Base de Dados CIUHCT

Divulgação Científica em Jornais



Texto da entrada (ID.2114)

O XV Congresso Internacional de Medicina

Interview com s. ex.ª o Professor Miguel Bombarda

Como nos foi suggerido este «interview»; o que os bastidores da classe medica dizem do XV Congresso que se realisará em Lisboa; um «qui-pro-quó» lisongeiro – A actividade e paixão scientifica do Secretario Geral do Congresso – A edade do Congresso – Numero crescente dos congressistas – O adeantamento dos trabalhos – Communicações scientificas annunciadas – Conferencias – Um exposição colonial portugueza – A sciencia universal hospeda de Lisboa – A inaugura da nova Escola Medica de Lisboa – o Boletim official do Congresso – Guia Medica da cidade

Estávamos bem longe de tratar tão cêdo este assumpto – «XV Congresso de Medicina» – quando dos bastidores da propria classe, aqui mesmo, nesta mal-dizente e depreciadora Lisboa, nos chegou esta voz:

- «Os trabalhos do Congresso de Medicina, que deve realisar-se em Lisboa, em abril de 1906, estão ha mais tempo adeantados, agora que falta ainda um anno, do que se encontravam em Madrid, oito dias antes de se abrir o XIV Congresso. Ah! E será mais um «pic-nic» intellectual! Em face da confusão do ultimo congresso celebrado em Hespanha, ao resolver-se que para o immediato se escolhia Lisboa, muito gente se aterrou. É que não sabiam ainda quem o secretariaria. Mal se elegeu o nome do professor Bombarda para secretario, todos se tranquillisaram.»

Esta referencia foi o motivo remoto do «interview» presente.

O motivo recente não tardou a surgir.

D’ahi a dias, o mimo d’uma voz perguntava-nos pelo telephone d’um embaixador – que é uma das mais encantadoras figuras do corpo diplomatico, acreditado n’esta côrte – quem era que desejava falar com esse representante estrangeiro.

Declinamos, na lingua diplomatica, o nome e a qualidade: «Collaborador do Diario de Noticias

Á hora combinada pelo telephone, estamos no atrio da legação:

- É v. exª o sr. professor? quiz saber o porteiro.

Satisfeito com a negativa, franqueou-nos a escadaria, em cujo primeiro lanço um valet de pied nos interpellava egualmente:

- É v. ex.ª o sr. professor?

Tornámos a recusar essa dignidade, e na simples investidura d’um homem de letras, em demanda de assumpto para um artigo, nos achamos no salão do sr. ministro * * *, onde se achava, além do marido da graciosa senhora, um conhecido titular portuguez.

- É que como o sr. professor Bombarda me deu a honra de procurar-me ha dias, por causa do Congresso Internacional de Medicina... – ia a explicar – o sr. ministro da * * *

- Mais uma diabrura do telephone, a rima das duas palavras «collaborador» e «professor» trahindo o ouvido! – concluimos nós, rindo como todas as pessoas que estavam no elegante salãosinho.

E, apesar de passarmos ali tres quartos de hora, conferenciando sobre assumptos de chancellaria, da nossa memoria não dispersaram as palavras do embaixador, referentes ao objecto da visita do sr. dr. Miguel Bombarda.

Nesse rastro, da actividade do illustre Secretario Geral do XV Congresso – que iamos encontrado insistentemente por todos os meios que os nossos trabalhos de publicista nosf az atravessar dia a dia –, nesse rastro, pois, fomos levados até o gabinete do sr. dr. Miguel Bombarda, a pessoa a quem em Lisboa nos deviamos dirigir, como Secretario que é, para esse fim, mesmo que o presidente, o sr. dr. Costa Alemão não redisse em Coimbra.

Nada mais penoso que invadir qualquer instante dum trabalhador, sobretudo quando elle é como o sr. dr. Miguel Bombarda simultaneamente um homem de gabinete, um escriptor de tratado, de polemico e de revista, um director de hospital e um professor, um clinico sobre quem pesa a densissima estatistica duma clientella de que elle é quasi que o unico especialista, de que elle é o summo pontifice scientifico.

É certo que, conhecendo-se o seu incomparavel espirito methodico, – relevado na estrategia da polemica scientifica e nas suas prelecções de cathedratico, cuja serie argamassada a logica e methodisação bastava para tornar invejoso o notavel biologista e conferencista de Lyon, Feliz Le Dantec, – se deve esperar que toda essa actividade mais frequente de observar nos homens de acção que nos sabios, esteja muito bem arrumada, muito bem acondicionada no desesperante lampejo que, para os trabalhadores, são as 24 horas de cada dia.

E foi indubitabelmente devido a essa excellente catalogação do seu precioso tempo que, – em vez da classica desculpa «agora não pode receber» que os porteiros dos inuteis desocupados teem na ponta da lingua, – tivemos a boa fortuna de ser immediatamente recebidos pelo sr. dr. Miguel Bombarda.

- Este Congresso Internacional de Medicina – elucida s. ex.ª –, é um congresso que ha quasi meio seculo anda a passear pela Europa e que, emfim [sic], de 19 a 26 de abril de 1906 vem celebrar uma das suas sessões magnas na nossa capital. É o decimo quinto da serie que se succede desde 1867 e que teem tido por séde as cidades seguintes: Paris (1867), Florença (1869), Vienna (1873), Bruxellas (1875), Genova (1877), Amsterdam (1879), Londres (1881), Copenhague (1884), Washington (1886), Berlim (1890), Roma (1894), Moscou (1897), Paris (1900) e Madrid (1903).

- A affluencia de medicos a essas assembléas internacionaes augmenta?

- Naturalmente. No primeiro congresso tomaram parte 1300 medicos, emquanto que nos ultimos (Moscou, Paris e Madrid) o numero de membros variou entre 5:000 e 8:000.

- Pode designar-se qual ou quaes desses congressos produziu maiores resultados para a sciencia?

- Os congressos internacionaes de medicina marcam «ètapes» no progresso scientifico. Mas não se pode dizer qual mais productivo. Todavia offerece-se como tendo um valor excepcional o de Londres em 1880, porque ali se registraram em toda a sua amplitude as descobertas de Pasteur.

- Que notabilidades da sciencia virão ao congresso?

- A bem dizer é este um dos fastos mais gloriosos deste congresso – ter conseguido a boa vontade de tantos eminentes homens de sciencia.

- Confirma-se a vinda do dr. Waldayer, professor da faculdade de Berlim, annunciada pelo correspondente do Diario de Noticias na capital alleman [sic]?

- Temol-o quasi como certo; ainda ha poucos dias recebi a visita de alguem vindo da parte delle que m’o affirmou com a maior probabilidade. De resto tem-se já interessado muito pelo congresso, a cujo proposito acaba de escrever um artigo na «Berliner Klinwochensehr» (n.º 19).

- Espera muitas dissertações, conferencistas e outros subsidios de natureza scientifica para as sessões do congresso?

- Os assumptos scientificos classificam-se em tres typos geraes: «rapports», communicações e conferencias.

- Quem formulou os assumptos dos rapports «?» [sic]

- As respectivas secções com a collaboração, para alguns, de alguns «savants» estrangeiros.

- São muitos?

- Só aos medicos portuguezes foram dirigidos perto de 2:000 questionarios. A VII.ª secção encetou já um inquerito em Portugal á pellagra. E o reputado professor Pereira Coutinho ha de prestar-nos o concurso da sua alta sciencia botanica, n’este ponto: saber se o «verderame» se encontra no nosso paiz. A XVII.ª secção abriu tambem um inquerito sobre a distribuição dos mosquitos malarios.

- E as communicações?

- Oh! essas, então, felizmente promettem ser numerosissimas; nada menos que algumas centenas, serão talvez mil e tantas para as differentes secções.

- Quanto ás conferencias...?

- Essas não excederão a 10 e para ellas temos o que ha de melhor em nome scientifico. Annunciadas estão já cinco: 1 Sir Patrick Mauson (Londres): (Thema Reservado); 2 Professor Brissaud (Paris): «Sur l’infatibilisme[»]; 3 dr. José Mario Esquerdo (Madrid): Thema reserdo [sic]); 4, Dr. P. Aaser (Christiania): «Relacções das doenças infecciosas agudas com a tuberculose» (cujo titulo definitivo será dado mais tarde); 5, Professor A. A. de Azevedo Sodré (Rio de Janeiro): «A Pathologia nas regiões tropicaes».

- E como é que hão [sic] discutir esse mundo de dissertações, de relatorios, de conferencias scientificas no relampejante espaço de 7 dias?

- O congresso realisará sessões diarias quer em assembléas magnas quer em reuniões das secção. As communicações e «rapports» não podem dispor de mais de 15 minutos e os oradores que tomarem parte dos «rapports» e communicações terão dez minutos para a resposta geral. E quanto ás conferencias, essas não podem ser discutidas.

- Em que lingua falará o Congresso?

- A lingua official das relações internacionaes é a franceza, porém nas assembléas geraes bem como nas secções, tambem poderão ser empregadas as linguas alleman e ingleza. Nas secções poder-se-ha usar outra lingua comtanto [sic] que um dos membros presentes faça a traducção immediata n’uma das tres linguas facultadas.

- O novo edificio da Escola Medica estará concluido por esta occasião?

- Sim, senhor. N’elle se realisará o Congresso e sem elle não poderia celebrar-se em Lisboa. Não haveria onde.

- Como é regulada a admissão dos congressistas?

- Isso como tudo, está respondido nos regulamentos do congresso, publicado no respectivo Boletim.

- Só conheço o 5.º n.º, em que v. ex.ª assigna uma synthetica e comovida ephemeride sobre o professor Serrano.

- Pois eu faculto-lhe toda a collecção. E com efeito, nesse Boletim encontramos toda a historia do XV Congresso de Medicina até o actual momento.

Serão os membros d’este congresso todos os medicos que desejem inscrever-se e todos os sabios que forem apresentados pela commissão executiva portugueza ou pelas commissões estrangeiras.

A quotisação reduz-se a uns insignificantes 25 francos, 20 marcos, 1 libra esterlina para os estrangeiros, 5$500 réis para todos os membros nacionaes, podendo as senhoras da familia dos congressistas acompanhal-os, mediante meia quotisação.

As secções do Congresso comprehendem: I Anatomia (descriptiva e comparada, anthropologia, embryologia, histologia); II Physiologia; III Pathologia geral, bacteriologia e anatomia pathologica, IV Theurapeutica e Pharmacologia, V Medicina, VI Pediatria, VII Nevrologia, psychiatria e anthropologia criminal, VIII Dermatologia Syphiligraphia, IX Cirurgia, X Medicina e cirurgia das vias urinarias, XI Ophthalmologia, XII Laryngologia, rhinologia, otologia e stomatologia [sic], XIII Obstectrica [sic] e gynecologia, XIV Hygiene e epidemiologia, XV Medicina militar, XVI Medicina legal, XVII Medicina colonial e naval.

É-nos materialmente impossivel desdobrar agora os trabalhos «en train» de cada secção e os nomes tão illustres que o formam cada um dos «comités», e os que prestam ao Congresso o concurso da sua palavra ou da sua penna.

Isso equivaleria a transcrever o annuario das notabilidades scientificas mundiaes.

Mas crêmos ter dito o bastante para que a nossa população medica e a generalidade do publico sinta a importancia do XV Congresso que o sr. Hintze Ribeiro, na qualidade de presidente do conselho, reconheceu officialmente em nome do paiz, e que os proprios reis de Portugal adoptaram, acceitando patrocinal-o com os seus nomes.

Prêve-se já a ressonancia que vae ter no mundo scientifico esta assembléa magna de sabios, o programma do qual se pode orgulhar, como um dos principaes numeros, da Exposição Colonial, auctorisada pelo nosso ministro da marinha e a cargo da XVII secção, cujos cuidados e actividade lhe asseguram desde já um amplo sucesso.

A commissão especialmente escolhida para esse effeito foi constituida pelos srs. drs. Bordalo Pinheiro, Costa Alvares, Antonio Bernardino Roque e Ayres Kopke. Dada a extensão das suas colonias e da sua situação tropical, o nosso paiz deve apresentar uma obra inedita apreciavel que os congressistas estimarão encontrar na sua visita a Portugal.

E para que nada faltasse a esse certamen a Sociedade de Geographia prestar-lhe-ha tambem o seu indispensavel concurso.

Vae ser pois uma dacta gloriosa e festiva na historia de Portugal o XV Congresso de Medicina, cuja unica sombra sera a saudade dos congressistas portuguezes levados pela morte: o exemplar professor Serrano, o illustre varão e professor Hygino de Sousa, o dr. Cunha Belem e o venerado professor Costa Simões que, embora substituidos nos seus respectivos cargos de congressistas por nomes illustres e admirados, lembrarão sempre aos nossos corações e aos nossos cerebros.

E toda essa gigantesca obra de methodisação e pertinaz esforço – cuja cupula é a «Guia Medica de Lisboa», que todos os congressistas de 1906 receberão, e onde encontrarão todas as informações possiveis sobre qualquer assumpto por que a sua curiosidade profissional se interesse – toda a realisação d’esse fasto da Sciencia e d’essa honra para Portugal, deve incontestavelmente o melhor da sua gloria á paixão scientifica do Secretariado Geral do Congresso que é o nervo d’este acontecimento.

Não vae ha mais de tres ou quatro dias que aquella nyagárica palavra de sabio-artista que é o professor Ricardo Jorge nos apoiava, do alto da sua bravia sinceridade:

- «É um ardente enthusiasta pelo congresso, o meu collega Bombarda; merece muito, merece tudo!»


Referência bibliográfica

[n.d.] - "Congresso de tuberculose em Paris" in Diário de Notícias de 17 de Junho de 1905, nº. 14206, p. 1 (c. 3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2114.



Detalhes


Nome do Jornal


Mostrar detalhes do Jornal

Número

Ano Mês Dia Semana


Título(s) do Artigo


Título

Género de Artigo
Adaptação Internacional

Nome do Autor Tipo de Autor


Página(s) Localização do Artigo na(s) página(s)


Tema

Congresso
Outros
Palavras Chave


Notícia