O proximo eclipse do sol
Preparam-se os sabios que costumam prescrutar [sic] a immensidão celeste e desvendar-lhe os mysterios, com «armas e bagagens» para partir para o visinho reino, estudar o proximo eclipse do sol.
A Europa e a America agitam-se astronomicamente, n’uma febre de novo estudo, procurando colher modernos elementos para os consubstanciosos relatorios.
Todos á porfia se arranjam para esse exame em que o «Rei do Mundo» por momentos se nos occulta no seu giro luminoso e persistente.
Ha pouco ainda se referia o Diario de Noticias «á nova mancha descoberta no pobre Sol, talvez guarda avançada da «grande mancha» que vae tapal-o por algum tempo: e portanto, não virá fóra de proposito falar um pouco d’uma das missões d’estudo mais importantes que deve assistir a esse phenomeno solar.
É ella a do sr. Janssen, director do observatorio de Meudon, França, astronomo que é o decano do «éclipsistas» e que desde 1868 inventou o methodo de observação hoje universalmente adoptado.
O «eclipsista», chamemos-lhe assim, (com desculpa de mais auctorisados adoptadores da palavra) será acompanhado pelo sr. Millochan tambem do observatorio de Meudon e pelo sr. Pasteur, chefe dos trabalhos photographicos do mesmo estabelecimento, e irão a Valencia.
A estes sabios, juntar-se-hão os srs. Stephanovick, astronomo de Praga e Perotin, filho d’um dos sabios de Marselha.
Antes porém de deixarem Paris, n’um dos primeiros dias de agosto, o sr. Janssen, fará uma communicação á Academa das Sciencias d’essa capital, sobre os trabalhos que tenciona executar em Valencia e nos quaes a determinação da irradiação solar, bem como do resfriamento devido á presença do eclipse, terá um papel importante.
E todos esses sabios, de nariz no ar, aguardarão o momento opportuno para fazerem os seus estudos, emquanto o mesmo sol, aproveitará a occasião, para, na sombra, lhes fazer uma careta e dizendo lá comsigo:
– Que pena que o dia 30 não seja um domingo de touros, porque sombra e sol tudo se unificava!
E não deixa de vir a proposito esta «piadinha» que nem é da sombra nem do sol, mas que tem a sua relação com o combate a que os povos primitivos attribuiam o phenomeno do eclipse.
Diziam elles que era um combate do astro eclipsado contra um poder mysterioso.
No myhto indiano, o demonio Bâhu, bebeu ás escondidas o vinho da immortalidade dos deuses! Denunciado pelo Sol e pela Lua, Vichnou, cortou-lhe a cabeça que depois (de cortada bem estendido [sic]), perseguia os dois astros para… os devorar!!
Esta mesma explicação existia nos mongoes, entre os quaes o Bâhu (não confundir com as antigas caixas forradas de coiro de boi) se chamava Aracho.
Quando se dava um eclipse, esses povos soltavam gritos estridentes para obrigar o monstro a largar a preza e cessar o eclipse e este costume durou até á edade media.
Entre os escandinavos a explicação era outra.
Tratava-se de dois lobos, um delles (Moongarm) devia no fim de certo tempo, conseguir devorar a lua e o astro (Fenris) devorar o sol!!...
A nossa visinha do lado a quem contámos isto, quando nos interpellou sobre o proximo eclipse não pareceu lá muito credula e disse-nos:
– Isso tudo são historias da carochinha! Não creio, tanto mais que eclipse, pelo menos de lua cheia, tenho eu varias vezes cá em casa, quando meu marido põe o chapéu!
O marido da nossa visinha é careca, o que aliás succede a muita gente boa.
E.C.
E. C. - "O proximo eclipse do sol"
in Diário de Notícias
de 31 de Julho de 1905, nº. 14250, p. 2 (c. 5). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2136.