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A catastrofe de Italia

O correspondente do «Diario de Noticias» em Roma visita as ruinas de Avezzano

Tremores de terra

O pavoroso terramoto que sacudiu e enlutou a Italia chama de novo a atenção dos sabios e dos leigos para esta ordem de fenomenos tão assustadores e terriveis nos seus efeitos. Ha bem pouco tempo Edmond Perrier publicou um elucidativo artigo sobre o assunto. Vamos respigar dele, com a devida venia, o que se nos afigura de maior interesse e de mais flagrante actualidade.

Os ultimos tremores de terra de certa gravidade, foram o de Constantinopla e o de 9 de maio na região de Catanea, que matou cerca de quinhentas pessoas e feriu o dobro. É quase um habito. Palermo, Nicosia, Catanea, Massina, Aspromente, Reggio, Cosenza, Lagonegro estão situados ao longo de um arco de circulo, particularmente fragil, no percurso do qual se encontra o Etna, e que encerra na sua concavidade os vulcões das ilhas Lipari e Stromboli. Todos se lembram da catastrofe de 28 de dezembro de 1908, que destruiu quase inteiramente Messina. Durante muito tempo o solo da Calabria manteve-se num estado de equilibrio instavel. Em Lisboa, em 1755, a terra tremeu nos arrabaldes desde 1 de novembro a 9 de dezembro. No vale de San Salvador, na America Central, os movimentos do chão são quase incessantes, e Lima, capital do Peru, partilha com o Japão da frequencia deste genero de cataclismos.

A marcha dos tremores de terra é extremamente caprichosa. Ora atacam apenas uma região muito restricta, ora se estendem longe sem que atinjam grande violencia. Em 1872, Berlim, Wiesbaden, Francfort, Saarbruck, Strasburgo, Pfortzheim experimentaram simultaneamente um mesmo e unico choque. A 12 de novembro de 1836, a Sicilia, a Italia meridional, a Dalmacia, a Grecia, o Egypto, a Syria, a Asia Menor tremeram. Houve como uma ameaça de que toda a bacia meridional do Mediterraneo se ia subverter. A 18 de novembro de 1822, milhares de kilometros das costas do Chili foram percorridos por um abalo que caminhava com uma velocidade variando entre 132 e 855 metros por segundo.

A Humanidade antes de se entregar a um estudo metodico dos tremores de terra, procurou adivinhar a sua causa. Impressionada com algumas coincidencias entre as suas datas e as de diversos outros fenomenos, na aparencia inteiramente diferentes, foram apresentados como uma repercussão inesperada e misteriosa destes fenomenos. Ainda ha pouco tempo se apelou para as manchas do sol. O numero destas manchas apresenta uma certa periodicidade. Passa todos os onze anos pouco mais ou menos por um maximo e a esse maximo atribuem-se efeitos prodigiosos. Segundo Herschel, quando se produz, o preço do trigo sobe, as falencias tornam-se mais numerosas, os suicidios multiplicam-se, os vulcões entram em erupção, e, no dizer de Boné e de Kluge, homens de sciencia, a terra treme.

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Antes de acusar as manchas do sol, tinham sido incriminados os cometas, que possuem a faculdade de melhorar os vinhos, escreve ironicamente M. Edmond Perrier. Depois os inumeros asteroides que viajam dispersos ao longo de um anel eliptico entre Marte e Jupiter. Estes asteroides bombardeavam a terra, cujos abalos eram devidos a estes choques repetidos. Outro sabio M. Perrey acusou a lua: concluiu com estatisticas numerosas que os terramotos se ralacionam com as fases do nosso tranquilo satelite. No entanto, medidas de extraordinaria precisão tomadas por Charles Laliemand, provaram a existencia de marés na crosta terrestre, mas demonstraram tambem que consistem em deformações insignificantes.

Tambem houve quem incriminasse os planetas. Assim procedeu o capitão Delaunay. Em 1877 predisse depois de ter consultado Jupiter e Saturno, que em 1883 haveria cataclismos espantosos. Efectivamente houve um tremor de terra violento em Ischia e nessa mesma epoca o Krakatoa abalou todo o estreito de Sonda com uma eupção terrivel que encapelou o mar até Rochefort e projectou tão alto uma grande quantidade de poeiras, que dois anos depois avermelhavam ainda o horisonte em Paris, ao pôr do sol, imitando, quando eram atravessados por estes últimos raios, o clarão de uma aurora boreal. É verdade que o enxame das estrelas cadentes de S. Lourenço viera tambem auxilia-lo.

Depois surgem os estatisticos. Os tremores de terra são, na opinião de copioso numero de sabios, mais frequentes no inverno. Todavia, as Antilhas são indiferentes ás estações; o Peru prefere tremer no verão; o arquipelago indiano prolonga durante todo o curso da primavera o seu fremito invernal; a America contral é igualmente sensivel aos excessos do inverno e do verão e aos excessos do inverno e do verão e a Suissa escolheu o Outono para se tornar instavel.

Ora se em vez de contemplarmos o ceu, nós olhassemos em redor de nós?

Constituiu-se, ha pouco tempo, uma comissão internacional para estudar os tremores de terra ao mesmo tempo que se criava uma nova sciencia – «scismologia». Observou-se meticulosamente em cada ponto abalado os efeitos do abalo, classificaram-se de maneira a medir a sua intensidade e a determinar a sua direcção, registaram-se as horas em que cada localidade era atingida quando o abalo se propagava numa vasta extensão, de maneira a determinar o seu ponto de partida, examinou-se a direcção das fendas produzidas no solo ou nas paredes e esperou-se verificar assim a profundidade a que se produziu, no solo, o acontecimento causa de todo o dano.

O ponto de partida do abalo á superfície do solo recebeu o nome de epicentro, e o lugar subterraneo onde o acontecimento determinante se produziu o de hypocentro. Estes termos implicam a hipotese de que os terremotos teem por causa um acidente por assim dizer local: uma brusca derrocada subterranea, uma erupção vulcanica abortada, uma explosão causada pela queda na imensa fornalha subterranea que alimenta os vulcões de algum bloco destacado da crosta terrestre e que origina a vaporisação instantanea da agua que o impregnava. Em certas regiões da America central, sem que o solo seja afectado, ouvem-se ruidos saidos das entranhas da terra e que só podem ser atribuidos a explosões, e é certo que as regiões onde o chão é sacudido são tambem aquelas em que os vulcões são mais numerosos.

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A moderna sciencia não se limita á observação directa. Tem-se discutido com o maior cuidado as indicações fornecidas pelos aparelhos registadores, pelos «scismógafos». Estes aparelhos teem sido aperfeiçoados de modo que podem registar num lugar determinado os tremores de terra que se produziram nos antipodas e dar a conhecer entes de qualquer telegrama os pontos do globo que foram abalados. Nesses aparelhos empregam-se massas pesadas, fixas na extremidade de hastes elasticas dispostas horisontal ou verticalmente e que estão encastradas pela outra extremidade numa parede ou num bloco de alvenaria. Quando a parede ou o bloco é arrastado por um movimento do solo, a massa pesada, em virtude da sua inercia, só a acompanha tardiamente no seu movimento. Se se prende á superficie uma ponta cuja extremidade pode traçar uma linha num cilindro giratorio ligado á parede ou ao bloco de maneira a seguir todos os movimentos, estes movimentos inscrever-se-hão no cilindro pela massa tornada imovel. Empregam-se assim triangulos leves de madeira seguros verticalmente de maneira a conservar uma grande mobilidade, a uma parede a que a sua base é paralela. Quando a parede se desloca, o triangulo não se mexe e o seu vertice oposto á sua base inscreve no cilindro registador preso á parede os movimentos deste, que é obrigado a seguir.

Podem inscrever-se assim os movimentos horisontais e os movimentos verticais. As curvas obtidas por este meio são duma grande regularidade. Essas curvas dividem-se em tres partes que representam respectivamente as vibrações longitudinais chegando directamente do ponto abalado através de toda a espessura da terra, vibrações transversais que seguiram mais lentamente o mesmo caminho e vibrações que chegaram contornando as camadas profundas da terra e apenas pelas suas camadas superficiais. Estas ultimas teem um caracter muito diferente das primeiras e isto confirma a ideia de que a terra é formada de duas esferas. Uma constituida por materias pesadas, a barysphera, está encaixada na outra, a lithosphera. As velocidades de propagação das vibrações na barysphera são pouco mais ou menos as mesmas que no aço; a barysphera é pois feita de substancias pesadas, como os metais, e sobre tudo, parece de ferro e de nickel. É este o motivo por que orienta as bussulas.

É a primeira conclusão importante, mas ha outras.

Graças aos scismographos, podem registar-se todos os abalos, determinar a sua posição até as regiões mais profundas dos oceanos e organisar uma estatística completa. Chegou-se á conclusão de que as localidades onde se produzem estão distribuídas pela proximidade de dois circulos, cujo centro coincide com o da terra e que formam entre eles em angulo de 67º. Um destes circulos corre atraves do Mediterraneo, Alpes, Caucaso, Himalaya, isto é, na direcção das ultimas cadeias de montanhas formadas; a outra atravessa o Pacifico, abrangendo o Andes, o Japão, a Malasia. É tambem nestas regiões que os vulcões são mais numerosos. Pode induzir-se d’ahi que, se os tremores de terra e as erupções vulcanicas são fenomenos locais, numa certa medida independente uns dos outros, reconhecem uma causa geral comum que não é outra coisa senão a continuação do vasto enrugamento que desde o começo da era, que os geologos chamam a era terciaria se desenhou a superficie do globo, originando as nossas mais altas cadeias de montanhas, Pyrineus, Alpes, Caucaso, Himalaya, Andes, etc. este enrugamento, que se estende insensivelmente, de ordinario ramificando-se em redor do globo, provoca a formação de fendas, cujas bordas, a principio de nivel, se despegam por assim dizer, em desagregamentos de camadas que deslisam ou cavalgam umas sobre as outras, em amontoamentos graduais, em desmoronamentos, e é a todas estas causas que convem atribuir os tremores de terra.

O Mediterraneo corresponde a uma destas zonas de desmoronamentos, mas isso não passa de um acidente, e a maior parte dos continentes são orlados de fossos profundos que se cavam cada vez mais, com frequencia aos empuxões, limitados por costas abruptas. E esta a razão por que o fundo dos mares, bem como as suas praias, são a miudo [sic] agitadas por secções assinaladas pelos scismografos e que se traduzem nas costas pela invasão dessas vagas temiveis a que os franceses chamam «raz de marée».


Referência bibliográfica

[n.d.] - "A catastrofe de Italia" in Diário de Notícias de 18 de Janeiro de 1915, nº. 17669, p. 1-2 (c. 7-c. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2187.



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