Chronica scientifica
Universidades – O seu valor e a sua creação – Generalidades historicas – Influencia politica, religiosa, scientifica e patriotica destas instituições – Faculdades e graus – Collegios britanicos e americanos – Acção social da Universidade moderna – Universidades livres – Extensão universitaria – Democratisação da sciencia – Reforma urgente da Universidade
As universidades exercem desde o seu inicio um inquestionavel poder sobre as populações no selo dos quaes tiveram o seu assentamento. Ainda agora se está vendo como em Coimbra, na velha cidade academica por excellencia, a multidão se commove com a graça dos estudantes ressuscitando a troça coimbrã de boa memoria, dando-lhe o tom faceto moderno, que a rejuvenesce e torna sintillante ao bello sol primaveril.
Festejando comicamente «o grau» Coimbra que pensa e que se illustra, no meio de Coimbra que trabalha e se diverte, affirma mais uma vez a solidariedade do povo e da academia e contribue para demonstrar que na epoca presente a Universidade é ainda uma força, um foco energetico de grande poder, de que o paiz tiraria todo o partido se soubesse fazer desse conjuncto de faculdades, d’onde sairão grande parte dos dirigentes de amanhã, como sairam os de hoje e de então, alguma coisa de formidavel util para a educação publica e para a educação publica e para a reforma social que nos espera.
A universidade é uma fórma de energia que se transforma e opera com grande efeito, embora com lentidão, atravez das massas populares. É um agente de transmitação de actividade que similhante a certos compostos chimicos, ricos de multiplas afinidades, desenvolvem a sua maior acção quando se desdobram nos seus componentes, quando por virtude de determinado agente, estes se desaggregam para reedificar novas architecturas moleculares.
É certo que depois da disseminação de escolas de diversos graus por toda a parte, as universidades cederam muito da sua importancia e perderam muito da frequencia de alumnos, porem conservam bastante prestigio e influencia, que uma indispensavel remodelação do ensino de todas as ordens ha de tornar mais aproveitavel do que até aqui, obedecendo á evolução que em toda a parte seguem os estudos modernos, de modo a dar-lhes em caracter mais pratico e menos especulactivo.
É de muitos conhecida a significação e finalidade das universidades; vem a proposito recordar a historia destas fundações, nos seus traços mais geraes e as modificações que, com o correr do tempo, teem sofrido, numa especie de adaptação ao meio político, ethnico e scientifico.
As antigas datam do seculo XII, sendo as mais notaveis as de Bolonha (1100) e a de Paris (1150). Eram principalmente destinadas aos estudos juridicos e theologiocos, aos quaes se acrescentou mais tarde a philosofia. Na co[n]formidade da sua origem ecclesiastica, as universidades eram agrupamentos de escolas episcopaes, dotadas de certos privilegios, cujo principal é o de ensinar e de conferir graus ou titulos que constituem desde seculos uma hierarchia scientifica. Era permittido ás universidades transferir o seu exercicio para outras localidades e assim deram origem a outros estabelecimentos do mesmo do mesmo genero.
Assim foi que varias universidades do norte de Itali descenderam da de Bolonha.
A razão da Estado imperava na sua fundação, como na das universidades de Caen e Bordeus, instituidas pelos inglezes para combater a influencia francesa.
Desde seculos que a importancia espiritual destas instituições se tornou preponderante nas regiões em que foram fundadas, revelando o seu poderio nas lu[c]tas religiosas, como na Allemanha e na Austria, por exemplo, na rivalidade entre as escolas protestantes e jesuiticas, manifestada em contendas memoraveis.
Concediam ellas, ao cabo de certo tempo de estudos, os graus de bacharel, licenciado e doutor, nas diferentes faculdades em que se divide o corpo universitario. Marcaram o nivel intellectual e moral, estabeleciam por assim dizer, a norma do pensamento philosophico e transcende.
Dos agrupamentos de estudantes, alguns divididos segundo as nacionalidades, provieram os collegios, que eram principalmente reuniões de alumnos formadas pelas ordens monasticas para os seus membros e que admittiam tambem os estranhos, administrando egualmente o ensino, fazendo cursos de repetição da universidade e mais tarde cursos independentes, que vieram a suprir os da instituição matriz.
Está na organisação destes collegios um dos principaes movimentos de descentralisação do corpo universitario, os quaes marcam as phases da evolução tenta mas fatal do regimen claustral destes estabelecimentos.
Foram estes collegios que originaram os seus analogos inglezes, servindo de modelo os americanos, que os importaram, americanisaram e manteem ainda hoje com caracter mais ou menos official na grande União americana no Norte.
Proveio das universidades em muitos casos a irradiação de crenças doutrinadas e enthusiasticamente abraçadas, como o puritanismo na Inglaterra, o qual teve o seu começo em Cambridge.
As universidades allemãs assignalam-se sobretudo pelo seu valor scientifico e pela sua preponderancia politica e social chegada ao seu auge no seculo XIX.
São por sua natureza estabelecimentos dotados de autonomia governativa e de poderes descricionarios, vivendo de rendimentos proprios, de dotações e legados, exercendo a disciplina e ministando a instrucção fóra de qualquer [t]utela do Estado. Encontra-se o seu typo nas universidades inglezas, as mais independentes, cujo exemplo é dos mais fecundos e dignos de imitação, particularmente no modo de tirar a prova pratica da aplicação e rendimento dos estudos.
Instituidas com o fim de dar provimento ás sédes pastoraes, foram desenvolvendo o ensino secundario e superior, creando pela vulgarisação dos collegios uma propaganda proficua e utilissima, que habilita um grande numero de funccionarios e derrama uma intensa luz nos meios intellectuaes britanicos.
Partiu dellas o genero esforço que é a extensão universitaria, hoje em via de imitação noutras nações e que visa a diffusão dos conhecimentos scientificos pelas camadas populares menos preparadas a recebel-os. Além dos cursos seguidos nas cathedras, os professores fazem prelecções publicas a que são admittidos os menos versados nas materias desses cursos e que, sem dependencia de preparatorios, recebem a luz de breves explanações sobre assumptos que pareciam para sempre vedados á sua ignorancia vulgar.
Os lentes descem neste ardor propagandista aos centros operarios e outros, a transmittir aos menos cultos as altas verdades que os mais entendidos prescutam no intimo dos laboratorios e dos gabinetes dos sabios. Comprehende-se facilmente o alcance longinquo desta obra de democratisação da sciencia que, sem desdouro para os que professam nas aulas superiores e sem prejuizo para os que se matriculam nos collegios da universidade, opéra lentamente, mas de um modo seguro e sensato a verdadeira reforma social, a unica egualisação humana possivel, pela palavra, pelo pensamento, pela lição, relacionando a sabedoria dos que superintendem com as noções dos que tem de ser dirigidos e administrados, segundo a sua condição social, amenisando insensivelmente os resaltos existentes entre os que possuem os bens que facultam a mais alta cultura intellectual e os desherdados que apenas teem a vontade decidida de tudo conhecer.
É na fidelidade mais religiosa a estes principios que são creadas as universidades livres dos Estados Unidos e que em tão grande numero existem espalhadas pelos numerosos estados da União.
São ellas na sua maioria obra de fundações particulares, ostentando o nome benemerito de um legatario illustrado. Não iremos até afirmar que a sciencia que nellas se elabora seja do melhor quilate, mas é certo e por demais falam delle relatorios e estatisticas, o relativo proveito que delles tiram os milhares de individuos de ambos os sexos que as frequentam, sem peias sem convenções que esterilisem os resultados, ou quebrantem a boa intenção dos que pretendem instruir-se.
Sem demora, todas as faculdades se acham em via de remodelação. Secularisam-se, seguem a actual direcção philosophica que as descobertas do ultimo seculo impõe.
É força tambem que a unica instituição congenere portugueza entre nesse progresso, que modernise o ensino, que o popularise pelas conferencias extra-universitarias, que amplifique e torne pratico o mais possível o trabalhos dos seus laboratorios, que se colloque no mais breve lpso fóra do alcance das censuras sevéras e mordazes de que, mesmo nos paizes sectarios dos complicados methodos germanicos, é alvo o ensinamento de Faculdade e a consequente incapacidade do bacharel, pela falta de habilitação efectiva que apresenta na maioria dos casos.
J. BETTENCOURT FERREIRA.
J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Universidades – O seu valor e a sua creação – Generalidades historicas – Influencia politica, religiosa, scientifica e patriotica destas instituições – Faculdades e graus – Collegios britanicos e americanos – Acção social da Universidade moderna – Universidades livres – Extensão universitaria – Democratisação da sciencia – Reforma urgente da Universidade"
in Diário de Notícias
de 6 de Junho de 1905, nº. 14195, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2111.
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