Chronica scientifica
A descoberta de Roentgen – Ao raios X e os estudos sobre a luz – A radiologia – Importancia das radiações em therapeutica – A força curativa da luz – As experiencias de Finsen – A cura do cancro e do lupus pela phototherapia – Luz que vitalisa e luz que destroe – A insolação – Raios calorificos e actinicos – Idéas de Woodruff – Acção da luz nos climas tropicaes – Algumas considerações – Conclusões.
A famosa descoberta de Roetgen, tão importante que, em curto lapso de tempo, só ella fornece a materia de uma sciencia nova, a dos raios X, rica de previsões theoricas e vistas experimentaes nos dominios da physica e da medicina, tem feito convergir para o estudo physico e biologico da luz as atenções de numerosos sabios de toda a parte.
Dia a dia aparecem, como uma visualidade de magica as revelações mais inesperadas a respeito dessa força da natureza, de uma acção muito mais complexa e geral do que mesmo os homens de saber comprehendiam antes dos trabalhos do celebre professor Wurtzburg.
Estes foram o inicio de uma serie de experiencias brilhantes que se casaram, por assim dizer, por uma afinidade muito explicavel com as de Curie, sobre os metaes radioactivos, constituindo uma nova ramificação das sciencias physicas, exuberante de phenomenalidade e generosa de aplicações a utilizar – a radiologia.
Realmente assiste toda a razão aos que galardoaram o mérito incontestável dos novos descobrimentos no foro desta sciencia. Elles deram a conhecer novas actividades de um extraordinario e inobservado poder e ao mesmo tempo de uma productiva reductibilidade á pratica em variadissimas aplicações, principalmente á therapeutica. A estas novas forças se deve em tempos correntes a cura de molestias até aqui julgadas como os maiores flagellos da humanidade, o cancro, a tuberculose cutanea (lupus) e são essas mesmas forças que asseguram o exito das investigações de muitas outras doenças e dos processos curativos contra ellas empregados, como a devassação precoz da tuberculose pulmunar, a determinação das lesões osseas, a extracção de corpos extranhos com o auxilio dos raios X, etc.
Posto que de longinqua data observada, a força curativa da luz só foi reduzida aos moldes de uma regular aplicação depois das memoráveis experiencias de Finsen, para dotar a sciencia e a humanidade com o thesouro inestimável da phototerapia, que presta hoje tão relevantes serviços na arte medico-cirurgica.
No tempo presente a evolução de qualquer idea nova caminha celere. Tão depressa germina no laboratorio, como logo, por uma energia multiplicativa d’antes desconhecida, se precipita no vasto campo da pratica, onde imediatamente adquire a sanção que merece ou é promptamente rejeitada para o lado das tentativas infructiferas.
Não admira pois que a investigação pertinaz de todos os phenomenos luminosos, a pesquiza afincada das qualidades de todas as luzes esteja actualmente na ordem do dia por toda a parte.
A luz é uma parte avultante do feixe de radiações que os astros nos enviam de todos os pontos do céu e representa uma necessidade biologica primaria. Todos os pontos do céu e representa uma necessidade biológica primaria. Todos os organismos carecem della, ainda os que menos parecem tirar partido della, pois na escuridão dos abysmos a luminescencia de certos animaes atesta a universalidade da prodicção luminosa e a necessidade de converter essa progiosa energia. Onde a radiação solar não penetra, substituem-n’a os proprios seres que habitam as profundezas pela phophorescencia.
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Ha luz que vivifica, que acelera os processos nutritivos, que determina a cor e luz que queima e destroe. Encontra-se nesta dualidade paradoxal um dos mais curiosos e preocupantes problemas da actualidade.
Tem-se visto que o calor excessivo dos climas tropicais é só por si bastante causa de doença. Conhecem-se as febres das regiões quentes, não derivadas de sezonismo ou typho e atribuidas por todos os tratadistas á insolação forte, constituindo conjunctos symtomaticos em que predominam a elevação de temperatura e os acidentes nervosos. Ao par destes consideram-se ainda outros de ordem nervosa tambem, atribuídos especialmente á radiação solar, não porém á sua parte calorifica.
Segundo o dr. Woodruff, cirurgião do exercito norte-americano, a luz é, mais ainda que o calor, causa de doença dos brancos nos paizes calidos.
Assim como o feixe luminoso se compõe de numerosos raios de diferente cor tambem existem rediações de diversa actividade chimica, que mais ou menos interessam o organismo. Certos raios azues, violetas e ultra-violetas (actinios) penetram mais intimamente no corpo e produzem reacções chimicas violentas.
É sabido de todos que os raios solares teem uma grande influencia sobre os organismos, mas a acção especial de determinadas radiações coradas é ainda imperfeitamente conhecida, sendo objecto de observações e experiencias ainda não concluídas sobre os estados hygidos ou morbidos.
Algumas doenças mal definidas, que não participam da malária nem de outras infecções, sobretudo os estados nevropathicos até a loucura, notados sob os climas tropicaes, seriam, no entender do cirurgião americano, devidos ao excesso ou a qualidade especialmente activa da luz do sol, impressionando indivíduos cuja pelle é desprovida de bastante pigmento para lhe resistir.
Woodruff observou nas Philipinas que os americanos do norte para ali emigrados sofriam do clima ao fim de dois annos, vivendo em casas ensoalhadas e em boas condições hygienicas. Acusavam lumbagos, nevralgias faciaes e outras perturbações de nervos que se acalmavam na obscuridade. Notou tambem que os creoulos conservam, pelo contrario, as habitações a coberto do excesso de claridade, á maneira dos indígenas de que procedem.
Por contra-prova, na America do Sul, identicos males afligem as creanças nas escolas construidas á europea, embora em razoáveis disposições conforme as regras da hygiene. Lá os colonos allemães e scandinavos degeneram á terceira ou quarta geração.
Woodruff concluiu que a população do globo esta repartida por zonas de cor apropriada ao clima, ou antes para certa qualidade de luz: brancos nos paizes do norte, onde há menor quantidade de rais actinicos, e escuros ou negros onde a radiação é mais intensa e demorada.
Por essa theoria a pelle dos negros é assim por modo a resistir ao efeito prejudicial da luz excessiva.
Na Australia a raça branca é decadente. Os inglezes installados á europea sofrem em pouco tempo de enfraquecimento e de diferentes moléstias. Aduz tambem o exemplo dos boers. Os boers são os unicos individuos de raça branca que conseguem aclimatar-se na Africa; constroem casas onde o ar e luz entram a custo; viajam de noite.
O valor destas observações, aliás dignas de ser seguidas, é muito discutível. Com respeito á acção climaterica nas zonas tropicaes, não se deve atribuir exclusivamente a um factor, o que pode ser resultante do complexo causal – luz, calor, humidade e mephitismo. Não é facil tarefa, á primeira vista, descriminar qual seja nas doenças mal caracterisadas destes paizes a parte devida simplesmente á penetração dos raios chimicos da luz, da que compete somente aos raios calorificos, nem os efeitos de uns e de outros se acham suficientemente separados dos das outras causas, não devendo perder-se de vista que o parasitismo, o estado infectuoso do organismo é muitas vezes latente, e só minuciosas analyses conseguem revelal-o.
Não quer isto dizer que a luz forte e prolongada nessas regiões deixe de importar como agente da depressão ou excitabilidade particular nellas adquirida, e que a theoria de Woodruff não possa aplicar-se a certos casos de simples abatimento neurasthenico, a generalisação é que nos parece por demais ousada e a confusão etiológica bastante para admittir reservas prudentes.
Entretanto não é para desprezar, tomada simplesmente como advertência, a noção do medico dos Estados Unidos acerca da luz tropical e, como escreve o articulista que a refere no La Nature, não é dificil, para obviar aos inconvenientes da excessiva luminosidade, empregar vidros de cores apropriadas para corrigil-a, melhor do que o tratamento pela meia escuridão, como propõe Woodruff.
Em todo o caso, é forçoso reconhecer que a luz nos trópicos seja, não um inimigo, propriamente falando, mas um amigo pouco commodo e que requer algum resguardo, a fim de quebrar-lhe os exageros, o que será sempre mais asado do que extinguir o pantano e exterminar os insectos transmissores das mais temiveis endemias intertropicaes.
J. BETTENCOURT FERREIRA.
J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / A descoberta de Roentgen – Ao raios X e os estudos sobre a luz – A radiologia – Importancia das radiações em therapeutica – A força curativa da luz – As experiencias de Finsen – A cura do cancro e do lupus pela phototherapia – Luz que vitalisa e luz que destroe – A insolação – Raios calorificos e actinicos – Idéas de Woodruff – Acção da luz nos climas tropicaes – Algumas considerações – Conclusões."
in Diário de Notícias
de 21 de Novembro de 1905, nº. 14363, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2171.
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