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Texto da entrada (ID.2037)

Chronica scientifica

A certeza mathematica e a evolução scientifica moderna – Reforma das ideas assentes em physica – radiações obscuras e opacidade relativa – O poder da electricidade e a revolução nos habitos – O progresso da sciencia contra a immutabilldade [sic] – A inexactidão do metro – Sua accusação feita pelo professor Gadot – Razões da fallencia daquella unidade – Importancia da questão – Substituição da medida usada pela pressão barometrica – Vantagens e objecções

A pretensão de certeza mathematica nos mais difficeis e complicados calculos em que intelligencia humana se esforça para achar o segredo das leis naturaes soffre repetidos abalos, que obrigam de tempos a tempos á revisão dos methodos até então considerados infalliveis á repetição de observações e experiencias que lhes servem de base.

Á analyse minudente da sabedoria critica contemporanea nada resiste, nem mesmo os factos admittidos como immutaveis, d’onde a reforma de ideas que pareciam para sempre definidas e por consequencia o desmoronamento parcial ou total de construcções theoricas julgadas firmes, o desvanecimento de muitas previsões suppostas bem fundadas. Desta forma, a idea que tinhamos de corpos luminosos e opacos modificou-se pela apparição de novos factores da luz, dos effeitos das radiações chamadas obscuras, das quaes algumas penetram atravez de substancias que de ordinario impedem a passagem da luz. O poderio universalmente estabelecido da electricidade obriga a riscar dos vocabularios a palavra – impossivel. Sob o seu dominio a revolução nos velhos habitos torna-se inevitavel. É o progresso da sciencia, perante o qual a immutabilidade é o nada. Estamos portanto sujeitos a revelações que destroem as concepções mais trabalhosamente implantadas, mas não ha resistir. Vejamos, por exemplo, o que acontece com o metro, até aqui considerado como base inabalavel do systema de medidas mais seguido, adoptado depois de quantas duvidas, hesitações e luctas!

Apesar da simplicidade da sua logica e da commodidade da sua applicação que é uma verdadeira paz nas transacções, a que elle serve prestimoso a toda a hora, acha-se inculpado de inexactidão e carece de ser refundido ou substituido. É um physico pouco conhecido que o affirma com exuberancia de argumentos e que deste modo adquire para o seu nome uma justificada notoriedade. Não é porém de absoluta novidade esta accusação do metro, se considerarmos as objecções que elle tem encontrado entre inglezes, que foram os ultimos a aceital-o. No emtanto, deixaram elles de lhe fazer porventura a mais terrivel contrariedade, que é a unica fundada, a tal que em mais de uma memoria formula o professor de physica Adolpbe [sic] Gadot.

Conforme as suas investigações, o metro, tal como se emprega usualmente, está errado e dá ocasião a frequentes e consideraveis enganos nos calculos e na pratica.

Foi a Assemblea [sic] Constituinte de 1790 que, sob a proposta de Talleyrand, encarregou a Academia das Sciencias de Paris de escolher a unidade invariavel de pesos e medidas, do que deu conta uma commissão cujo relatorio é subscripto por uma pleiade de nomes celebres: Borda, Lagrange, Laplace, Monge e Condorcet. Dos trabalhos destas auctoridades universalmente respeitadas na physica e na mathematica resultou a adopção da medida linear conhecida pela designação – metro – e que se diz ser a decima millionesima do quarto do meridiano terrestre.

Apesar da sua nobre origem e abalisada proveniencia, o metro não é, no dizer do professor Gadot, uma unidade natural, de uma precisão verdadeira, de uma constancia absoluta, superior a todas as contingancias, susceptivel de ser instantaneamente rebuscada, conforme o decreto da Constituinte. Quer dizer, a unidade metrica adoptada não se liga inteiramente a um phenomeno natural, sempre o mesmo e facilmente realisavel, com todo o rigor de uma lei physica, com uma precisão absoluta. A começar por que o conhecimento tomado do meridiano não possue o caracter de immubilidade exigido em principio para base do systema metrico.

De facto, as mensurações sequer da quarta parte desse meridiano, tão difficultosamente executadas que levaram mais de um seculo, não deram senão resultados aproximados, e não a medida exacta, na propria accepção da palavra, perfeitamente encontrada na propria natureza.

De certo o erro commettido, em sucessivas aproximações, é minimo, mas a conclusão não é menos verdadeira de que, a unidade de pezos e medidas, que devia ser rigorosa, é apenas um pouco mais ou menos calculada sobre uma coisa que não tem a constancia apreciavel de uma lei natural. Basta dizer-se que a avaliação do metro é dada pela media entre os numeros achados por Delambre e Méchain e os de Biot e Arago. Não é pois exactamente a unidade desejada.

Esta questão que parece á primeira vista sem importancia para o nosso modo de vida quotidiano, interessa profundamente a astronomia e outras sciencias dependentes da mesma base de calculo e cujas formulas deixarão de dar resultados certos desde que se empregue tal valor em relação ao meridiano.

Alem d’isto, os estalões metricos postos á disposição dos interessados pelo «Bureau» internacional de pesos e medidas são sujeitos a variações apreciaveis scientificamente, embora despreziveis na pratica, mas que em todo o caso, não é possivel verificar em qualquer momento, porque não se pode em qualquer occasião ir verificar aquella quota parte do meridiano. Comtudo, segundo a opinião do citado physico moderno, existe um phenomeno bem natural, com os caracteres necessarios para o fim ideal que teve em vista a commissão do metro. É a pressão atmospherica, exactamente conhecida pelo barometro, invariavel na sua maneira de se produzir nas mesmas condições, verificavel em qualquer hora e logar.

É sabido que o peso do ar equivale em media ao de uma columna de mercurio de 76 centimetros ou ainda ao de uma columna de agua distillada [sic] de 10m,33 de altura. Temos então a unidade requerida com maior propriedade, constante, natural, de exigivel infallibilidade e instantanea verificação.

Desta forma a unidade linear seria mais comprida, pois viria a ter 1,m033 [sic], o que não é peccar por excesso, por isso que o padrão geralmente recebido se diz ser «curto» em demasia… dando-se mais a circumstancia [sic] de ser esta differença para mais o que falta ao metro actual para equivaler precisamente ao quadragesimo millionesimo do meridiano terrestre.

A pressão athmospherica viria a ser pela nova convenção (1 kgr.) um kilogramma, isto é o peso de uma columna d’agua distillada, de 10 metros (estylo novo), a 4.ª acima de zero (maximo de densidade) e de um centimetro quadrado de secção.

Vê-se como d’est’arte se harmonisa singelamente um novo systema de pesos e medidas, tendo inicio um phenomeno physico directamente reconhecivel, eternamente o mesmo.

Cremos escusado advertir que a unidade barometrica se refere á pressão ao nivel do mar e obedece a todas as exigencias a que tem de ser submettida oara se tornar viavel.

Dir-se-ha como objecção que se propõe egualmente uma média para base do novo systema, porém trata-se de uma média bem determinada, visto que desde Laplace foi fixada em 1 kgr., 033 por centimetro quadrado e entra sempre com este valor em todos os computos.

Em ultimo caso apresentar-se-hia a hypothese (apenas hypothese) de poder diminuir o envolucro [sic] athmospherico ao ponto de aquella medida deixar de ser a expreesão [sic] do peso aereo, como hoje o entendemos; mas o facto é que essa reducção não affecta, mesmo no decurso de seculos, nem os nossos sentidos nem os apparelhos de que nos servimos. Seriam necessarios milhares de annos para que a pressão media tomada por unidade variasse de um millimetro sequer!

D’aqui até lá não interessa aos sabios nem a ninguem similhante desgaste.

Afinal, a unica contradicção que se levanta ingente, essa talvez irreductivel, á innovação original e laboriosa de Mr. Gadot, é com certeza a rotina e a duvida sobre se valerá a pena deslocar as nossas ideas, para convenção, seguindo o rasto genial dos physicos e dos mathematicos de cada epoca.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / A certeza mathematica e a evolução scientifica moderna – Reforma das ideas assentes em physica – radiações obscuras e opacidade relativa – O poder da electricidade e a revolução nos habitos – O progresso da sciencia contra a immutabilldade [sic] – A inexactidão do metro – Sua accusação feita pelo professor Gadot – Razões da fallencia daquella unidade – Importancia da questão – Substituição da medida usada pela pressão barometrica – Vantagens e objecções" in Diário de Notícias de 21 de Fevereiro de 1905, nº. 14092, p. 1 (c. 6-7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2037.



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