As moscas e a cholera
Na ultima sessão da Academia de Medicina de Paris, o professor Chantemesse fez uma communicação de alto interesse, relativamente á prophilaxia da colera.
Constatou de começo que, nos ultimos quatro annos, o terrivel flagello produziu «nas Indias inglezas, nas Philipinas, ilhas neerlandezas, Egypto, Mesopotania e Persia mais de milhão e meio de victimas».
Para nos preservarmos da acção devastadora da epidemia, cumpre conhecer perfeitamente os multiplos modos de dissiminação do agente epidemico. Ha quatro annos para cá recolheram-se documentos precisos que hoje permittem apontar as causas dessa propagação.
«A marcha da cholera apresenta-se, diz o professor Chantemesse, sob os tres seguintes aspectos, muito differentes entre si, e exigindo cada um o emprego de methodos particulares de prophilaxia: o «transporte», a longa distancia, a «propagação», de cidade para cidade, e «disseminação» de casa para casa, de individuo para individuo».
E depois de haver mostrado a impossibilidade pratica da desinfecção das mercadorias provenientes de paízes infecciosos, como da agua potável embarcada, ou das bagagens e roupas, acaba por assignalar o papel activo das moscas na disseminação dos germens da terrível doença. «A sua actividade, diz elle, esta na razão directa da elevação da temperatura, e isto explica a paralisação da epidemia durante o inverno».
E não é agora somente que as moscas são reconhecidas como agentes de disseminação de germens patogénicos. Desde ha muito se sabe que desempenham um papel importante na propagação da peste, da febre typhoide e da cholera.
«As moscas dos domicílios podem, conclue o professor Chantemesse, colher muito facilmente nos vómitos, dejecções e roupas sujas, os germens da cholera e leval-os ai cabo de varias horas ao leite, a agua, ao pão, aos alimentos, sobremezas, etc. Concebe-se que por via destas propriedades as moscas constituem poderosas agentes de disseminação da cholera, mas não agentes de transportes a longa distancia; a propagação da doença por ellas é, pois, bastante limitada, com excepção algumas vezes dos wagons dos caminhos de ferro ou dos navios fluviaes.
«Depois de um longo inquerito, a conferencia internacional de Constantinopla de 1865 fôra levada a admitir que o ar ambiente era o vehiculo principal do agente gerador da cholera, mas concluira que esta transmissão pela atmosphera era limitada a uma distancia muito proxima do foco de emissão.
A mosca não poderá transportar, não pode propagar senão a custo, mas dissemina a cholera poderosamente. E eis apurada uma das causas da acção retardadora do inverno, destruidor de moscas, sobre a extensão das epidemias colericas. Em tempo de cholera, deveria ser proposta uma medida prophilatica; a afixação desta sentença de um auctor americano. «Deve ser uma falta mais grave para uma dona de casa ter moscas na habitação do que percevejos na cama».