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Texto da entrada (ID.2175)

Chronica scientifica

O congresso da tuberculose em Paris – Uma questão importante – O problema da habitação hygienica – A remodelação das casas de habitação: prophylaxia da tuberculose – O que mostram as estatisticas – Pareceres, idéas e votos das auctoridades na materia – A luz natural e a ventilação como elementos principaes do saneamento – Deficiencias da habitação moderna nas cidades – Meios aconselhados para remediar esses defeitos

Uma questão de elevada importancia entre todas suscita o iminente problema da tuberculose foi apresentada ao Congresso de Paris reunido em outubro ultimo. Esta assembléa por muitos titulos notavel encarou a habitação sob o duplo ponto de vista da hygiene geral e da tuberculose em especial e temos de confessar que sob qualquer dos aspectos ella nos interessa sobremodo.

A casa a que cada um se acolhe para repouso da fadiga quotidiana, no aconchego do lar, na saude ou na doença, onde se passam as horas de somno reparador, santuario da familia, cofre das piedosas recordações, pode dizer-se que é para a maioria da gente, ainda neste seculo intellectual e de aperfeiçoamento materialista, cousa pouco cuidada, tanto por fora como por dento, o que a torna impropriamente habitavel e deleteria. O phantasma da tysica, horrorisando as populações desprevenidas descobre os medonhos interiores em que se debate a miseria e a doença, faz patentear, mesmo nas classes ricas e remediadas, os aposentos onde o arejamento e a luz são prejudicados ou impedidos.

A procura de uma solução para esse problema da tuberculose de multiplas incognitas veiu [sic] por em foco e sob uma intensa claridade essa questão de um interesse de primeira ordem – a remodelação do systema de abrigo indispensavel a todos, da casa em que de ordinario residimos, ou onde passamos uma grande parte da existencia, seja o gabinete do estudioso, a oficina, o escriptorio ou a fabrica. Ha poucos anos um medico americano descobriu que o numero dos tuberculosos era maior nas casas expostas ao norte, isto é naquellas cujas alcovas ou quartos de dormir tinham essa orientação. Isto bastava para ver quanta importancia possue a moradia no desenvolvimento e propagação de certas molestias: O trabalho ultimamente apresentado por L. Graux a respeito das moradas insalubres em relação com a tuberculose merece bem que se meditem as suas conclusões juntamente com os votos do recente congresso concernentes ao mesmo objecto. Computa este auctor que em Paris ha 32:000 casas anti-hygienicas sobre 80:000 observadas e naquellas tanto peores os compartimentos quanto mais inferior o andar. É precisamente nos mais baixos que a tuberculose ronda e onde recruta maior numero de victimas, mais ainda do que as mansardas, onde ao menos não escasseia essa inapreciavel riqueza do sol e do ar, nem este pode ser tão facilmente alterado. Por isso Graux reclama e com razão que se limitem a dois ou tres os andares, de modo a tornar as casas mais espaçosas e iluminadas. É cousa assente que a tberculose se seva de preferencia nas grandes aglomerações cidadãs, nas casas condemnadas pela hygiene. Neste ponto são concordes as opiniões medicamente instruidas. Nos relatorios apresentados a reunião magna de paris as mais bem edificadas opiniões sobre o assumpto emittiram a idéa de que o saneamento e modificação das residencias é necessaria e urgente para a mais breve e acertada resolução da prophylaxia.

Uma estatistica destes ultimos 11 annos mostra o incremento dado em Paris a terrivel endemia em consequencia das más condições da habitação, pela sua carencia de ar e de claridade, taes como lojas, casinhotos de porteiros e outras dependencias egualmente insanas; d’ahi a denominação apropriada de casas focos a esses tugurios d’onde o mal irradia tão bem na urbe populosa, como na acanhada povoação rural.

Os architectos francezes requerem a luz natural como o meio supremo de travar a propagação da doença (Juillerat e Bonneir).

É necessario pois alargar as ruas e os pateos, aumentar a cubagem dos quartos e salas de convivio, facilitar a ventilação das cozinhas, onde as creaturas definham respirando uma atmosphera viciada pelo anhydrido carbonico e outros gazes perturbados da respiração e que põem obstaculo á regeneração do sangue.

O relator inglez Young insiste muito particularmente no perigo que oferecem os predios encostados uns aos outros e demonstra que a mortalidade pelas doenças de peito está em relação com o numero de casas justapostas. A razão é ainda a mesma – a falta de luz do sol, pois que a entrada deste primeiro factor hygienico.

É por essa razão tambem que Young recommenda a abertura de varandas e terraços, que e algum modo podem compensar as deficiencia de ar e de radiação solar no interior.

As apparencias architectonicas, dando exterioridades magnificas por vezes as construções, dotando-as de um aspecto mais elegante e agradavel, iludem sobre as disposições internas, vulgarmente viciosas e em contravenção com a regras mais elementares de sanidade urbana.

Debaixo de uma falsa opulencia oculta-se do mesmo modo a sordidez e a incapacidade para morada. Veja-se o que acontece em bom numero de altas edificações, onde collectivamente residem familias crescidas em numero e onde o luxo substitue o conforto, necimando inqualificaveis guaritas de guarda-portão, em geral acanhadas e infectas e donde não é raro ver surgir doenças contagiosas. Bem assim essas sumptuosidades não impedem os quartos de segunda luz ou de luz nenhuma, os saguões apertados de que sobem emanações prejudiciaes á saude, a diminuta cubagem das salas.

Um outro perigo a evitar seria a visinhança de estabelecimentos insalubres e incommodos, que conspurcam constantemente a atmosphera das cidades com as poeiras, fumos e exalações que a tornam improprias para a respiração e particularmente anemiante, pelo roubo de oxygenio que lhe fazem.

Eis por que a proximidade dos grandes estabelecimento deve ser evitada.

Um motivo facil de reconhecer obriga do mesmo modo a afastar do centro das populações os hospitaes e asylos, os quarteis e outras instituições que não só reclamam mais massa de ar respiravel e constantemente renovado, mas destroem pela sua laboração, á semilhaça das fabricas e officinas e relativa pureza do ambiente, ameaçando portanto a saude dos que lhe ficam proximos.

Nas cidades velhas como Lisboa, Coimbra, Porto, Evora, etc., a intercallação de edificações novas nos casebres onde se cultiva por via de regra as epidemias, onde campeia a variola, a typho, a tuberculose não faz Senão desvaloisar as habitações modernas, que sofrem a breve trecho da contaminação desses morbos desgraçadamente vulgares que a hygiene incumbe escorraçar do seio das acumulações civilisadas. Demolir aqueles vetustos albergues, sem condições nenhumas de vida saudavel e alegre, sem grandeza e sem esthetica, seria uma obra meritoria a bem de sanidade publica e mesmo economica, porque daria consequentemente mais valor a propriedade melhorada nas suas pincipaes condições de habitalidade e faria renascer actividades, poupando vidas que são valores não menos dignos de consideração.

A Inglaterra tem uma lei que obriga a eliminação das casas más para a saude.

Sob este edificante exemplo, o congresso de Paris emittiu o voto para que a lei auctorise a expropriar as construcções perigosas neste sentido e obrigue a vigiar as reedificações, que nem sempre se fazem segundo os principios da hygiene.

Um outro ponto disentido a bem do saneamento das habitações é o da desinfecção bem como da declaração obrigatoria nos casos de tuberculose. Vários membros do congresso e dos mais autorisados como Letulle e Landouzy, de Paris, Dunbar, de Hamburgo, pedem a obrigatoriedade daquella declaração, como se faz em muitas terras da Allemanha, com tendencia para a generalisação.

A desinfecção das divisões em que estiverem tysicos impõe-se tanto como para outras molestias contagiosas, aceite como esta a transmissibilidade daquella doença por vias diversas e a sua maneira de se insinuar nas diferentes classes sociaes.

A desinfeccão não se deve executar apenas depois da verificação do obito de um tuberculoso, mas todas as vezes que este permanece algum tempo num compartimento qualquer, muito particularmente quando se opera a sua transferencia.

As medidas de saude publica trazem algumas vezes embaraços e dificuldades serias, levantam obices que põem hesitações no movimento industrial e commercial. Mas os benefícios e as vantagens que ellas produzem são bastante compensação aquelles transtornos passageiros e o seu alcance economico, poupando as existencias as endemias e epidemias reinantes, não soffre contestação.

Ha um remedio ainda, para tornar mais suportaveis as reformas sanitarias, que aliás a salvação da comunidade impõe – é a ilustração e educação das massas populares. Aquellas tomam a devida superioridade sobre os entendimentos esclarecidos e rasoaveis.

J. BETTENCOURT FERREIRA.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / O congresso da tuberculose em Paris – Uma questão importante – O problema da habitação hygienica – A remodelação das casas de habitação: prophylaxia da tuberculose – O que mostram as estatisticas – Pareceres, idéas e votos das auctoridades na materia – A luz natural e a ventilação como elementos principaes do saneamento – Deficiencias da habitação moderna nas cidades – Meios aconselhados para remediar esses defeitos" in Diário de Notícias de 5 de Dezembro de 1905, nº. 14377, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2175.



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