Chronica scientifica
A força do Niagara – O assombro da cataracta e o prodigio de engenharia americana – O culto de uma das maiores bellezas naturaes e o aproveitamento da força das quedas de agua – Distribuição economica de energia á distancia – O Niagara origem de electro-motricidade para Nova York e para a California – Um relatorio interessante – A centralisação industrial e fabril de Niagara Falls – Extraordinaria aplicação da hulha branca.
A União Americana do Norte não se contenta com a gloria já empoeirada de annos, de ter dado o berço a Franklin, o qual, segundo a conhecida legenda, arrebatou ás nuvens o raio fulminador, ou antes, utilisou-lhe parte da sanha destruidora inventando o pára-raios. A actividade inquebrantavel e proverbial do povo americano não pára numa descoberta, senão para della fazer ponto de apoio para uma nova conquista de meios de tornar a sciencia pratica em pleno beneficio da communidade. Por isso hoje quasi não ha uma casa em Nova-York que não possua o seu telephone.
Assim não se contenta a engenharia americana em dominar simplesmente o agente fulgurador; emprega-o por toda a parte transforma constantemente esse poder em uma cousa industrial que, se não está ao alcance de todas as bolsas, todos podem gosar e aproveitar, pelas mil maneiras pela quaes elle se pode utilizar.
Vem isto a proposito das considerações de um caracter ao mesmo tempo technico e economico do engenheiro Buck, apresentadas á Associação de Engenharia (Association of de [sic] Engineering Societies) ácerca do aproveitamento das cataractas do Niagara, para a producção de força motriz a distancia, obra que não tem, como se poderia julgar, apenas um interesse local, mas da qual é possivel tirar principios e conclusões que sejam a producção industrial similar noutras partes.
As famosas quedas no Niagara (Niagara Falls) são sabidamente uma das mais curiosas maravilhas naturaes que existem e ha quem para as admirar, intente uma perigosa travessia. Durante muitos annos foram ellas simplesmente o objecto de espectaculo, que a natureza expansiva desses [sic] regiões offerecia gratuitamente ou pago apenas pelo incomodo de uma penosa viagem, para ver de perto as formosas catadupas gigantescas, em que a agua do lago Erié se precipita no Ontario.
O espirito em tudo pratico dos americanos induziu-os não só a reconhecer numa das mais imponentes bellezas do paiz e do mundo e que elles eternisam em interessantes publicações vulgarizadoras, em edições elegantes e baratas, largamente illustradas e captivantes á vista, fazendo carreiras especiaes de vapores para contemplar o assombroso despenhadeiro aquatico, incidindo sobre elle variegados effeitos e projecções luminosas, mas egualmente a tirar dessas descomunaes cascatas todo o proveito utilizavel e portanto fizeram dellas uma fonte excellente e grandiosa de energia electrica, capaz de, e aqui a ambição dominadora de grandeza industrial toca o impossivel, capaz de fornecer a força e a luz a uma immensa região por onde se acham distribuidos nucleos importantes de vida civilisada e de laboração industrial.
O bom senso pórem vem reduzir praticamente aquella desmedida cubiça [sic] de propaganda longiqua [sic] de electricidade á la porteé de toute le monde a empregar esta em um diminuto raio kilometrico, constituindo ainda assim uma riqueza consideravel convertida engenhosamente por uma companhia mechanica industrial, a Falls Power Company.
Porque, como faz ver a instructiva memoria do engenheiro Buck, director da poderosa fabrica, a transmissão da corrente geradora a grandes distancias torna-se dispendiosa em excesso pelo numero e qualidade dos obstaculos e difficuldades que encontra no percurso.
Veja-se, por exemplo, o que acontece entre Niagara e Buffalo, uma das principaes estações industriaes mais apropriadas pela sua topographia proximo das cataractas a recolher, ao que parece, o immediato resultado deste progresso. A corrente de uma voltagem enorme á saida dos dynamos (22:000 volts) gasta pelo caminho uma parte da sua força e exige uma despeza que não é para desprezar com o funccionamento de machinismos transformadores, saindo dos quaes segue uma linha que exige direitos a pagar e o custo da conservação, soffrendo além disso uma perda importante de energia. Á chegada a Buffalo a corrente é transformada de novo, para ser distribuida na cidade por meio de conductores subterraneos, que custam caros [sic] e exigem um pessoal numeroso de vigilancia.
A perda ocasionada pela transmissão esta calculada em 10p. 100, o que não quer dizer que a força transmittida deste modo custe apenas mais 10 p. 100 que no logar onde se gera. A differença calculada por Buck é muito maior.
Comtudo [sic] consegue-se que a electricidade seja barateada aos consumidores tornando o seu preço inferior ao que exige a industria particular.
Mas o primitivo plano, concebido ao estabelecer a empreza de Niagara Falls, era o de fazer funcionar as fabricas de Nova York pela força subtrahida ás cataratas; pórem o actual desenvolvimento da industria mechanico-electrica não
partidos por numerosos consumidores. Não é preciso mencionar que parte desta força é destinada aos transportes e á iluminação publica e particular.
Em Tonawanda e Lockport gastam-se uns 10:000 cavallos ao todo da força electro[-]motriz. Em Olcott 500 cavallos são desenvolvidos na estação da Companhia dos Caminhos de Ferro. Esta estação está situada a 63 kilometros das cataractas – a maior distancia á qual é enviada actualmente a força niagarica.
O transporte de mercadorias entre Tonawanda e Olcott faz-se em comboios electricos, que recebem a propulsão derivada das celebres cataractas.
O que é de esperar, em vista das objecções que a cada passo se levantam á conducção da energia electrica de longo curso, é a fundação de uma multiplicidade de cidades industriaes, como tantas que se encontram naquelle paiz, onde basta a passagem de uma via ferrea para fazer sair como por encanto do meio de uma imensidade arida villas, e urbes cheias de uma perenne labutação industrial.
Não é de imaginar de nosso tempo o que virá a sair desta aplicação um [sic] ponto grande da força natural e bruta da quéda do Niagara. O que se dá como certo e se pode magnificamente entrever atravez do relatorio do auctorisado engenheiro da Companhia é que a cidade de Buffalo ha de ser um dia o centro de uma grande região industrial, onde se agruparão mais do que noutra qualquer parte as fabricas e as officinas de todos os generos, com uma grande economia de machinas geratrizes e pelo mesmo modo sem que a atmosphera desses focos productores se perturbe com o fumo, que é ainda o pezadello das grandes areas fabris, como Londres, Paris e outras não menos empestantes com os detritos das suas combustões estonteadoras e asphyxiantes.
A colossal estação dos Grandes Lagos será de futuro a maior consumidora do que hoje se denomina technicamente, e ao mesmo tempo de um modo pituresco – a hulha brana [sic] – isto é, a transformação electro-motriz sem o esbrazeamento incessante e por demais incommodo e ascoroso do carvão de pedra, pondo em serviço em logar deste o movimento dos rios e das cataractas.
J. BETTENCOURT FERREIRA.
J. Bettencourt Ferreira - "Chronica scientifica / A força do Niagara – O assombro da cataracta e o prodigio de engenharia americana – O culto de uma das maiores bellezas naturaes e o aproveitamento da força das quedas de agua – Distribuição economica de energia á distancia – O Niagara origem de electro-motricidade para Nova York e para a California – Um relatorio interessante – A centralisação industrial e fabril de Niagara Falls – Extraordinaria aplicação da hulha branca."
in Diário de Notícias
de 19 de Dezembro de 1905, nº. 14391, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2177.
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