Base de Dados CIUHCT

Divulgação Científica em Jornais



Texto da entrada (ID.2149)

Chronica scientifica

O Sol – As attenções dos sabios fixam-se no Astro Central – O estudo do sol – A curiosidade despertada pelo eclipse – Aspecto normal do Astro do dia – Observações durante o phenomeno – Constituição do Sol – As manchas – Sua importancia em astronomia physica – Estado de dissociação dos elementos no globo solar – Perturbações magneticas em relação com as manchas – Diferenças da radiação – Os estudos do professor Langley para a determinação do poder radiante – Importancia destes trabalhos para a agricultura, a biologia, etc. – Bases astronomicas de theoria e predicção meteorologica.

Assim como todas as energias vitaes se reportam ao Sol, as atenções dos sabios devolvem-se constantemente para o astro central. Estudam-se com enthusiasmo crescente as suas influencias vivificantes e perturbadoras; definem-se as qualidades da sua intensa luz; analysa-se a substancia da sua massa ingente; calcula-se a força e a quantidade dos gazes e vapores que constituem a sua atmosphera; diligencia-se com ardor penetrar o mysterio das manchas que periodicamente assomam na sua superficie resplandecente.

O interessantissimo phenomeno que ámanhã se ha de desenrolar desde a America do Norte até ao Egypto e á Arabia poz em movimento pleiades de astronomos de todos os paizes e observadores de diferentes categorias, curiosos de observarem as differentes phases da obnubilação transitoria do Sol. Com o aperfeiçoamento maravilhoso dos modernos apparelhos astronomicos e o fervor que põem em os manejar aquelles que pretendem a todo o custo, apesar dos incommodos e perigos de uma penosa viagem, saber o que se passa na vida da estrella a que andamos gravitariamente atrellados, acreditamos que virão a conhecerem-se cousas curiosissimas ácerca do eclipse e das circunstancias concomitantes.

Deste se ocupaarm [sic] já varios noticiaristas diarios, de modo que, sendo conhecido na sua generalidade, dispensamo-nos de sobrevir em explicações compendiosas ou superfluas.

É sabido de todos que no momento em que a Lua, na phase de nova, passa diante do Sol, pode escurecer inteiramente ou parcialmente o astro do dia.

A Terra, a Lua e o Sol acham-se então em linha recta, o que não acontece em cada conjuncção em virtude da inclinação da orbita da lua, pelo que só em determinadas posições do satellite este vem a eclipsar toda a face do astro diurno ou parte della, donde a forma total, parcial e annular destes eclipses.

É como póde imaginar-se muito dificil examinar a superficie brilhante do Sol, a razão da sua intensa radiação que ofusca e escalda, sendo necessarios varios artificios e aparelhos engenhosos para que se torne possivel observar o globo solar, que se apresenta normalmente como uma massa espherica em ignição activissima.

Durante os eclipses é que os astronomos conseguem devassar certas particularidades do disco luminoso, as quaes adiantam o conhecimento do que se passa no seu interior, porque nesta occasião o fulgor do astro fica sobremaneira attenuado e a lua collocando-se como um anteparo gigantesco favorece a perscrutação que o deslumbramento ordinario daquelle impede, mesmo atravez dos vidros córados que se usam para estas observações.

Comquanto [sic] a certeza seja uma das qualidades dos calculos astronomicos, a respeito da constituição do sol as hypotheses cambiam instavelmente, não se fazendo ainda hoje mais do que uma idéa de longiqua [sic] probabilidade sobre as causas e effeitos da actividade do rei dos astros.

Para dar uma conceção tangivel do que seja a ardencia deste, o conhecido sabio Flammarion compara-a a um immenso bule de ponche em chammas, advertindo que esta combustão é mais quente que o ferro em fusão e mais deslumbrante que o arco da luz electrica e que as chammas expedidas se medem por centenas de kilometros!

A superficie flamejante é como um vasto oceano de fogo, constantemente movel, onde se debatem vagas temerosas de materias incandescentes, segundo toda a probabilidade num estado gasoso dissociavel. Visto ao telescopio este mar agitado apresenta uma profusão de cristas luminosas, que se destacam sobre um fundo menos brilhante.

No meio desta conflagração enorme destacam-se as manchas sombrias duma extensão de milhares de kilometros, as quaes teem sido objecto da mais detida analyse e constitutem ainda heje [sic] um dos problemas mais importantes da astronomia phisica, tanto mais que essas maculas parecem interferir poderosamente na economia do planeta que habitamos, sobre tudo na producção dos meteoros.

A forma e as dimensões dessas manchas são muito variaveis, divisando-se facilmente a sua marcha e deformação sobre a zona equatorial do sol durante dias, acompanhando a rotação d’elle.

A este oceano ardente deu-se o nome de «photosphera» ou esphera de luz. O exame do disco por occasião dos eclipses totaes permitte descobrir uma camada rosea rodeando os contornos da massa incandescente. É o que chama a «chromosphera», onde a espectroscopia revela vapores de corpos muito conhecidos, como o hydrogenio, alem de outros que são peculiares do sol, taes são helio e o coronio. Durante os eclipses assiste-se á projecção de linguas de fogo a uma distancia inimaginavel na chromosphera, chegando a atingir o comprimento de um quarto do raio do sol.

* * *

A astronomia persiste na hypothese de Herschell mais ou menos modificada de que o astro a que fatalmente obedecemos é constituido por um nucleo central obscuro rodeado de um envolucro de gazes que ardem a uma temperatura elevadissima (photosphera). Os elementos, mesmo metallicos, o ferro, o magnesio e muitos outros encontram-se ahi n’um estado de dissociação. O hydrogenio não pode combinar-se com o oxygenio, nem mesmo na forma de vapor, porque as moleculas nessa fornalha grandiosa se repellem umas as outras, reduzindo os elementos á sua primitiva simplicidade. Perante as explorações formidaveis que manteem o ardor do sol, as mais violentas erupções volcanicas são apenas miseraveis fogos de artificio!

* * *

A formação mysteriosa das manchas solares não encontra ainda agora a sua explicação satisfatoria. Perdem-se os astrologos em conjecturas mais ou menos provaveis, sem chegar a uma theoria definitiva. Estudam-se com afan as phases desta interessante phenomenalidade que ha de ilucidar um dia certos factos da vida sideral e porventura algumas questões meteorologicas, ainda desnorteadas pelo capricho dos acontecimentos a que dizem respeito.

Supõe-se, por exemplo, existir uma correlação entre as manchas aludidas e as perturbações do magnetismo terrestre, cuja coincidencia de ha annos se nota com o augmento desses acidentes solares.

Tambem as diferenças de irradiação do astro central preocupam de algum tempo a atenção dos physicos.

O sol de que depende afinal grande parte da nossa existencia, o astro rei de que dinamam [sic] em summa todas as forças, não tem sempre a mesma energia, iamos a dizer o mesmo calor, visto que uma das formas como aquella se nos revela com mais intensidade é a calorifica.

De ha annos que os astroonmos [sic] veem descobrindo umas cerats falhas na actividade solar, as quaes por força teem que ver com o regime de vida terraquea e de que fatalmente os nossos corpos se resentem [sic].

Ha phases de maxima e minima nos phenomenos que dia a dia denunciam a vida do sol e que necessariamente correspondem ás modificações importantes nas radiações influentes no nosso meio cosmico e de que aquelle é para nós o foco principal. / D’ahi a phrase – este anno tem feito mais ou menos calor, pode não ser uma simples banalidade para puxar conversa e acha a sua natural justificação n’estas altas e baixas da acção do astro diurno reconhecidas pelos competentes.

O professor Langley, n’uma memoria recentemente lida á Associação Americana para o adiantamento da sciencia, discutiu os valores até hoje obtidos da constante solar, designação pela qual se comprehende a quantidade de calor que o Sol emitte á sua distancia media da Terra, sob a incidencia perpendicular, na unidade de tempo e sobre a unidade de superficie.

Este auctor já nos preliminares deste trabalho significára a importancia pratica que adviria do exacto conhecimento desta grandeza, assim como das variações possiveis desta radiação, as quaes podem influir nas estações, na vegetação, nos phenomenos biologicos em geral, na distribuição das especies, no seu modo de vida e por consequencia na agricultura, no commercio e na industria.

O estudo pois das modalidades da acção do astro que nos guia não pode deixar de prender intimamente a melhor attenção dos observatorios.

A aparição de uma grande mancha no sol é seguida de alterações magneticas bastante sensiveis e que se repercutem em todo o orbe, ou na sua maior parte.

Das observaçees [sic] multiplicadas destes acontecimentos astraes advirá num futuro não muito remoto talvez um fundamento mais estavel para a predicção meteorologica, substituindo o empirismo desta por bases mais scientificas de novas theorias e de determinações praticas.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / O Sol – As attenções dos sabios fixam-se no Astro Central – O estudo do sol – A curiosidade despertada pelo eclipse – Aspecto normal do Astro do dia – Observações durante o phenomeno – Constituição do Sol – As manchas – Sua importancia em astronomia physica – Estado de dissociação dos elementos no globo solar – Perturbações magneticas em relação com as manchas – Diferenças da radiação – Os estudos do professor Langley para a determinação do poder radiante – Importancia destes trabalhos para a agricultura, a biologia, etc. – Bases astronomicas de theoria e predicção meteorologica." in Diário de Notícias de 29 de Agosto de 1905, nº. 14279, p. 1 (c. 7-8). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2149.



Detalhes


Nome do Jornal


Mostrar detalhes do Jornal

Número

Ano Mês Dia Semana


Título(s) do Artigo


Título

Género de Artigo
Opinião

Nome do Autor Tipo de Autor


Página(s) Localização do Artigo na(s) página(s)


Tema
Astronomia

Outros
Palavras Chave


Notícia