Assumptos do dia

Assistencia Nacional aos Tuberculosos

Hospital de Repouso

Um alumno de medicina chamado á lição na aula de pharmacia, sobre o vinagre, na ignorancia até do que elle fosse, dissertou pomposamente ácerca das propriedades que lhe attribuiam, acabando por fazer depender a vida, a terra, o mundo da sua existencia.

A tuberculose como doença social, tanto tem sido torturada com a rethorica, tanto desvirtuada na sua significação e alargada a sua importancia, alojando dentro della todos os graves problemas sociaes, que, pouco falta, equipararem-na ao vinagre do estudante.

A tuberculose é, com efeito, um terrivel mal, que devasta atrozmente gerações sobre gerações, mas na essencia, é apenas uma doença infecciosa, regulada por leis identicas a todas as do mesmo genero, e, capaz de ser combatida por meios analogos aos empregados para exterminar outras, egualmente graves, para a prosperidade anthropologica da nossa raça.

Na prophylaxia de todas as doenças infecciosas, incluindo a tuberculose, ha a considerar tres elementos:

o germem – o veichulo – o terreno

De modo que, para estabelecer regras de combate contra cada uma dessas doenças, é necessario conhecer as condições de vida do parasita, qual o agente de transmissão: se o ar, como na lepra, na peste, na pneumonia, na tuberculose; se a agua, como na febre typhoide, no colera, na dysenteria amibiana; se os insectos como na febre amarella, no paludismo, na filarose, na trypanosomone, e, finalmente, a naturesa do terreno. É sabido como a idade, a raça, certos estados morbidos anteriores (siphilis, variola, alcooloismo, etc.) influem para se poder realisar ou não, no individuo a cultura de uma dada semente, que determinará uma certa doença.

Doenças infecciosas ha, cuja prophylaxia é simples: são aquellas em que o agente é facilmente attingido no vehiculo. Assim a febre typhoide, o que foi e é ainda hoje, para certas cidades um verdadeiro flagello, pode ser rapidamente combatida nas suas epidemias de origem hidrica, ou pela esterilisação das aguas, ou abastecendo as povoações de fontes não poluidas.

A febre amarella, esse terror dos paizes quentes, que só durante a ultima revolução de Havana matou 15:000 soldados hespanhoes, encontrou efficaz remedio na destruição dos mosquitos «Stegomyfaciata».

Em Havana mercê das sabias prescrições da Commissão Americana, extinguia-se o flagello, que tinha ali um foco intenso.

Eossi, Bignani e outros, em trabalhos memoraveis demonstraram a importancia do mosquito «anophelos» na propagação e desenvolvimento dessa negra pandemia – o paludismo –, certamente tão grave para a humanidade, como a tuberculose. Pois bem, as regras da prophylaxia desse morbo estão assentes e, pode, sem exagero dizer-se que foram aquelles auctores, com o seu trabalho, que fizeram a nova conquista de Africa, para os europeus.

Pela modificação do terreno, tambem se consegue evitar doenças graves. As gerações modernas mal conhecem os estragos que a variola produziu. Bastou que o genio de Jenner mostrasse que a vaccina, afecção levissima, tornava o organismo dos individuos, que a ella se sujeitam refractarios á variola para apagar, como na Allemanha, essa doença dos registos de morbilidade. Algumas dellas foram combatidas efficazmente pelo isolamento apesar de mal conhecidas as suas causas. A lepra que, durante tantos seculos, dizimou a humanidade e, que foi o maior pesadelo da edade media, começou a receber o verdadeiro tratamento no seculo IV de S. Nicolau, que fez construir o primeiro hospital, exclusivamente destinado aos leprosos. No tempo de Luis VIII, só em França, existiram duas mil gafarias e, no mundo, vinte mil. O isolamento e as gravissimas penas em que incorriam os medicos, quando não declaravam os doentes atacados de lepra as auctoridades municipaes fizeram declinar a doença, sucessivamente do seculo XIII ao XVII, a ponto de a considerar extinta em 1624 (Sprengel).

A peste atingiu a Europa em arremetidas gigantescas. Os estragos que ella produziu foram, por vezes, assombrosos; no seculo XIV a peste negra, segundo as estatisticas do papa Clemente VI, matou 42.836:486 individuos. Pois foi em grande parte pelo isolamento, systematico, pela destruição de tudo quando pudesse ser portador do germen do contagio, quer dizer, pela perseguição dos bacilos productores, que se realisaram taes sucessos que em 1851 se considerou esse terrivel mal quasi extincto.

O que a humanidade tem conseguido sobre tão terriveis males ha de egualmente conseguil-o contra a tubercuclose, embora ligeiras particularidades na apparencia, a distingam das outras doenças infecciosas.

A tuberculose é realmente uma das doenças em que o terreno tem mais importancia e, por isso, foi considerada social, e, a grande lucta tem de ser contra o pauperrismo; não quer dizer que a semente, o bacillo e, n’este empenho, muito tem feito a Assistencia, pela propaganda, pelo ensino dos doentes a tornarem-se o mais inoffensivos possivel, pela desinfecção de milhares e milhares de casas de tuberculosos.

De que o terreno não é temos exemplos curiosos do nosso paiz. Lagos, antes de meados do seculo XIX, não conhecia a tuberculose, apesar de não faltarem os pobres, os necessitados; depois de 1866 começaram a affluir ao Algarve tuberculosos e, em Lagos, logo, alastrou a doença com as formas agudas e subagudas, como succede em meios, até então, virgens d’esse mal.

Portalegre possue uma classe de operarios alojados na peiores [sic] condições, mal alimentados; não obstante isso, a tuberculose é, ali relativamente rara, tanto que por esse motivo, a Assistencia construe, n’aquella cidade um hospital suburbano de centrifugação.

O terreno é muitissimmo, não é tudo, porem.

Infelizmente a Assistencia não pode do mesmo passo acudir a todos os pontos, mas ha de intervir no problema das casas hygienicas para as classes pobres (e já sanea muitas); ha de promover, pela propaganda, a mutualidade, que, na Allemanha disciplinada, fez desaparecer a indigencia; ha de pugnar pela instrucção geral do povo, pois, a ignorancia constitui hoje a sua maior miseria.

Como, porém, no seu programma tem responsabilidades urgentes, que lhe absorvem a actividade e importam tambem ao condicionalismo da prophilaxia, só mais tarde, iniciará trabalhos da ordem acima enumerados.

A Assistencia atacou o elemento terreno pela creação de Sanatorios de escrophulosos, onde transforma seres predestinados á tisica em individuos robustos, e agora, na organisação do hospital de Repouso avança mais um passo. Procura suspender logo, nas primeiras arremetidas, a doença, collocando os enfermos no inicio da infecção em condições que lhes dêem elementos de resistencia para sahirem victoriosos na lucta, que o organismo trava com o agente d’esse mal. Curando estes doentes, não contribue só para para a riqueza do paiz, conservando homens aptos para o trabalho, faz a melhor prophilaxia, impedindo que elles se tornem cavernosos e, portanto centros perigosissimos de irradiação da doença.

O Hospital de Repouso vae ser construido na Quinta das Mouras, que a Assistencia adquiriu no Lumiar. A Quinta offerece uns treze hectares de terreno, onde se fazem, já, plantações importantes e tem a melhor disposição para o Sanatorio. Com effeito, O Hospital de Repouso é um Sanatorio com fins especiaes.

Dedica-se apenas aos tuberculosos, que começam a sua doença, que se traduz por um cero estado de anemia, emagrecimento, tosse e febre. Ora é sabido que em physiotherapia que sempre que nestas condições de póde supprimir a febre, reparar a nutrição, a cura torna-se possivel. Para obter estes resultados, tambem se sabe que os principaes elementos são bom ar, repouso e alimentação substancial. Está tambem estabelecido que a efficacia destes meios será tanto mais rapida, quando mais no inicio da doença forem applicados. Ora ao dispensario de Lisboa, mercê da sua organisação, acodem por anno centenas de doentes nas melhores condições de utilisarem este tratamento.

É a elles que se dedica o hospital de Repouso.

O hospital de Repouso terá cem camas, e, como o tratamento deve demorar umas seis semanas, pode servir a muitíssimos doentes.

A brevidade do tratamento importa muito á economia do operario que, se tem familia, representa a sua ausencia gravissimo prejuizo domestico.

No hospital de Repouso o doente repara as forças, equilibra a nutrição perturbada de modo que sahindo, dali, póde continuar com o maior proveito o seu tratamento do dispensario.

A experiencia já de annos tem demonstrado que muitissimos doentes tem melhorado e mesmo se tem curado, continuando a trabalhar, graças aos cuidados ministrados no nosso dispensario de Lisboa.

Quanto não serão melhores os resultados proporcionando a esses doentes uma cura de repouse, nas mais perfeitas condições de hygiene?

D. ANTONIO DE LENCASTRE.