O eclipse do sol
Em Lisboa
Aspectos da capital
O eclipse do sol, despertou em Lisboa grande curiosidade.
A manhã estivera encapotada, e só de espaço a espaço o sol appareceu, como timidamente, por entre nuvens esfarrapadas que cobriam o céu.
Ás 11 horas da manhã, e da approximação do eclipse, as nuvens tornaram-se mais espessas, e accumularam-se, muito escuras, como se estivesse imminente uma tempestade. E á medida que chegava a hora annunciada para começo do phenomeno mais empallidecia o sol; quando lograva mostrar-se por entre alguma clareira das nuvens, mais escuras e amarelladas nos appreciam as pessoas e as coisas.
Ao meio dia e 27 minutos, hora em que o eclipse attingiu o seu «maximum», havia uma escuridão quasi crepuscular, comparavel com a que se observa antes de estalar uma formidavel trovoada.
A capital offerecia, então, aos lisboetas, um interessante espectaculo. Cada habitante era um astronomo, cada janela, cada telhado, cada rua, um observatorio.
Nos pontos mais altos, havia numerosos observadores, que utilisavam, para as suas investigações… scientificas, ou o vidro fumado com um phosphoro, que mascarrava o nariz dos astronomos, quando estes se absorviam demasiadamente nas suas observações, ou então o vidrinho de côr, que varios individuos tiveram a genial idéa de vender pela quantia de 20 réis.
Em uma casa da rua dos Douradores; no primeiro quarteirão do lado da praça da Figueira, chegaram a partir-se vidros magnificos, para depois de fumados observar o eclipse, que nos veiu demonstrar que por cá ha muita gente entendida no assumpto.
Póde quasi dizer-se que o numero de observadores foi tão grande como o numero de habitantes.
Até moços de fretes nas esquinas das ruas observavam o curioso phenomeno, fazendo commentarios e dando-se ares de entendedores da poda.
Como o terraço do elevador de Santa Justa fosse o melhor ponto na cidade baixa para observar o eclipse, para lá nos dirigimos ás 11 horas da manhã, bem como alguns dos nossos collegas dos jornaes da capital.
No terraço superior d’aquelle elevador preparava-se para o caso uma lente de grande augmento e com vidro corado.
O sol era reproduzido fielmente n’um ponto e o observador podia vêr, mediante vinte réis, todas as phases do eclipse, sem estar de bocca aberta e de nariz para o ar, o que já não é pouco.
Alguns empregados do elevador tambem estavam munidos de vidros fumados, que tiveram a delicadeza de emprestar a alguns astronomos, visto o telescopio que lá estava armado não chegar para as encommendas.
No terraço do elevador estiveram mais de duzentas pessoas, desde as 11 horas da manhã até á 1 hora da tarde.
A cidade, vista do terraço do elevador de Santa Justa, offerecia um aspecto curioso, unico.
A luz debil e amarellada do sol, que então rompa a custo por entre nuvens, pôz uma claridade sinistra na casaria de toda a cidade, cujo conjuncto era na verdade phantastico.
O Rocio, a Avenida e o Tejo, offereciam um aspecto de trabalho de scenographia.
Do elevador viam-se muitos astronomos d’occasião, debruçados nas janellas, sentados nos telhados, nos muros do Carmo, etc., emfim por toda a parte vimos uma infinidade de observadores de nariz para o ar.
Do elevador divisou-se no Castello de S. Jorge um verdadeiro formigueiro. Mais tarde tivemos conhecmento de que estiveram n’aquelle ponto muitos dos excursionistas que ao fim do dia soubemos terem seguido viagem a bordo do «Clement».
A animação no terraço foi por vezes interessante. Muitos commentarios sobre o phenomeno e muitas piadas boas á mistura.
Um photographo tirou ali varios instantaneos, quando alguns dos astronomos observavam o eclipse no telescopio.
No elevador notou-se uma descida muito sensivel da temperatura; porém, alguem do observatorio de D. Luiz disse-nos que a descida foi pouco notada no thermometro.
Passada a maior phase, começou o ceu a tornar-se limpido e o sol a brilhar com a intensidade habitual.
Depois da uma hora da tarde brilhava o azul do ceu como o não tinhamos visto durante a manhã.
A tarde esteve formosissima.
Depois da uma hora os astronomos desarmaram os seus apparelhos scientificos, e o mundo voltou a girar nos seus eixos.
No observatorio astronómico
No Real Observatorio Astronomico (na Tapada da Ajuda) realisaram-se observações do eclipse parcial que hoje se deu.
Nas salas de observação montaram-se tres parallacticos portateis tendo adstrictos tres chronometros Dext sideraes, marcando os segundos para se tomarem os contactos, o primeiro dos quaes não poude ser apreciado por causa do estado nebuloso do ceu, que quando descobriu por um momento deixou vêr o sol já chanfrado no bordo.
Na torre exterior deste a fenda da parede e do tecto metallico foi revestida interiormente dum forro negro movel que apenas permittia a entrada da claridade indispensavel aos trabalhos, coado por vidros encarnados para não prejudicar a sensibilidade das chapas photographicas.
Ao excellente telescopio parallactico que ahi está montado, construido em Hamburgo por Repsold, foi aaoptada [sic] uma disposição especial que permittiu que fosse utilisado para photographar.
Os dois eixos, polar e de declinação, do parallectico, permittem dar-se-lhe a direcção que se desejar, e um movimento de relojoaria faz com que elle gire vagarosamente, sem soffrer desvio na pontaria, acompanhando sempre astro que se observa.
Um obturador em iris, estabelecido no revestimento interior, permittia dar a luz solar a intermittencia necessaria para o sol ser photographado.
Um chronographo installado na torre recebia os signaes de segundo de um chronometro da sala central do observatorio e na fita chronographica ficava registado o numero da chapa e o instante da exposição da chapa do sol.
Destas photographias pode determinar-se a hora dos contactos e as diversas phases do eclipse, permittindo deduzir-se a posição rotativa do sol e da lua.
Neste instrumento trabalhou o illustre director do observatorio, sr. vice-almirante Campos Rodrigues, a que se deve as engenhosas disposições que citamos, e que pela sua bem conhecida e apreciada pericia em todo o genero de trabalhos astronomicos, de certo verá os seus esforços coroados de melhor exito posto que o ceu não se prestasse a uma observação perfeita.
Ainda assim foram impressionadas 168 chapas.
Na proximidade da phase maxima pode ver-se o crescente a olho nú; o azul do ceu tornou-se muito carregado e a paisagem tomou o tom peculiar e este phenomeno.
Não foi registada diminuição de temperatura ou alteração de pressão atmospherica.
Os resultados das observações não podem ser já apresentados por que o trabalho de revelação das chapas e o mais que é necessario é difficil e moroso.
Em Burgos
BURGOS, 30. – A cidade está em festa, achando-se embandeirada.
O dia está magnifico, quente e com algumas nuvens.
Burgos trasborda de gente, notando-se muitissimos francezes e bastantes portuguezes.
Não ha logar nos hoteis.
Começaram a subir balões-sondas.
A familia real acaba de sair do palacio em direcção á Cartuxa, Miraflores. – (Correspondente particular).
BURGOS, 30. – Depois do meu telegramma da manhã, augmentaram as nuvens, prejudicando a observação d’algumas phases do eclypse.
A phase da totalidade foi vista, porém, regularmente, causando enthusiasmo no povo, que applaudiu com palmas e bravos.
Pouco antes chovera ligeiramente.
Nada emfim [sic] de extraordinario para quem viu em Portugal o eclipse de ha annos, salvo o effeito phantastico, impressionante de grandes nuvens. Por occasião da totalidade tres aerostatos foram lançados do parque, levando engenheiros, subindo a grande altura, e escondendo-se nas nuvens.
No acampamento dos astronomos veem-se barracas de campanha e grandes oculos como canhões assestados, assim como muitos guardas a cavallo, o que tudo dá ao recinto o aspecto de um acampamento militar.
Entre os astronomos ha muitos sacerdotes.
Disseram ter feito trabalhos de valor, apesar do tempo mau.
A familia real viu o eclipse do castello.
Á noite ha illuminação, concerto no passeio publico, e recita da companhia Guerrero Mendoza.
Entre outros portuguezes vi os engenheiros Mendes Guerreiro, Monteiro, Hermano de Oliveira, Paulo Raymundo, Costa Sequeira, Antunes Pinto, Sarrea Prado, Oliveira Soares e padre Pimenta. – (Correspondente particular).
BURGOS, 30. – Choveu das 4 ás 5 h. e 7’ da manhã o que fôra presagiado pelos inglezes.
O tempo está nublado; o sol conserva-se occulto por nuvens negras, o que está desgostando os astronomos. – (Havas).
Em Saragoça
SARAGOÇA, 30. – O sol e os dois astros da rotação chegaram e saíram á tabella: eclipse total. – (E. A.)
Nas províncias
PORTO, 30. – Apesar de haver bastantes nuvens, o eclipse do sol divisou-se perfeitamente. Ao meio dia por toda a parte, nas ruas, jardins e janellas, e até nos telhados, se viam pessoas fitando o sol atravez de um pedaço de vidraça fumada. Muitos photographos tiraram clichés.
BELMONTE, 30. – O eclipse teve principio às 11,3 [sic] e terminou ás 12,29. Foi quasi total[.] Muita gente o examinou na direcção do sanatorio da Serra da Estrella, Manteigas.
LAGOS, 30. – O eclipse do sol que hoje teve logar, mostrou-se aqui ligeiramente.
ESPOZENDE, 30. – O eclipse foi hoje muito visivel e observado. Attingiu a maior intensidade ao meio dia e vinte minutos.
FARO, 30. – No maximo, aqui, do eclipse do sol, as 12,45, este apresentava o aspecto da lua em quarto minguante. Os thermometros, que marcavam á sombra 28 graus, antes de começar o eclipse, desceram 8 graus até áquella hora.
VIMIOSO; 30. – Hoje o eclipse do sol foi visivel ás onze e meia.
POVOA DE LANHOSO, 30. – O eclipse do sol principiou as 11 e meia. A maior escuridão, que correspondeu ao crepusculo da noite, deu-se aos 30 minutos depois do meio dia. Terminou á 1,30. Ceu com nuvens, mas a alguns espaços claros, dando logar á observação. Viram-se algumas estrellas.
GEREZ, 30. – Numerosos grupos de senhoras e cavalheiros foram aos pontos mais elevados da serra observar os effeitos do eclipse. Era deslumbrante o panorama disfructado das alturas, apesar de um pouco prejudicado por não ser o dia bastante claro. A avenida central replecta de gente, observando o sol com vidros fumados. O tempo admiravel para excursões na montanha. Continua a esperar-se muita concorrencia de aquistas.
SILVES, 30. – O eclipse que hoje teve logar foi aqui muito notado. Pelas ruas e janellas via-se muita gente com vidros fumados, admirando o caminhar da mancha que ia cobrindo o sol. A claridade que ficou parecia luar. Á 1 hora e vinte estava terminado o eclipse.
ELVAS, 30. – O eclipse despertou aqui o maior interesse, vendo-se nos pontos mais elevados muita gente munida de vidros foscos, admirando o phenomeno, que principiou ás 11,4; teve maior intensidade ás 12,26, terminando á 1,39.
BEJA, 20 [sic]. – Das 11 á 1 hora de hoje raras eram as ruas da cidade onde se não viam pessoas com vidros fumados, observando o eclipse do sol. A athmosphera conservou-se perfeitamente limpidamente, facilitando a observação do interessante phenomeno astronomico.
MARINHA GRANDE, 30. – O curioso phenomeno do eclipse do sol prendeu as attenções prestando-se o estado athmospherico ás observações de todas as phases desde 11,3 até a 1,48. A luz do sol velada bastante. Abaixamento de temperatura sensivel. Muito tempo esteve visivel a olho nu uma estrella do lado do occidente.
SETUBAL, 30. – O eclipse do sol foi aqui presenceado muito regularmente, coincidindo as suas phases com a hora exacta mandada pelo observatorio D. Luiz, de Lisboa. Como de costume, muita gente a olhar para o ar munida de vidros fumados.
COIMBRA, 30. – Tempo nubloso, que não permittiu que se observasse bem o eclipse do sol.
CASCAES, 30. – O phenomeno que se deu hoje do eclipse das 11,45 m. da m, á 1 h. e 8 minutos da tarde, foi aqui observado por quasi todos os habitantes da villa.
Era curioso o que observámos. Parecia que estavamos n’um paiz onde apenas ha astronomos de ambos os sexos, pois todos, empunhando differentes instrumentos de variados systemas e feitios, desde os mais aperfeiçoados até aos mais estravangantes e ridiculos, lá estavam fixando o firmamento na observação das differentes phases do eclipse; ouvil-os, sobretudo, era mais curioso.
Notámos que durante o eclipse a temperatura baixou consideravelmente.
AZAMBUJA, 30. – Algumas pessoas da villa estiveram hoje examinando o eclipse do sol, que, apesar de haver algumas nuvens, se tornou muito visivel.
SACAVEM, 30. – Hoje, ás 11 horas, muitas pessoas vimos munidas de vidros fumados, a fim de melhor disfructarem o eclipse.
Ás 11 e meia da manhã, apesar das nuvens toldarem o ceu, via-se bem o eclipse. O sol era amarellento Á uma hora da tarde o sol tornou-se brilhante.
SANTAREM, 30. – O eclipse do sol foi aqui bastante sensivel, como o deveria ter sido em todo o paiz, vendo-se muitas pessoas pelas ruas munidas de vidros fumados a observar o grande phenomeno desde o seu inicio.
Como noticiou o Diario de Noticias, foi ás 11 horas e 3 minutos da manhã, que o disco solar principiou a ser invadido pela sombra da lua, lado noroeste, chegando a attingir o maximo ás 12,27 minutos com uma pequena facha do astro luminoso a descoberto.
Nesta occasião, a luz do sol era bastante frouxa e amarellada, baixando a temperatura consideravelmente.
Durante alguns minutos, que a luz era menos intensa, via-se uma estrella muito brilhante, assemelhando-se na côr, á da luz electrica, na direcção de oeste.
Á 1,48 minutos da tarde, ficou o sol totalmente a descoberto.
Durante o eclipse estiveram os astros ligeiramente ennuveados.
CINTRA, 30. – O eclipse do sol que numa atmosphera quasi limpa de nuvens permittiu que fosse á vontade observado, trouxe meia Cintra para a rua, e outra metade para as janellas, de cabeça no ar, contemplando o astro rei atravez de vidros mascarrados.
Para varios pontos elevados da serra, principalmente o castello dos Mouros, a concorrencia foi verdadeiramente extraordinaria, e ninguem perdeu o seu tempo, porque não só puderam ver á vontade o eclipse, como aproveitaram um dia lindissimo para um bello passeio.
Os futuros eclipses
Damos em seguida os dias em que se realisam os futuros eclipses do sol e os pontos em que são visiveis:
Em 14 de janeiro de 1907 – Visivel na Asia Central.
Em 3 de janeiro de 1908 – No Oceano Pacifico.
Em 23 de dezembro do mesmo ano – No Oceano Atlantico do Sul.
Em 17 de junho de 1909 – Na Groenlandia [sic].
Em 9 de maio de 1910 – Nas regiões antarticas.
Em 28 de abril de 1911 – Na Australia.
Em 17 de abril de 1912 – No sudoeste de Paris (pequena duração[)].
Em 21 de aqosto [sic] de 1914 – Noruega, Russia e Indias.
Em 3 de novembro de 1916 – Na America do Sul e Açores.
Em 8 de junho de 1918 – Nos Estados Unidos da America do Norte.
Em 29 de maio de 1919 – Na America do Sul e Africa.
Em 1 de outubro de 1921 – Nas regiões antarticas.
Em 31 de setembro [sic] de 1922 – Na Australia.
Em 16 de setembro de 1923 – No estado do Texas (America do Norte).
Em 24 de janeiro de 1925 – Nos Estados Unidos (Oceano Atlantico).
Em 14 de janeiro de 1926 – Na Africa[,] Oceano Indico e em Borneo.
Em 3 de janeiro de 1927 – No Oceano Atlantico.
Em 29 de junho de 1927 – Na Inglaterra e Noruega.