pode ser proveniente da falta de cuidado nas construcções novas, e do agravamento das insalubridades nas construcções velhas.
Em Bruxellas, tendo apparecido uma epidemia n’um bairro novo bem construido e com bellas casas, reconheceu-se ter havido imprevidencia e falta de cuidado na construcção dos tubos de queda que, por estarem imperfeitos, deram entrada nas casas ás emanações miasmaticas dos esgotos, que foram a causa da epidemia.
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Em Lisboa tem havido tambem imprevidencias do mesmo genero na construcção das casas novas e até nas ruas publicas.
Poderia citar varios exemplos, bastarão os seguintes:
Entre o Dafundo e a Cruz Quebrada consentiu-se a construcção de um importante grupo de casas n’um terreno á margem do rio, humido e sem canalisações, nem esgotos, que deviam ter sido projectados e construidos previamente; no largo da Mouraria construiu um particular uma longa escada para serventia de casas com defeitos hygienicos, especialmente nos saguões.
O publico, aproveitando o abrigo de um tapume de madeira collocado á entrada, converteu estas escadas em sentina, d’onde, especialmente no verão, sahe um cheiro intoleravel, que invade as casas vizinhas, incommoda e prejudica a saude dos seus habitantes.
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A vereação actual tem sido mais correcta e cautellosa no que respeita á saude publica.
Foi a primeira que deu execução ao regulamento de salubridade, resolvendo não dar licença para que qualquer construcção sem o parecer do conselho dos melhoramentos sanitarios, o qual desde 12 de fevereiro de 1904, em que principiou este serviço, já deu 500 pareceres, e, para completar esta disposição resolveu tambem a camara prohibir que sejam habitadas as casas novas sem serem previamente inspeccionadas, para se verificar se foram cumpridas as condições impostas pelo regulamento de salubridade e as inscriptas na respectiva licença para construir.
É pois certo que ultimamente se tem attendido ás condições hygienicas, a que devem satisfazer as construcções novas, as quaes no futuro hão-de offerecer melhores garantias de serem salubres.
A. MONTENEGRO.
A. Montenegro - "Saneamento da cidade de Lisboa / IV"
in Diário de Notícias
de 18 de Fevereiro de 1905, nº. 14089, p. 1 (c. 6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2029.