Base de Dados CIUHCT

Divulgação Científica em Jornais



Texto da entrada (ID.2170)

Chronica scientifica

Livros de ensino – Exigencia excessiva dos estudos actuaes – Textos antigos e compendios modernos – Abuso de livros – O ensino livristico exagerado e o methodo intuitivo e experimental – Excesso e inferioridade qualitativa na producção de livros de estudo – Industria e fancaria – Abuso do compendio e prejuizos consequentes – Meios e processos destinados a substituir e amenisar o ensino lexico – Livros americanos

Relembrando a simplicidade das leituras com que antigamente, seculos atraz, nas escolas e universidades se professava a sciencia, quão poucos textos, acompanhados de alguns commentarios faziam a despeza do ensino, em contraste com as excessivas exigencias de livros que os estudos de todos os graus hoje comportam, é-nos licito pensar que os professores dessas épocas teriam um trabalho muito superior na transmissão das noções, em resultado da escassez de obras por onde podessem guiar a exposição da materia mal definida que lhe será dado ensinar, desataviados de todo o material demonstrativo de que dispõem os Magister de agora.

Hoje não ha capitulo nenhum dos conhecimentos que não se encontre nos tratados e compendios, nos resumos e manuais ao alcance de toda a gente, as livrarias e bibliothecas, as revistas e publicações de toda a espécie facultam uma inapreciavel quantidade de princípios de todas as ordens. Abusa-se do livro; do romance e do compendio sobretudo. Do romance, com que se tem envenenado muito espírito precoce, com que se tem transviado e adoecido muita imaginação delicada e viva; do compendio, com que se consegue cada vez mais deturpar a comprehensão das creanças desde a escola primaria, de nosso tempo excessivamente sobrecarregada de livros; fatigar até á enervação as classes complementares dos cursos secundarios e mesmo as classes universitarias, em que o estudante possue já uma collecção avultada de obras, representando um capital de conhecimentos bastante rico e uma erudição que, attenta a quantidade e o preço dos volumes, não se pode considerar barata.

Se julgarmos este progresso do ensino livristico pelo numero de principios theoricos espalhados por este meio, poderiamos surprehender-nos da multiplicidade de elementos de saber que elle traz, da variedade de esclarecimentos que derrama, da diversidade de questões apresentadas e discutidas. Porém, como no romantismo na litteratura e na Arte, ás concepções symbolicas doutros tempos succedeu uma era de realismo, em que o homem tende a approximar-se mais da Natureza e a expor-lhe mais desassombradamente os segredos, tambem na sciencia surgiu pela natural, evolução doa methodos, o experimentalismo após as combinações transcendentes do mysticismo e da metaphysica. O estudioso, nos tempos modernos, não nutre o seu pensamento só da sciencia textual e alheia, mas de muita observação directa e da experiencia propria.

A pedagogia tinha de passar tambem pela transformação correspondente. Viu-se que não era suficiente a formula expressa nos diversos tomos classicos; era necessario completal-a pela observação individual, fazer-lhe o commentario, explanal-a no campo experimental, contraproval-a pela aplicação pratica. D’ahi a creação de gabinetes de estudo e de laboratórios, a organisação de excursões instructivas, de exposição; a instituição de conferencias, de museus, a revolução na maneira de demonstrar por meio de aparelhos, de figuras, de projecções luminosas, que compensam o vago e o theorico dos livros, que contrabalaçam as faltas de clareza e de objectivação dos expositores, ainda os mais bem redigidos, que facilitam a tarefa, em todo o caso árdua, do lente e do alumno.

No entanto o livro, adaptando-se ás variadas exigências do estudo, tornou-se um valioso instrumento de vulgarização, um utensilio indispensável do trabalho mental. Multiplica-se, insinua-se, amolda-se a todas as intellegencias, a todas as bolsas, diremos ate a todas as algibeiras; o seu defeito reside actualmente na facilidade e exuberância da sua producção, da qual se abusa, podendo affirmar-se de um modo geral que existe uma superabundancia que affronta os mercados e um excesso de leitura que cança em relação a quantidade e desorienta, ou desvirtua em relação á qualidade. Tanta vez geme inutilmente o prelo!

Não se escreve simplesmente no desejo de fixar por meio da escrita uma idéa fugitiva, ou o resultado de amadurecida locubração; fabricam-se volumes e volumes, numa laboração industrial, que dá idéa da febre do viver actual, da variabilidade do pensamento moderno, da rapidez com que as theorias passam.

Na confecção dos livros de ensino chega-se á fancaria desordenada e perigosa.

Os livros de estudo de que hoje se faz depender o esclarecimento dos cerebros juvenis, compadecendo-se com demasiada maleabilidade das hesitações e mudanças dos programmas, enfermam sobretudo da falta de cohesão, que se uma perfeita uniformidade de plano pode determinar. Em geral não se dirigem simplesmente á intelligencia do alumno, não se destinam a dilucidar certos pontos doutinarios, a resolver com clareza os problemas inherentes a certas questões scientificas. Os auctores procuram, por necessidade ou por habito imitativo, conformar-se com os programas, as mais das vezes arbitrarios e vagos, desequilibrados e extensos. D’ahi uma insuficiência de qualidade que o excesso quantitativo não compensa; pelo contrario atraiçoa, pois n’uma exposição prolixa e complicada há mais occasião de perpretar erros e deixar obscuridade. O bom nesta ordem de cousas é um ideal inatingivel: dá-se a preferencia apenas a uma approximação perfectivel.

* * *

Em presença das modernas acquisições scientificas, dadas as exigencias dos estudos e da pratica da vida, o ensino livristico é abusivo, fora das prescripções pedagogicas, anti-hygienico e prejudicial em mais de um ponto de vista, principalmente para as creanças da escola, hoje esmagadas sob o peso de uma literatura de que só comprehendem á força de uma parte minima.

Qualquer prolongamento das horas de lição faz-se em detrimento da saude physica e intellectual do alumno. O desenvolvimento do estudo pelos compendios esta na proporção do aumento assustador da myopia nos centros académicos.

Se os programmas são vastos, os escritores que tentam seguil-os e abraçal-os são temíveis pela fadiga a que condemnam o estudante, particularmente o das classes inferiores.

Ha tanta cousa que é possivel e facil transmittir por outros meios que tanto divergem do compendio fastidiosos e estupefaciente, que em breve chegamos a achar uma das maneiras de aligeirar o pesado encargo das occupações escolares. O modo seria substituir uma grande parte dos tomos, folhetos, synopses, resumos, etc., em uso por uma serie de meios de transmissão, hoje melhor do que nunca ao alcance dos professores, como são toda a especie de imagens, estampas, projecções, os objectos de museu, as experiencias na aula, a visita dos laboratorios, a inspecção directa dos phenomenos cuja explicação se pretende da; as conferencias ambulantes, etc.

É este um processo moderno que além de ser de uma utilidade pratica incontestavel, no ponto de vista das noções a incluir e da fórma indelevel de as fixar na mente dos discípulos, tem a vantagem de ser muito mais ameno e muito menos fatigante para aquelles e para o mestre.

Mais praticos os americanos, sem se preocuparem de questões doutrinarias ou de clacissismos insignificantes e ociosos, crearam para as diversas classes livros de uma instrucção sobremaneira clara, apropriados á aprendizagem, para facilitar a comprehensão dos asumptos e não para lhes augmentar as escabrosidades. É censuravel que muitas vezes essas obras faltam a exactidão rigorosamente historica, quanto á proveniencia dos principios e descobertas, mas não é menos para notar que ellas correspondem ás principais necessidades necessidades do estudo, que descança na observação immediata, na experiencia pessoal, na liberdade de iniciativa tanto do alumno como do professor, e na acção deste ultimo, independentemente dos programas oficiaes.

O verdadeiro programma é aquillo que se precisa saber, e de um modo evidente se apresenta como elemento imprescindivel de conhecimento, como instrucção bastante da materia applicavel a ensinar.

Não pretendemos generalisar de mais este expeditismo norte-americano, que não pode fornecer um saber formado d erudição, á altura dos cursos universitários, tão trabalhosos e elevados, da velha Europa; mas recommendar o processo pelo que elle tem de simples, eficaz e aproveitável para a instrução primaria e de lyceu, onde justamente recae o excesso pernicioso do compendio folhudo e confuso.

Alguns exemplos ou a analyse de alguns desses livrinhos adoptados nos Estados Unidos dariam melhor a idéa da reforma que pretendemos neste sentido.

Impossivel porém mais do que citar aqui, d’entre muitos, o pequeno Tratado de Physica de Hoadley e a Chimica de Williams, cuja norma é facil de seguir, o que seria, sem duvida, de um grande proveito para o ensino lyceal.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / Livros de ensino – Exigencia excessiva dos estudos actuaes – Textos antigos e compendios modernos – Abuso de livros – O ensino livristico exagerado e o methodo intuitivo e experimental – Excesso e inferioridade qualitativa na producção de livros de estudo – Industria e fancaria – Abuso do compendio e prejuizos consequentes – Meios e processos destinados a substituir e amenisar o ensino lexico – Livros americanos" in Diário de Notícias de 7 de Novembro de 1905, nº. 14349, p. 1 (c. 7-8). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2170.



Detalhes


Nome do Jornal


Mostrar detalhes do Jornal

Número

Ano Mês Dia Semana


Título(s) do Artigo


Título

Género de Artigo
Opinião

Nome do Autor Tipo de Autor


Página(s) Localização do Artigo na(s) página(s)


Tema
Outros

Educação Cientifica
Outros
Palavras Chave


Notícia