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Texto da entrada (ID.2129)

Palestras navaes

XLVII

O carvão do Mussuate

Vimos na nossa ultima palestra que a importancia do porto de Lourenço Marques, como estação carvoeira, augmentaria consideravelmente com a construcção do caminho de ferro do Mussuate que vae ser encetada. Vamos agora dar aos nossos leitores alguns pormenores sobre a região carbonifera em questão, que serão certamente achados de interesse, e que com a devida venia transcrevemos do magnifico periodico bi-semanal «Lourenço Marques Guardian».

A area das minas de carvão do Mussuate orça por 600 milhas quadradas, e a largura do melhor veio comprehende seis pes de hulha pura; esses resultados foram obtidos por meio de pesos de sonda feitos com uma broca metallica, reconhecendo-se que a quantidade de carvão existente em taes jazigos não é inferior a dois milhões e meio de toneladas.

Foram analysadas cinco diversas amostras de carvão colhidas em outros tantos pontos e vamos dar o resultados d’essa analyse feita pelo dr. J. Loevy, abalisado perito de Joannesburg; diremos, porem, desde já, que um engenheiro machinista muito competente diz ser carvão do Mussuate o melhor que elle tem feito uso em Africa, e quasi tão bom como o melhor de Cardiff.

As analises das cinco amostras de carvão dão o seguinte: [ver imagem]

A força evaporativa obtida pelo colorimetro de Trompon é a seguinte para estas cinco amostras de carvão: [ver imagem]

Para completar a nossa comparação diremos que o melhor carvão de Cardiff contem: [ver imagem]

Por estes algarismos que são dados praticos e positivos, fica exuberantemente demonstrado quanto vale a pena explorar as minas do Mussuate e approximal-as da nossa bahia, por meio da nova projectada linha ferrea; só a falta de meios de transportes tem obstado a que esses ricos jazigos carboriferos entrem em franca e larga exploração.

A companhia possuidora d’essa enorme riqueza latente que se denomina Swasi Mines Limited olha anciosa [sic] para Lourenço Marques como o seu futuro mercado e porto de carregamento. Se a linha ferrea entrar no Mussuate pela portella de Umbelusi, seguindo o traçado parallelo ao rio Great Usotaté ligar com a linha de Springs, em Klipstapel, a mina ficará apenas a alguns centros de metros do caminho de ferro. Mas se a via ferrea para Klipestapel passar por Oshock e M’bahane, o que parece pouco provavel, a mina ficaria a umas 12 milhas a Norte.

A distancia da mina ao terminus da secção portugueza da linha na portella do Umbeluse não é mais que dez milhas; e mesmo que a linha não fosse immediatamente prolongada para além d’esse ponto, isso não impediria a exploração dos jazigos.

Lourenço Marques, como muito bem diz o «Guardian», está naturalmente indicado como o centro distribuidor do producto d’esta região hulheira, e fazendo um calculo approximado chegar-se-ha á conclusão que o transporte de 2.500:000 toneladas de carvão a uma taxa razoavel representaria cerca de $ 150:000 de camionagem.

É isto apenas uma das vantagens com que o nosso porto africano muito teria a lucrar, pois os beneficios resultantes do commercio de carvão em larga escala são incalculaveis. Se nos lembrarmos de que a Swasi Coal Mines Limited é apenas umas das muitas companhias que estão á espera do caminho de ferro para dar começo á exploração das suas propriedades, cremos não ser melhor argumento em apoio do que temos vindo affirmando sobre as possibilidades do nosso grande porto como estação carvoeira, e a urgencia que ha de o dotar com apparelhos modernos que facilitem este commercio.

Ligando-se intimamente com este ramo de actividade e com a exploração d’esta grande industria, parece-nos dever insistir na urgente necessidade que ha de collocar o porto interior da Matolla e os canaes que a elle dão accesso em condições de facil e franco accesso de dia e de noite e em qualquer altura da maré.

É necessario em primeiro logar concluir o levantamento hydrographico de toda a bahia, primorosa e escrupulosamente feito pelo Capitão Tenente e insigne professor Hugo de Lacerda.

É necessario em segundo logar, profundar o canal chamado da Polana por meio de dragas, afim de que possam entrar lá para dentro e a qualquer hora, os maiores navios que vão hoje a Lourenço Marques, e mesmo quaesquer outros mercantes ou de guerra que passam de largo por não terem ali que fazer e por não haver facilidades que os attraiam.

É preciso mais em terceiro logar, que se prosiga sem demora com as obras da 2.ª secção da linha de caes, prolongando-a mais para dentro ainda se fôr necessario, e colocando sobre elle os necessarios e mais aperfeiçoados apparelhos e engenhos modernos que facilitem e tornem rapido e economico o embarque do carvão.

Em quarto logar é urgente completar o systema de pharolamento da bahia e porto interior, e bem assim as balisas e que facilitem e deem plena segurança á navegação, conservando tudo sempre em perfeito estado de funccionamento. O pharol de Cockburn que começou a funccionar em janeiro de 1901 e que é uma maravilha de engenharia e causa a justa ufania do sabio e modesto engenheiro portuguez que o assentou, sr. Vasconcellos e Sá, parece estar mostrando indicios de seria ruina a que é preciso acudir com urgencia e decisão energica. Seria uma vergonha nacional se o deixassemos cahir, e seria mais um poderoso argumento que contra a administracção e incuria portugueza levantariam e proclamariam em altos gritos as colonias inglezas rivaes do Sul d’Africa, taes como Natal, East London, Porto Elisabeth e mesmo o Cabo da Boa Esperança.

Explorando-se em larga escala e em condições economicas o carvão do Mussuate e trazendo-o para embarque em Lourenço Marques os grandes navios de vela que ali vão hoje carregados de madeiras da Australia e da America, e que embarcam lastro de areia, com grande despeza, levariam de preferencia carvão para os portos do Oceano Indico, Madagascar, Mauricia, Reunião, Seyechelles e mesmo principalmente para abastecimentos das vias ferreas da penetração de Mombaça e da Beira. Sabemos que actualmente o caminho de ferro da Uganda recebe da Índia o carvão que emprega!

Ainda estreitamente relacionando-se com este assumpto, podemos declarar aos nossos leitores que com o fim de pôr termo a um certo numero de attrictos que por vezes se levantavam entre a administração do Caes, a da alfandega e a do caminho de ferro, acaba de ser muito sensatamente determinado o seguinte:

O caes Gorjão fica a cargo de um superintendente capitão da marinha mercante, que o administra com amplos poderes. Este funccionario tem sob as suas ordens um empregado da alfandega para os serviços aduaneiros e um empregado do caminho de ferro para os transportes. O commercio entende-se directamente com o superintendente e este dá as suas ordens aos empregados do caminho de ferro e da alfandega e todas as difficuldades se removem. Parece-nos que este grande passo dará magnificos resultados.

É conhecido o sentido dos proverbios populares que dizem «Roma não se fez n’um dia» e «devagar se vae ao longe»; mas apesar d’isso sempre diremos que as differenças que se notam entre Lourenço Marques de 1869 e o de agora, entre uma miseravel aldeia de cafres e uma grande cidade assente sobre um porto de primeira ordem são incalculaveis! E viva o progresso!!

AUGUSTO DE CASTILHO.


Referência bibliográfica

Augusto de Castilho - "Palestras navaes" in Diário de Notícias de 4 de Julho de 1905, nº. 14223, p. 2 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2129.



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