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Texto da entrada (ID.2230)

A vida e a saude

Ha pouco, dizia-nos um eminente medico estrangeiro, a proposito da senilidade prematura que se nota em muitos individuos relativamente novos, comparada com a robustês [sic] de certos homens de idade já bastante avançada:

«- Uma das materias que, de preferencia, deviam ser ensinadas ás crianças dos dois sexos nas escolas primarias, é, a meu juizo, a higiene pratica. Muito mais util seria que lhes ensinassem isto de que as obrigassem a estudar coisas que, ou se aprendem no curso da vida, ou não entram no espirito infantil senão superficialmente, para serem esquecidas muito em breve.

«Sobre a higiene devia insistir-se, não para que cada um se habilitasse com um curso de medicina, mas para que todos soubessem a importancia que tem para a conservação da vida e da saude a observancia dos preceitos higienicos.

«O segredo da longevidade e da conservação da saude do corpo de que dependem a força do espirito para as grandes empresas e para todos os progressos, e a alegria de viver, não é outro que a aplicação das regras de higiene.

O corpo humano não é mais que uma maquina que dura mais ou menos segundo o uso que se lhe dá. Se a tratarem bem, durará em bom estado e funcionando perfeitamente, até que a acção do tempo a gaste. Se a tratarem mal, pronto funcionará irregularmente e durará pouco.

«Eis porque vemos velhos moços e moços velhos».

Tem muita razão o medico a que nos referimos: o corpo humano é realmente uma maquina, que se necessita tratar com todos os cuidados para evitar que se deteriore prematuramente alguma peça essencial que, não podendo substituir-se implique o aniquilamento do conjunto.

E poucas são as pessoas entre nós, se exceptuarmos as que possuem uma cultura superior, que saibam cuidar esta maquina para obter a sua perfeita conservação. O que se chama a higiene popular, ao alcance de todos, é coisa que está por assim dizer na sua infancia em Portugal. E como as condições da vida moderna exigem cada vez maiores cuidados com a saude, vamos preparando assim, inconscientemente, a decadencia duma raça que foi vigorosa e forte, em sucessivas gerações de invalidos, velhos precoces e valetudinarios.

* * *

Está scientificamente e praticamente demonstrado que o delicado instrumento que é o organismo humano exige um regimen, uma disciplina rigorosa, para que se mantenha em equilibrio. Não se alteram impunemente as regras que impõem as necessidades fisiologicas. As funções do organismo hão de realisar-se com a maxima regularidade para que a saude não se perturbe.

A natureza não cede aos nossos caprichos: pelo contrario, nós é que temos que submeter-nos aos seus ditamens.

O organismo é bastante docil para aceitar o regimen que se lhe imponha, com tanto que seja «um regimen; isto é, que as normas desse regimen sejam observadas regularmente e estejam em harmonia com as imperiosas necessidades fisiologicas. Mas o corpo humano não suporta a irregularidade duma vida arbitraria e levada ao acaso.

Não falando já da limpeza, que é coisas elementar, – apezar do que ha muitos que a descuidam, até entre classes que tinham obrigação de a cuidar com esmero, – todas as funções do corpo necessitam subordinar-se a uma disciplina meticulosa: horas de repouso, horas de tomar as refeições, qualidade e quantidade dos alimentos, abstenção de bebidas alcoolicas e de todos os excessos, etc., etc.

Um regime higienico não impõe, como muitos supõem e a ignorancia se empenha em propalar, nem sacrificios nem trabalhos. Não é exacto, igualmente, que só os ricos possam segui-lo e adopta-lo como objecto de luxo. Cada um póde usa-lo na medida dos seus meios pecuniarios e das suas ocupações.

Os individuos que levam uma vida desregrada não gozam mais de que os que se entregam a uma existencia metodica e pautada pelas regras higiénicas. Ao contrario, os primeiros prontamente se saciam dos prazeres insanos que procuram, como acontece a todos os viciosos. A saude começa n’eles a ser precaria, e com a saude vai-se a alegria de viver e entra no espirito uma grande inquietação. Antes dos quarenta anos esses homens vêem-se a um espelho e reconhecem com horror que estão velhos e gastos. Ao sentirem-se enfermos, com as forças quebrantadas, pensam, com razão, que gastaram loucamente a mocidade; que não gozaram nem se divertiram. Emfim [sic], são uns farrapos humanos!

Os metodicos sentem-se sempre cheios de energia e de saude, e, como se sabe, esta constitue a eterna alegria de viver. Não sentem essas inquietações nem essas tristezas que assaltam constantemente os viciosos; conservam sempre a satisfação e o bom humor, mesmo em presença das maiores contrariedades. Mens sana in corpore sano, – dizia Juvenal, que tanto prégou contra os vicios de Roma.

Imaginemos dois homens possuidores de meios de fortuna exactamente iguais.

O primeiro dissipou em dois ou tres anos o seu patrimonio, em estupidas aventuras e extravagantes rasgos, e por fim caiu na miseria. O segundo administrou bem os seus haveres, viajou, gosou a vida e deixou a sua fortuna intacta, se não aumentada.

Qual dos dois se divertiu mais?…

Quem gosou mais inteligente a vida?

Neste ponto a resposta não póde ser duvidosa.

E se assim é para os haveres materiais muito mais o será para a saude que é a melhor fortuna que póde possuir um homem. Vejam quamtos ricos, quantos milionarios enfermos não dariam até ao ultimo rial que possuem por recuperar a saude!

* * *

Se a higiene fosse ensinada nas escolas e todos se habituassem a reconhecer a sua importancia desde a infancia, muito maior seria o numero de metodicos e então diminuiria a coluna da mortalidade e subiria a dos homens validos e sadios.

Parece-nos que esta é uma questão nacional de primeira magnitude.

Entre nós quase se desconhece a higiene e as mulheres vão ao matrimonio com a maior ignorancia dos seus preceitos, o que é muito grave sob todos os pontos de vista por que o encaremos, visto o papel que uma mãe de familia representa num lar.

E nós, que tanto copiamos do estrangeiro, ás vezes sem criterio e até sem espirito de adaptação, imitando servilmente coisas que não florescem no nosso meio por não se ajustarem á psicologia do povo portugues, temos descurado este assunto importantissimo de cultura e civilisação.

Só as classes superiores em Portugal conhecem fundamentalmente os benefícios da higiene e, quando muito, começam a vislumbrá-los as classes medias. O povo ignora-os completamente e até os toma por chacota!

Entretanto na Europa teem-se vulgarizado prodigiosamente as praticas higienicas, nas fabricas e nos meios operarios.

Todos conhecem praticamente os principais preceitos que se devem observar para conservar a saude e prolongar a vida, e para avaliar da importancia deste movimento bastará ver como nos paizes que caminham á frente da civilisação, diminue a mortalidade das crianças; como se reduzem as enfermidades infecciosas; como se regeneram as raças. As estatisticas neste ponto falam bastante alto para que as escutemos e tiremos delas a lição que encerram.

Em 1850, a média da existencia humana, tomando em conjunto todos os Estados europeus, era de 37 anos. Em 1900 essa media alcançava 46 anos, o que representa um aumento de nove anos em meio seculo.

Nestes quatorze anos e tanto que conta o seculo XX muitos e muito notaveis progressos tem feito a higiene e ha regiões d’onde desapareceram completamente certas endemias que davam em forte contingente para a mortalidade.

Não sabemos quais as cifras que nos dão as actuais estatisticas a respeito da media da vida humana, mas presumimos que já neste curto periodo de menos de tres lustros se terá elevado em proporções consideraveis.

Bastam estes dados para que se avalie a importancia que encerra esta questão da higiene, que a muitos parece extravagante bagatela.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "A vida e a saude" in Diário de Notícias de 2 de Abril de 1915, nº. 17742, p. 4 (c. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2230.



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