Chronica scientifica

Considerações meteorologicas ácerca da temperatura no mes de abril – Novos methodos e engenhos para o estudo das elevadas regiões atmosphericas e aperfeiçoamentos no ponto de vista da previsão de tempo

Depois dos ultimos dias de fevereiro, tempestuosos e frios e das borrascas de março, sobretudo perniciosas para a navegação, annuncia-se a volta da quadra primaveril, com um novo regimen que se accentuou nos ultimos dias, durante os quaes se notou a temperatura desusadamente elevada, em desacordo com as medias geralmente observadas em relação a este tempo.

Posto a queixa de mais ou menos calor é muitas vezes devida a uma sensação ou estado individual de reacção de organismos, do seu esta de saude [ou] de doença e ainda depende de um effeito de suggestão, ou se modifica por um assentimento com o proximo é certo que nestes ultimos dias se tem feito sentir a atmosphera quente fóra do habitual de modo a tornar-se incommoda e antecipar o uso dos refrige[r]antes e dos vestuarios proprios da estação calmosa. É como se o verão irrompesse do meio da agitação propria da quadra que atravessamos.

C[o]nforme as observações meteorologicas, a temperatura tornou-se em alguns dias atraz cerca de 10 graus superior á normal, isto é, á estabelecida como media dos ultimos vinte annos em relação a esta epoca do anno. Devendo, por exemplo, ser de 13º,5, ás 9 horas da manhã, attingiu num d’estes ultimos dias cerca de 24º.

Apesar de se repetir annualmente este phenomeno, a subitaneidade da sua manifestação e a sua precocidade e mais que tudo o seu exaggero, em comparação com os annos anteriores, torna-o digno de reparo em nosso pensar e sentir, com tanto maior razão que a causa ou causas desta onda calorifica não está ainda dilucidada pelos competentes.

Ha 16 annos Lancaster indicou como caracteristico do meado d’este mez uma tal elevação thermometrica. Todos os a[n]nos por esta epoca se faz sentir um aquecimento do ar, denotando a transição do tempo frio para a quadra mais quente.

E nomeadamente de 14 para 15 de abril que os instrumentos denunciam a maior differença de um dia para o seguinte a respeito de calor; perpassa uma especie de va[g]a thermica, mais ou menos extensa que vem como um prodromo do estio. Nota-se mais que que este acrescimo não é uniforme nem progressivo. Procede ás lufadas, influenciado por multiplas causas e forma ondulações cujo maximo de amplitude corresponde a meados de abril.

Normalmente, é do dia 15 do corrente em diante que o augmento de temperatura se começa a evidenciar, porém este anno foi mais precoce e demorado, afastando-se muito do normal e mantendo por bastantes dias esses afastamentos. Não é só sob o nosso ceu que este phenomeno se dá a conhecer, tambem nos climas no norte da Europa se tem observado, alcançando em egual dia do anno passado a 28º,8, ao passo que nos annos antecedentes a temperatura se manteve-se a 22º. Lancaster menciona angloso facto em varias estações septentrionaes, principalmente em Oslende, Liege e Spa.

O minimo nocturno de calor tambem apresenta elevação proporcional, que se revela nas noites calidas do mesmo periodo.

Não é facil descortinar a causa eficiente desta crise que succede sempre na mesma ocasião.

Influencias lonquinquas e factores proximos conjugam-se necessariamente na producção da desacostumada calma e cremos que, segundo as correntes da digna astronomia physica, estes aumentos e diminuições de calor devem encontrar no Sol a sua origem mais remota.

O periodismo com que o caso se repete, mais ou menos ostensivamente, fornece indicio suficiente sobre a proveniencia das ondas de calor de abril. Alem disso conhece-se hoje que a actividade do astro do dia tem maximos e minimos, com os quaes se supõe ter ligação a maior ou menor producção de manchas solares. Reconheceu-se ao cabo de muitos annos de investigação que estas investigação que estas tinham alguma cousa que ver com as variações magneticas do globo terrestre; nada mais simples do que admitir que as explosões e outras mudanças de regimen do sol, possam affectar a marcha das temperaturas cyclicas terrestres, embora estas sejam modificaveis por factores de diversa ordem.

É uma questão completa e delicada, para derimir entre astronomos e meteorologos, mas que não é esteril, porque se refere a um phenomeno climatologico interessante sob multiplos pontos de vista, não só da sciencia pura, mas egualmente das suas applicações á agricultura, á pathologia, etc.

Já que nos mettemos a tratar dos arcanos da metereologia, diremos algumas palavras sobre uma via de descoberta actualmente percorrida com afan pelos praticos meteorologistas, esperançosos de magnificos e inesperados resultados no caminho d’esta nova exploração, que vem a ser a sondagem das camadas superiores do ar por meio de aparelhos que se lançam e sobreplanam nestes elementos, especie de papagaios captivos a que se ligam apparelhos registradores.

É d’uma data já antiga a aplicação dos aerostatos as investigações do que se passa nas altas regiões atmosphericas. Comquanto [sic] muito interessantes os resultados colhidos, as difficuldades e perigos das ascenções aerostaticas, os quaes os progressos da nautica aerea não conseguiram ainda remover, não permittem dar a esse genero de observações a regularidade e o cunho de certeza exigido para dellas se tirar uma conclusão seria e util.

Em visita desses inconvenientes de grande monta e de outros de menor importancia, mas egualmente attendiveis, resolveram os engenheiros servirem-se de areoplanos de dimensões reduzidas a que são adaptadas os instrumentos destinados a indicar as variantes de pressão, temperatura, etc, das differentes camadas de ar. Um factor que não é para desprezar prejudica constantemente a marcha das observações – o vento.

Descobriu-se porém uma maneira segura sendo das mais faceis de tornar o lançamento dos papagaios meteorologicos independentes dos fortes movimentos atmosphericos. Para esse fim são estes apparelhos installados a bordo de barcos a vapor especialmente acondiconados para similhantes operações.

Consegue-se deste modo adquirir elementos muito curiosos sobre as condições climatericas das zonas medias e altas da atmosphera.

Por este artificio o dr. Fassig, de Baltimore, conduziu ha pouco a ascenção [sic] destes papagaios nas ilhas Bahamas, proximo da peninsula da Florida, na America do Norte, dirigidos principalmente para estudar os ventos alizados.

As theorias em curso sobre o movimento dos alizados estão longe de ser confirmadas, tendo-se até aqui recorrido, por falta de systema mais perfeito, á inspecção das nuvens e das poeiras volcanicas espalhadas nas regiões superiores. O conhecimento de similhantes factos exige um trabalho mais prolongado e repetido, em condições physicas regulares, aproveitadas de maneira a evitar causas do erro muito frequentes nos calculos meteorologicos.

Deve notar-se antes de mais nada, que estas trabalhosas indagações se não executam por mero diletantismo, mas com o intuito de colher elementos seguros de predicção do tempo e de diagnose do estado atmospherico, que é preciso fazer em muitas circumstancias [sic].

Depois de muitas tentativas realisadas neste sentido, Rotch chegou a fazer uma travessia pelo Atlantico, a qual, comquanto pouco demorada, permitiu fazer uma serie de experiencias que foram communicadas á Associação britannica de Glasgow.

De então para cá, o mesmo auctor elaborou com Hildebrandson um plano de campanha que foi apresentado ao congresso Aeronautico internacional de Berlim e que vem nas actas das sessões deste. Este projecto obteve adhesão da parte da comissão internacional da aerostacção scientifica. Mais ainda, sobre proposta de uma auctoridade muito competente no assumpto, M. Teisserenc de Bozt, o Comite meteorologico internacional reconheceu officialmente a grande importancia d’esses estudos.

São elles mais concludentes do que muitos dos que no sentido da previsão do tempo se fazem nos observatorios porem a despeza avultada que é necessaria para os levar a effeito offerece uma objecção grave, para desfazer a qual se torna indispensavel o concurso dos governos dos differentes paizes, o empenho das commissões de estudo e a generosidade dos raros Cresus enthusiastas pelas coisas da sciencia. Reconhecimento o proveito de tão laborioso emprehendimento, a magnificencia dos estudos e dos particulares deve contribuir para a realisação dessa obra de utilidade e de progresso.

J. Bettencourt Ferreira.