Chronica scientifica
Telephones – Rapidez da sua transformação e utilisação na pratica corrente – Sensibilidade extrema destes apparelhos – Adaptação do microphone – Sua importancia como orgão essencial dos telephones – Principio physico em que se funda – Diferentes categorias de aparelhos [sic] – Sua distincção e importancia no ponto de vista da hygiene e da regularidade da telephonia – Inconvenientes e defeitos – O monophone – Ultima palavra nesta materia.
Poucos engenhos como o telephone teem entrado tão rapidamente na pratica corrente e com elle sofrido as mais consideraveis modificações num curto decorrer de annos, ao mesmo tempo que a sua generalisação como systema transmissor se propaga pelo globo.
Descrevel-o como orgão da transmissão mais vulgar da palavra á distancia seria quasi pueril; todavia as alterações successivas do seu feitio primitivo e os aperfeiçoamentos incessantemente trazidos por engenheiros não menos habeis que o seu genial inventor tornariam essa tarefa alguma coisa dificil, se nos propozessemos fazer aqui a historia e estabelecer a genealogia desse precioso invento.
É claro que nos referimos ao telephone electro-magnetico de Grahám Bell, descoberto por este em 1876 e no mesmo anno posto á prova em multiplas comunicações na America do Norte. Residindo em muito pouco, a principio, do mesmo modo que todas as invenções celebres [cu]ja caracteristica genial é a simplici[d]ade, a telephonia erigiu-se bem cedo em systema de utilidade commum passando á exploração industrial com um veloz incremento.
Tão singelo o seu funccionamento, quanto longiquo o seu alcance pratico, seria ocioso encarecer-lhe agora os meritos, apesar da impaciencia que não poucas vezes nos provocam os pequenos embaraços transitorios do seu regular mechanismo.
Para dar idéa da sensibilidade extrema do aparelho, bastara dizer que a intensidade da corrente electrica suficiente para o impressionar é, para uma vibração correspondente ao la normal, equivalente á produzida por um só elemento da pilha de Daniell, introduzido em um circuito telegraphico, dando 290 vezes a volta ao Mundo!
Deficiente comtudo [sic] ao seu começo, pelo enfraquecimento da sonoridade em pequenas distancias, devida a perturbações de varias ordens, o seu emprego na pratica commum teria sido limitado se não fôra essa descoberta não menos genial do microphone de Hughes, cuja adaptação aos aparelhos telephonicos constitue realmente um dos mais felizes consorcios para a realisação de uma utilissima obra de adeantamento social.
Porque é na verdade ao pequeno engenho de Hughes que o telephone deve a sua delicadeza na transmissibilidade da palavra e juntamente o aumento do seu poder, tornando dessa forma possivel e praticavel a instituição de redes urbanas e até interurbanas. Hoje as duas interessantissimas creações acham-se de tal modo conjugadas, que são inseparaveis de todo para a boa funcção de qualquer systema dependente dellas e, seja qual fôr a modalidade adoptada para o serviço publico ou particular, ellas parecem indissoluvelmente ligadas e são imprescindiveis uma da outra.
Como se sabe, o principio fundamental deste anexo telephonico consiste em que, todas as vezes que uma corrente electrica passa por um receptor de Bell e por uma haste de carvão susceptivel de um abalo qualquer, as mais ligeiras vibrações impressas a esta modificam a resistencia nos pontos de contacto e consequentemente a intensidade da corrente que atravessa o telephone, produzindo sons. O microphone é para estes o que o microscopio é para os pequenos objectos: – amplifica-os de uma forma desusada, conservando a nitidez dos pormenores. Por este artificio pequenos ruidos tornam-se perceptiveis a uma distancia relativamente grande. Tudo está na intensidade da corrente, que aliás não carece de ser muito grande, e no dispositorio do carvão. É este o principio do telephone de Ader, bem como de outros typos designados pelos nomes de diferentes autores mais ou menos conhecidos na physica moderna.
Em geral estes aparelhos encerram uma especie de grelha composta de cylindros de carvão, cujos topos estão reunidos aos polos de uma corrente de pilha local. As mais pequenas ondulações impressas aos carvões originam variantes de resistencia electrica, que se traduzem ao longe por uma vibração sonora correspondente, para o que basta uma corrente de fraca intensidade.
Todos os aparelhos hoje em voga possuem no seu intimo este orgão importantissimo, que só a sua parte permitte a admiravel fidelidade na repercussão da palavra ao longe, atravessando espaços enormes. Os mais usados são de duas categorias, conforme o microphone é fixo ou combinado com o receptor, formando o que se chama microtelephone.
No primeiro caso, o transmissor está colocado sobre uma banca ou contra a parede, o que obriga a pessoa que fala a pôr-se numa atitude constante em relação ao aparelho, defronte do pavilhão sempre demasiado proximo, para que consiga fazer-se ouvir claramente.
Segue-se d’ahi a tendencia, já agora instinctiva, que toda a gente tem de se aproximar de mais do transmissor, com o fim de ser melhor entendido.
Este facto tão simples representa porém um duplo inconveniente perante a hygiene e perante as boas regras do funccionamento da telephonia industrial.
O primeiro, de que participam também os microtelephones, esta em que pela aproximação maxima da boca ao telephone este se acha dentro em pouco enxovalhado, podendo como é facil succeder transformar-se em vehiculo de varias castas de doenças microbianas especialmente a tuberculose, o phantasma morbido mais assustador. Assim é, com effeito, para os aparelhos que teem o pavilhão receptor armado no mesmo braço do transmissor, o qual fica no acto de falar situado muito perto do rosto, recebendo em primeiro logar os productos da respiração.
Por outro lado, muitos destes engenhos são sujeitos a irregularidades por causa da humidade que sae dos orgãos respiratorios directamente para a placa telephonica.
Estes defeitos bastante perniciosos são remediados muito habilmente pela recente invenção do Monophone, que apresenta sobre os seus congeneres uma manifesta superioridade no ponto de vista hygienico e acustico.
Nesta feliz disposição o microphone está introduzido na caixa do receptor, á qual se liga uma corneta que serve para empunhar este e simultaneamente de aductor dos sons, para o que se aproveita a curvatura propria do instrumento.
Para falar não é necessario com esta nova disposição, aplicar a boca ao pavilhão ou vice-versa. A simples aproximação do receptor ao ouvido é bastante para recolher as palavras transmittidas, sem que o aparelho receba a minima parte de halito ou vapor d’agua ao contrario do que se dá nos microtelephones ordinarios.
Esta nova disposição dá ainda uma grande sensibilidade ao telephone. Consiste aquella em ser o microphone composto por duas laminas delgadas de carvão, tendo cada uma a sua escavação no meio, de concavidades opostas, de modo a formar um alveolo que se enche de granulos da mesma substancia. As laminas estão situadas no plano do eixo da corneta, parallelamente á caixa do receptor, podendo ser impressionadas de um e outro lado pelas vibrações sonoras.
Seja qual fôr a inclinação do apparelho, o microphone fica sempre na vertical, na posição mais favoravel a sua melhor funcção.
Para evitar a resonancia tão prejudicial neste genero de instrumentos falantes e ouvintes, existe uma divisoria entre o microphone e a lamina do receptor.
Será esta a ultima palavra em materia de telephonia, ou reserva-nos o futuro ainda mais alguma engenhosa alteração no organismo e na aplicação dos telephones?
Esta parece-nos satisfazer ás maiores exigencias e comodidades, de ordem a calar as invectas e os clamores de que a prestimosa invenção tem sido injustificadamente victima.
J. BETTENCOURT FERREIRA.
J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Telephones – Rapidez da sua transformação e utilisação na pratica corrente – Sensibilidade extrema destes apparelhos – Adaptação do microphone – Sua importancia como orgão essencial dos telephones – Principio physico em que se funda – Diferentes categorias de aparelhos [sic] – Sua distincção e importancia no ponto de vista da hygiene e da regularidade da telephonia – Inconvenientes e defeitos – O monophone – Ultima palavra nesta materia."
in Diário de Notícias
de 25 de Abril de 1905, nº. 14153, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2096.