ASSUMPTOS DO DIA
A viação accelerada
A adagio italiano, de origem latina, «devagar, que tenho pressa», não tem mais que uma significação moral como quem diz que não devemos fazer as cousas atabalhoadamente, á lufa-lufa, n’uma precipitação perigosa.
É quasi equivalente ao nosso «antes que cases, olha o que fazer», com a differença comtudo [sic] de que aquelle que pensa não casa e o que tenta casar não pensa.
Premeditação e prudencia são duas condições essenciaes e preliminares de qualquer empreza seria, mas hoje em dia ninguem tem espaço para reflectir e todos se precipitam vertiginosamente na anciã febril de chegar primeiro, antes que os outros tomem o logar ambicionado. O homem, salvo seja, é o cavallo amestrado dos hippodromos de Londres e de Paris. O seu «jockey», o seu guia, o seu alvo, é o desejo infrene de alcançar a pista e de obter o premio grande.
O que se dá com os individuos, dá-se exactamente com as nações. A concorrencia internacional é cada vez mais temerosa, pois os que ficam estacionarios sujeitam-se a ser a ponte de passagem dos mais audazes e resolutos. As nações mais poderosas, se esquecem por um momento este principio, se o deixam de pôr em pratica com inquebrantavel perseverança, soffrem por egual as consequencias do seu desleixo. Caminhar! Caminhar! é a divisa dos fortes, e esta divisa tanto de paz como no tempo de guerra.
Uma das causas que mais contribuiram para os desastres monumentaes da Russia na campanha da Mandchuria [sic], foi a sua grande inacção, e não poder concentrar de repente os seus recursos bellicos. O exercito russo, pelo menos no papel, attinge cifras considerabillissimas, mas está derramado por um territorio immenso e só com difficuldade e grande dispendio pode convergir para um ponto dado. É certo que a Russia, trabalhou afanosamente na construcção do transiberiano, mas a rede geral dos caminhos de ferro ainda está longe de ser completa e perfeita, e por isso a mobilisação do exercito não se póde effectuar com aquella rapidez que exige a tactica moderna. O Japão, com a celeridade e precisão mathematica dos seus movimentos, comprovou mais uma vez as doutrinas de Napoleão, seguidas com tão brilhante exito pelos prussianos nas campanhas contra a Austria e contra a França.
De todos os progressos materiaes realisados ha um seculo a esta parte depois da descoberta da machina a vapor e da electricidade, a viação accelerada, tanto terrestre como maritima pode contar-se na vanguarda de todas. Os transantlanticos operavam a mais profunda revolução na travessia do mar. Hoje a navegação no oceano é quasi um passeio recreativo, uma digressão elegante e hygienica. Os grandes naufragios são muito menos frequentes e na historia «tragico-maritima» dos nossos dias, raras vezes se vê fluctuante a jangada de Medusa.
A pirataria, a vida aventurosa dos corsarios, acabou e já não é preciso que a Ordem da Santissima Trindade vá redimir a Argel os infelizes captivos.
Em terra os desastres parecem mais frequentes e talvez haja menos segurança, mas isso é devido em grande numero de casos ao excesso de movimento nos transportes e á falta de zelo de quem dirige o serviço.
O automobilismo, cantando victoria sobre a navegação aerea, pare ser o typo ideal, em todos os sentidos, da viação accelerada. Apresenta ainda imperfeições notaveis, mas é de crer que não tarde a corrigir os seus defeitos e que, sendo já o modelo da velocidade, seja tambem um modelo de commodidade e de barateza.
A viação accelerada não se limita a exercer o seu prestimo a grandes distancias, entre pontos extremos. Nas cidades desempenha ella um papel de primeira ordem, podendo considerar-se como um dos mais notaveis factores sociaes. A metamorphose experimentada por Lisboa n’estes ultimos vinte annos deve-se quasi exclusivamente á facilidade e rapidez dos meios de transporte. A linha dos electricos só por si está operando prodigios que nos deslumbram.
Não desconhecemos os perigos e inconvenientes da viação accelerada, mas avolumal-os seria proprio de um espirito rotineiro e injusto. Comparando-os com as vantagens, é incontestavel que o saldo favoravel se inclina para estas. O uso dos transportes para nos conduzir a qualquer parte da cidade tornou-se quasi inevitavel e até as classes mais accentuadamente populares enchem os diversos vehiculos. Este uso, demasiaso frequente, ou antes abuso, raz fatalmente comsigo consequencias anti-hygienicas. Os passageiros até são um exercicio indispensavel para a saude e não se deve de modo nenhum pôr de parte tão rudimentar preceito da hygiena.
Mas não é somente, sob este ponto de vista, que deve ser encarado o problema da viação accelerada: é também, e muito principalmente, sob o ponto de vista economico. Não ha duvida que a vida em Lisboa se facilitou mas não ha duvida tambem que se tornou muito mais dispendiosa. Muitas familias vão viver para pontos excentricos, pagando rendas mais baratas, mas não tardam a reconhecer que o seu orçamento se desequilibrou com as despezas dos carros. O preço de transporte para diversos sitios, mesmo entre diversos pontos da cidade, julgamol-o excessivo, não só em absoluto, mas comparativamente falando.
Lisboa, pelo accidentado do terreno, pela irregularidade e estreiteza dos antigos bairros, torna custosa a construcção de linhas e d’aqui resulta que o publico tem que pagar as despezas de installação. As duas encostas da cidade que deitam sobre a «baixa» e sobre o calle da Avenida, não podem ser ligadas entre si senão por meio de pontes gigantescas, que sirvam, alem do seu fim utilitario, para dar um aspecto caracteristico e monumental. Ao nosso municipio incumbe tomar a iniciativa d’estas obras, auxiliando as emprezas que d’ellas e queiram encarregar.
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