Crónica tecnologica
As aplicações da electricidade e os motores de combustão interna nos ultimos 50 anos
Sir John Gavry C. B. terminou o seu celebre discurso feito no Institution of Post-Office Electrical Engineers em 1908 com estas memoraveis palavras:
«O engenheiro é talvez a maior força de civilisação: eu digo isto deliberadamente sem comtudo [sic] deixar de reconhecer o valor das sociedades e institutos formados sobre uma base puramente filantropica. Os nossos prototipos, os romanos, realisaram este facto e nós podemos formar uma boa ideia do estado de civilisação que estabeleceram nas raças barbaras que conquistavam, contemplando as magnificas estradas que construiram, aquedutos, templos e edificios publicos que deixaram atraz de si, trabalhos estes que ainda no presente dia não são sobrepujados, tanto em beleza como em magnitude.
O trabalho do engenheiros não serve para firmar os projectos dos sectarios nem para constituir a base das luctas politicas, mas é estabelecido permanentemente, para o bem do mundo em geral, o qual beneficia do seu trabalho durante infinito tempo depois da sua morte.»
Se Sir John Gavry escrevesse a historia dos ultimos 50 anos, decerto que se cingiria a um ramo da engenharia – a electricidade.
Relatar os progressos da electricidade nos ultimos 50 anos é escrever a historia da civilisação.
Em todos os ramos de sciencia, industria, agricultura ou comercio a electricidade tem penetrado, tomando posse d’ela, dando-lhe uma nova fase, emfim [sic] imprimindo-lhe o cunho do seculo XX.
A casa moderna não é senão um templo erigido á electricidade. A iluminação, o aquecimento, a ventilação, a cozinha, a limpeza, tudo isto é feito pela electricidade nos centros da mais requintada civilisação.
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A electricidade não é em si propria uma fonte de energia. É obtida, quer directa ou indirectamente, numa forma quimica ou mecanica, em todos os casos praticos; é outra vez transformada antes de ser utilisada; a electricidade é, portanto, a forma mais conveniente, para a maioria dos casos, de transmissão e distribuição de energia.
Para todas as aplicações em que se pretende obter os efeitos directos da força a energia electrica é convertida em mecanica por meio dum motor electrico que dá impulso a uma maquina. A sua aplicação a transportes e comodidades é utilisada nos caminhos de ferro, automoveis, carros electricos e elevadores. Para fins industriais a electricidade é convertida em energia quimica por varios processos electro-quimicos, é em calar para as fornalhas electricas, cozinha e aparelhos de aquecimento de varios tipos e como já mencionamos em energia mecanica por via de motores electricos para ser utilisada como força motriz de toda a grande variedade de maquinas industriais.
Na industria, a força motriz mais utilisada até 1870 era a hidraulica; de então para cá o seu uso tem rapidamente declinado para dar lugar ao vapor que em 1900 atingiu o seu maximo de 78%. O aproveitamento do motor electrico tem sido simplesmente fenomenal; basta uma referencia ás estatisticas para nos convencermos do seu maravilhoso progresso. No periodo de 1899 a 1909, emquanto a utilisaçao do vapor e quedas d’agua tiveram um aumento de 80, o motor electrico teve um aumento de 900% e só para industrias manufactoras!!
A vantagem da electricidade para operações mineiras está completamente reconhecida, não só reduz o custo de laboração mas tambem oferece uma segurança e rendimento muito maior. O uso da electricidade dispensa a necessidade de grandes e complicadas canalisações de agua e ar comprimido as quais são dispendiosas de instalação e conservação e teem o perigo de rupturas e a dificuldade de obter a necessaria pressão com o aumento de superfície canalisada. Para estas condições a electricidade oferece grandes vantagens porque é facilmente montada e rapidamente aumentada sem interferir com o resto da instalação, de maneira a servir as mudanças exigidas pelo desenvolvimento da exploração mineira.
A superioridade da locomotiva electrica nas minas é geralmente reconhecida e é em grande parte devida ao grande rendimento util, resistencia mecanica e simplicidade de manobra.
A elevação de mineral, extracção, ventilação são outras importantes aplicações da elecricidade na industria mineira.
Em metalurgia, os serviços prestados não são menores. Neste campo a fornalha electrica desempenha um papel importante na produção d’aço pelo sistema de cadinhos e na refinação do aço do sistema Bessemer.
A produção de linguados do minerio pela fornalha electrica da redução tem tido grande desenvolvimento na Suecia.
Na caldeação de metais a electricidade tem prestado valiosos serviços a inumeras industrias.
Nos postos comeciais, os guindastes electricos e outras maquinas auxiliares atestam o valor da sua utilisação.
Na industria de brinquedos e quinquelharias, na serração de madeira, no fabrico de papel, a experiencia tem demonstrado que a electricidade desenvolve a qualidade e a quantidade da produção. Principalmente no fabrico do papel, no qual cada maquina póde ser acionada com a velocidade especial que as diferentes qualidades de papel requerem, além de que o factor de segurança, tanto para os operarios como para as maquinas, é tambem uma vantagem importantissima.
A aplicação dos motores electricos na industria textil é um dos aperfeiçoamentos de maior alcance dos ultimos 20 anos.
Na agricultura M. Marti da Schweiz Elektrot-Verein procedeu o ano passado a um inquerito sobre o emprego de motor electrico em serviços agricolas na Suissa, que deu como resultado verificar-se a existencia de 4:417 motores com um total de 13:431 HP. Nos ultimos tres anos (1909-12) o aumento do seu emprego foi de 19, 20 e 58% respectivamente. Isto basta para demonstrar o seu desenvolvimento.
Na electro-cultura, isto é, na aplicação directa da electricidade á agricultura, embora ainda não haja grande numero de resultados praticos definitivamente obtidos as experiencias do Prof. Lemstrom e outras são bastante fundamento para prognosticar num futuro proximo novas aplicações de grande alcance. O papel desempenhado na irrigação é tambem muito importante, haja em vista a instalação do Arizona que irriga 220:000 acres de terra arida.
A industria fertilisadora ou produção dos adubos quimicos, que tão ligada anda á agricultura, dava-lhe tambem muito. Começaram ha 9 anos apenas os ensaios neste novo ramo de industria e já hoje na Noruega utilisa mais de 300:000 HP na preparação dos adubos.
Não insistiremos nos beneficios que á marinha, ao exercito, á medicina, á industria dos espectaculos, á imprensa, ás comunicações telefonicas e telegraficas etc., presta actualmente a electricidade.
É curioso registar que até no nosso país a estatistica demonstra o extraordinario desenvolvimento da electricidade nos ultimos anos. Verifica-se efectivamente que até 1892 a importação de materiais electricos em Portugal era tão diminuta que não justificava um artigo pautal especial para os designar, estando incluidos, no artigo – aparelhos de laboratorio e maquinas industriais. Em 1892 o valor importado era de 17:784$000 em 1913 o respectivo valor já era de 464:415$000 réis. O numero de estações geradoras de electricidade na Alemanha em 1805 era de 148 e em 1913 esse numero atinge 4:040 – 27 vezes mais. (Elekt. Krafbet u. Bahnen 1914).
Se pensarmos bem que ha 50 anos a electricidade ainda estava na fase de experiencias de laboratorio, mais nos deve parecer maravilhosa a extraordinaria importancia que hoje se revela ter em quase todos os ramos da actividade humana.
A electricidade nunca teria atingido este extraordinario desenvolvimento se a sua produção não fosse economica o que depende sobretudo do preço da força motriz que aciona o gerador. Esta póde ser hidraulica, vapor ou maquina de combustão interna (gaz e oleo). A força hidraulica ainda é restrita ás regiões ricas em hulha branca; do vapor beneficia principalmente a invenção da turbina, mas em grande parte das outras aplicações electricas o aperfeiçoamento das maquinas de combustão interna constituiram o maior elemento do progresso industrial.
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A historia das maquinas de gaz não é bem conhecida; alguns dizem que data de 1680, quando Huyghens se propunha utilizar a polvora para obter força motriz.
Em 1824 a «Mechanics Magazine» já descrevia uma maquina de gaz utilisada na elevação de 1350 litros a uma altura de 4,5 metros, gastando 0,028 metros cubicos de gaz, e em 1832 já na Inglaterra existiam 4 dessas maquinas. Mas até 1864 o progresso foi muito lento, pois a sua laboração era extremamente dispendiosa; não obstante existiam 300 a 400 dessas maquinas de potencias de ½ a 3 HP (Practical mech. Jounal Ag. 1865). Este periodo de longo lethargo foi devido aos sabios da epoca terem a erronia ideia que a economia da laboração seria melhorada se se obtivesse uma explosão vagarosa, porque a ideia então predominante era que a força transmitida ao embolo pela explosão era similhante a uma pancada forte – uma subida rapida de pressão seguida duma queda quase tão rapida. O francês Million foi o primeiro que viu claramente as vantagens resultantes da compressão.
Em 1867 Otto e Langen exibiram na Exposição de Paris a sua maquina que era em principio identica ás invenções anteriores de Barsanti e Mattenci, mas os detalhes foram completados e realisados eficazmente. Os alemães, tanto comercial como scientificamente, foram mais uma vez vencedores. Usou-se então a ignição por chama e foi grande a economia obtida, segundo o Prof. Tesca, obteve-se mais de meio cavalo efectivo gastando 1,232 metros cubicos por cavalo-hora. Isto é, metade do consumo das maquinas até ahi inventadas, mas embora durante um periodo de 10 anos a maquina Otto fosse a unica que era praticamente empregada, o seu sucesso não foi grande devido principalmente á ideia preconcebida causada pela sua estranha aparencia e ao grande barulho que fazia.
Em 1876 o Dr. Otto inventou uma nova maquina que é a que actualmente é conhecida pelo seu nome em todo o mundo. A economia dessa maquina, muito maior do que qualquer outra, obtinha 1 H.P. E, com um consumo de 0,57 a 0,80 metros cubicos por hora. A maquina era de compressão, trabalhando ao sistema do ciclo de Beau de Rochas e de ignição por chama. Esta foi a invenção que estabeleceu as maquinas de gaz sobre uma firme base comercial e que faz do dr. Otto o pioneiro deste ramo de industria.
Daimler de Wurtemberg criou as pequenas maquinas de gazolina em 1883, que faz com que a locomoção mecanica nos automoveis, aeroplanos e dirigiveis fosse uma possibilidade num periodo maravilhosamente curto. Em 1886 apareceu a primeira motocicleta e em 87 o primeiro carro e barco automovel.
Depois da invenção de Daimler, Prestman expoz uma maquina de 6 HP utilisando oleo ordinario de candieiros na «Windsor Meeting» em 1888 obtendo um premio.
A utilisação mais notavel deste sistema é a maquina Diesel na qual o ar sem outra mistura é comprimido no cilindro da maquina a uma pressão tal que a sua temperatura é superior ao ponto de ignição do oleo. Quando o ar está nessa pressão e temperatura o oleo é injectado por efeito de outra porção d’ar comprimido a pressão superior. O oleo na entrada inflama-se e assim é originada a força motriz. Diesel produziu a sua primeira maquina em 1895 e o vasto numero que existe actualmente no mercado atesta o seu valor.
Mr. J. Emerson Downson fez em 1889 uma conferencia na «British Association» sobre uma instalação produtora de gaz de pressão, consistindo dum gazogeneo para antracite, uma caldeira para vapor, um arrefecedor, um limpador e um gazometro. Esta invenção produziu um grande incremento na industria manufactora de maquinas de gaz, porque o gaz assim obtido saia a um preço muito inferior ao do gaz de iluminação. Em 1894 M. Bernier, tentou transformar o sistema de pressão por aspiração que difere de primeiro na omissão da caldeira e gazometro, sendo a maquina própria que aspira o gaz e vapor necessario para a sua laboração. Este sistema foi depois aperfeiçoado por Downson e outros e veiu dar o sucesso actual que as maquinas de gaz gosam, obtendo-se em muitos caso um gasto de combustivel de 2 rs. por cavalo-hora: o sistema de pressão não está todavia obsoleto, devido ás invenções de Crossley e Monde, pelas quais se utilisa carvão bituminoso como combustivel, sendo em muitos casos ainda mais economicas do que as de sucção. Ainda ha bem poucos anos, 1910, se fez em Portugal, na Mina de S. Domingos, uma instalação deste genero do sistema Wilson de 800/900 H.P., existindo uma outra instalação de 300 H.P.
Actualmente o mercado das maquinas de gaz de pequena potencia é monopolisado pelo sistema Otto (4 cyclos) e de grande potencia pelo sistema Clerk (2 cyclos).
A potencia motora tem aumentado enormemente; em 1878 a maior maquina era de 3 H.P., em 98 de 200 H.P. e actualmente constroem-se maquinas de 2.000 H.P. e mais.
Hoje ha no mundo mais de 3.000.000 H.P. em maquinas de gaz, das quais cerca dum milhão são de grande potencia (Mathot).
Luiz Maravilhas.