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Texto da entrada (ID.2116)

Chronica scientifica / O problema dos exgotos – Canalisações geraes – Difficuldades do seu estabelecimento – Transformação industrial dos materiaes residuaes – Deficiencia de exgotamento nas pequenas aglomerações – Inconvenientes resultantes – Fossas e epidemias locais – Como certas estações salutares se portam como focos de infecção – Modos de obviar o inconveniente da falta de exgotos, sobretudo a favor do saneamento das localidades campestres e littoraes

A transformação e destino dos detrictos resultantes da grande laboração animal, mesmo nos focos de maior civilisação, é um problema da maxima importancia para os hygienistas. Os exgotos das cidades são por esse facto, em materia de construcções urbanas, perante a moderna engenharia sanitaria, a magna preoccupação dos municipios e dos constructores, pois se estabeleceu como principio que, para a manutenção da saude nas aglomerações cidadãs, uma boa rede de canalisações residuais seria uma das mais imprescindiveis installações. Precipitam-se pois os engenheiros no systema que lá fora se chama de tubo para o exgoto, como sendo o ideal da hygiene nas grandes sociedades. A pratica de muitos annos vem mostrando quanto é escabrosa, difficil e incompleta esta solução, sobretudo pela impossibilidade da sua generalisação, mesmo para os mais abastados centros de população. O exgoto para tudo presupõe [sic], como indispensavel, a condição de um abastecimento de aguas, riqueza de que nem sempre podem dispor as cidades, ainda aquellas construidas segundo os planos mais modernos o que faz que nem sempre o preconisado systema seja executado nas melhores circumtancias [sic] e possa dar os desejados effeitos. Felizmente a sciencia de hoje está sobretudo disposta a contrariar a rotina dos seculos anteriores, donde sobreveiu [sic] a estagnação de vida tão adversa ao progresso da humanidade. Na impossibilidade de levar tudo para os canos de despejo, a industria entrou a estudar outros processos que visam principalmente á transformação e aproveitamento das materias residuaes, já como maneira de nos libertar d’esses despojos, as mais das vezes tão incomodativos e perigosos, já como empreza lucrativa no ponto de vista industrial, sobretudo em proveito do desenvolvimento agricola. Tem-se proposto por isso a incineração, o tratamento chimico, a depuração chimico-bilogica, com as variantes que lhes imprime a engenharia local e as successivas descobertas acerca do momentoso assumpto.

Mesmo quando se conseguisse para as collectividades civis o melhoramento almejado de um bom systema de exgotamento das substancias a toda a hora rejeitadas, os pequenos agrupamentos campesinos ficavam tristemente a desejar alguma coisa que equivalesse ao beneficio adquirido pelas urbanidades altivas.

Em muitos sitios se levanta e com razão a queixa contra a imperdoavel falta de uma rede de exgotos, queixa tanto mais proficua que em muitas localidades nem se póde pensar em estabelecel-a, existindo até estações luxuosas que ainda se encontram mal providas de fossas, nem sempre de escrupulosa limpeza e de um constante inconveniente para a saude publica.

Haja vista o que succede no Estoril, onde febres endemicas se desenvolvem no verão, e onde se reproduzem as más condições que apontamos.

Hoje que o exodo das cidades para o campo e para as praias se effectua com actividade crescente, deixando vacuo n’aquellas em proveito das pequenas cidades provinciaes e do littoral, forçoso é que estas soffram a alteração de habitos e de material, a fim de corresponderem á expectativa de bem-estar e de beneficiamento da saude que d’ellas se espera e lá se vae buscar. Quantas vezes o individuo, fugindo durante os ardores do verão á turbulencia incommoda da urbe, vae topar com as emanações mortiferas que o typhisam e aniquilam nalgum recomendado canto da praia, ou nalguma pittoresca villa. Poderiamos citar com abundancia os nomes de afamadas estancias onde o facto se repete annualmente, sem reparo das auctoridades que deviam occupar-se do assumpto, nem protesto da parte dos prejudicados. Deixamos porém ao cuidado de viajantes e excursionistas o exame e a descripção de coisas espantosas a esse respeito, reconhecidas por esse mundo fóra. Diremos, apenas que o caso se dá tanto em Tronville ou Pierrefonds, famossas estações francezas, como na nossa humilde Nazareth, quiçá n’outras terras onde se reune a luxuosa colonia balnear.

A existencia de fossas mal accondicionadas e inumeras vezes a causa de certas epidemias localisadas, nunca bem extinctas e promptas a renascer na volta do estio, sob a influencia da mesma perfida disposição.

Em geral o mechanismo da infecção é o seguinte: Os despojos lançados em vallas ou cavidades para esse fim aproveitadas, debaixo ou ao pé das habitações, vão inquirir a fonte que corre proxima e d’ahi a doença dos que fazem uso das agua tirada della, sem contar os casos apreciaveis, em que as emanações, embora sem cheiro notavel, envenenam inconscientemente o ar das casas.

O prejuizo consequente desta hedionda situação faz-se sentir do modo que é escusado insistir em pol-o demasiadamente ás claras. O modo de o evitar, ou corrigir ao menos, é objecto de experiencias inteiramente modernas que achamos interessante registar.

Para o pôr em pratica diversos apparelhos se teem inventado, cujo principio scientifico assenta no conhecimento das transformações chimicas dos detritos e da sua beneficiação de maneira a tornal-os inoffensivos e até utilisaveis como adubo. Uns operam por via secca, outros pela via humida, quer dizer, com o emprego da agua.

Dos primeiros é exemplo o dispositorio da casa Delafon, de Ponilly, aplicavel especialmente ás casas de campo no qual os dejectos são misturados com terra secca, que os desagrega e consome em virtude de uma reacção chimica depurativa e desodorante, reduzindo-os ao estado de humus innocente e proprio para a fertilisação agricola. Diremos de passagem que a manipulação desta terra, perde toda a repugnancia que advem do serviço condemando das fossas. Em vez de terra argilosa, que é preferivel pode-se empregar cinza, o que nunca é difficil obter.

Quando se dispõe de agua em qualquer quantidade, usam-se os apparelhos do typo Augier, cujo orgão essencial é um syphão de nivelamento, o qual serve para manter a agua á mesma altura no recipiente deitando fóra uma quantidade egual á que é introduzida.

O liquido escoado pelo tubo nivelador já se acha depurado por intervenção das baterias anacrobias que fazem fermentar as substancias residuaes, liquidas fazendo-as e desodorando-as, de forma que podem depois ser expostas ao ar livre e deitadas nos terrenos, sem perido de inquinação, nem o de reproduzirem fluvios mal cheirosos.

Tal é a origem do exgoto automatico Mauras, ainda ha pouco usado em Bordeus e Marselha. Embora este systema comporte o estabelecimento de fossas estanques, não deixa de ser recommendavel, toda a vez que na construção d’estas se empregue a vedação mais eficaz, o que actualmente se consegue muito bem com os cimentos apropriados.

Além d’isso permitte a filtração sobre coke das materias dejecionaes, segundo o methodo inglez, o que é sobretudo pratico para as localidades de certa importancia.

Portanto a chimica industrial inventou não um mas varios artificios que se aplicam seguramente em prol da sanidade dos mais desfavorecidos villarejos, como das enormes accumulações civis. Resta apenas fomentar a aplicação judiciosa do invento.

BETTENCOURT FERREIRA. 

Chronica scientifica / O problema dos exgotos – Canalisações geraes – Difficuldades do seu estabelecimento – Transformação industrial dos materiaes residuaes – Deficiencia de exgotamento nas pequenas aglomerações – Inconvenientes resultantes – Fossas e epidemias locais – Como certas estações salutares se portam como focos de infecção – Modos de obviar o inconveniente da falta de exgotos, sobretudo a favor do saneamento das localidades campestres e littoraes

A transformação e destino dos detrictos resultantes da grande laboração animal, mesmo nos focos de maior civilisação, é um problema da maxima importancia para os hygienistas. Os exgotos das cidades são por esse facto, em materia de construcções urbanas, perante a moderna engenharia sanitaria, a magna preoccupação dos municipios e dos constructores, pois se estabeleceu como principio que, para a manutenção da saude nas aglomerações cidadãs, uma boa rede de canalisações residuais seria uma das mais imprescindiveis installações. Precipitam-se pois os engenheiros no systema que lá fora se chama de tubo para o exgoto, como sendo o ideal da hygiene nas grandes sociedades. A pratica de muitos annos vem mostrando quanto é escabrosa, difficil e incompleta esta solução, sobretudo pela impossibilidade da sua generalisação, mesmo para os mais abastados centros de população. O exgoto para tudo presupõe [sic], como indispensavel, a condição de um abastecimento de aguas, riqueza de que nem sempre podem dispor as cidades, ainda aquellas construidas segundo os planos mais modernos o que faz que nem sempre o preconisado systema seja executado nas melhores circumtancias [sic] e possa dar os desejados effeitos. Felizmente a sciencia de hoje está sobretudo disposta a contrariar a rotina dos seculos anteriores, donde sobreveiu [sic] a estagnação de vida tão adversa ao progresso da humanidade. Na impossibilidade de levar tudo para os canos de despejo, a industria entrou a estudar outros processos que visam principalmente á transformação e aproveitamento das materias residuaes, já como maneira de nos libertar d’esses despojos, as mais das vezes tão incomodativos e perigosos, já como empreza lucrativa no ponto de vista industrial, sobretudo em proveito do desenvolvimento agricola. Tem-se proposto por isso a incineração, o tratamento chimico, a depuração chimico-bilogica, com as variantes que lhes imprime a engenharia local e as successivas descobertas acerca do momentoso assumpto.

Mesmo quando se conseguisse para as collectividades civis o melhoramento almejado de um bom systema de exgotamento das substancias a toda a hora rejeitadas, os pequenos agrupamentos campesinos ficavam tristemente a desejar alguma coisa que equivalesse ao beneficio adquirido pelas urbanidades altivas.

Em muitos sitios se levanta e com razão a queixa contra a imperdoavel falta de uma rede de exgotos, queixa tanto mais proficua que em muitas localidades nem se póde pensar em estabelecel-a, existindo até estações luxuosas que ainda se encontram mal providas de fossas, nem sempre de escrupulosa limpeza e de um constante inconveniente para a saude publica.

Haja vista o que succede no Estoril, onde febres endemicas se desenvolvem no verão, e onde se reproduzem as más condições que apontamos.

Hoje que o exodo das cidades para o campo e para as praias se effectua com actividade crescente, deixando vacuo n’aquellas em proveito das pequenas cidades provinciaes e do littoral, forçoso é que estas soffram a alteração de habitos e de material, a fim de corresponderem á expectativa de bem-estar e de beneficiamento da saude que d’ellas se espera e lá se vae buscar. Quantas vezes o individuo, fugindo durante os ardores do verão á turbulencia incommoda da urbe, vae topar com as emanações mortiferas que o typhisam e aniquilam nalgum recomendado canto da praia, ou nalguma pittoresca villa. Poderiamos citar com abundancia os nomes de afamadas estancias onde o facto se repete annualmente, sem reparo das auctoridades que deviam occupar-se do assumpto, nem protesto da parte dos prejudicados. Deixamos porém ao cuidado de viajantes e excursionistas o exame e a descripção de coisas espantosas a esse respeito, reconhecidas por esse mundo fóra. Diremos, apenas que o caso se dá tanto em Tronville ou Pierrefonds, famossas estações francezas, como na nossa humilde Nazareth, quiçá n’outras terras onde se reune a luxuosa colonia balnear.

A existencia de fossas mal accondicionadas e inumeras vezes a causa de certas epidemias localisadas, nunca bem extinctas e promptas a renascer na volta do estio, sob a influencia da mesma perfida disposição.

Em geral o mechanismo da infecção é o seguinte: Os despojos lançados em vallas ou cavidades para esse fim aproveitadas, debaixo ou ao pé das habitações, vão inquirir a fonte que corre proxima e d’ahi a doença dos que fazem uso das agua tirada della, sem contar os casos apreciaveis, em que as emanações, embora sem cheiro notavel, envenenam inconscientemente o ar das casas.

O prejuizo consequente desta hedionda situação faz-se sentir do modo que é escusado insistir em pol-o demasiadamente ás claras. O modo de o evitar, ou corrigir ao menos, é objecto de experiencias inteiramente modernas que achamos interessante registar.

Para o pôr em pratica diversos apparelhos se teem inventado, cujo principio scientifico assenta no conhecimento das transformações chimicas dos detritos e da sua beneficiação de maneira a tornal-os inoffensivos e até utilisaveis como adubo. Uns operam por via secca, outros pela via humida, quer dizer, com o emprego da agua.

Dos primeiros é exemplo o dispositorio da casa Delafon, de Ponilly, aplicavel especialmente ás casas de campo no qual os dejectos são misturados com terra secca, que os desagrega e consome em virtude de uma reacção chimica depurativa e desodorante, reduzindo-os ao estado de humus innocente e proprio para a fertilisação agricola. Diremos de passagem que a manipulação desta terra, perde toda a repugnancia que advem do serviço condemando das fossas. Em vez de terra argilosa, que é preferivel pode-se empregar cinza, o que nunca é difficil obter.

Quando se dispõe de agua em qualquer quantidade, usam-se os apparelhos do typo Augier, cujo orgão essencial é um syphão de nivelamento, o qual serve para manter a agua á mesma altura no recipiente deitando fóra uma quantidade egual á que é introduzida.

O liquido escoado pelo tubo nivelador já se acha depurado por intervenção das baterias anacrobias que fazem fermentar as substancias residuaes, liquidas fazendo-as e desodorando-as, de forma que podem depois ser expostas ao ar livre e deitadas nos terrenos, sem perido de inquinação, nem o de reproduzirem fluvios mal cheirosos.

Tal é a origem do exgoto automatico Mauras, ainda ha pouco usado em Bordeus e Marselha. Embora este systema comporte o estabelecimento de fossas estanques, não deixa de ser recommendavel, toda a vez que na construção d’estas se empregue a vedação mais eficaz, o que actualmente se consegue muito bem com os cimentos apropriados.

Além d’isso permitte a filtração sobre coke das materias dejecionaes, segundo o methodo inglez, o que é sobretudo pratico para as localidades de certa importancia.

Portanto a chimica industrial inventou não um mas varios artificios que se aplicam seguramente em prol da sanidade dos mais desfavorecidos villarejos, como das enormes accumulações civis. Resta apenas fomentar a aplicação judiciosa do invento.

BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "Novo posto meteorologico nos Açores" in Diário de Notícias de 20 de Junho de 1905, nº. 14209, p. 1 (c. 2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2116.



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