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Henri Fabre

Morre o grande entomologista francês

Paris, 11 – Dizem de Orange que faleceu o celebre entomologista Henri Fabre – (Correspondente)

Aquele a que Darwin chamava o «observador inimitavel» e a quem Rostand concedia o titulo de «Virgilio dos insectos» acaba de morrer. Assim perdem a França e o mundo um sabio notavel e um escritor prodigioso, de estilo leve, vivo, pitoresco e colorido.

A França orgulha-se com razão, do auctor veneravel que passou a vida longa a observar a vida dos insectos, com um afinco de grande sabio, para contá-la com carinho dum grande poeta.

Os homens de Estado iam ao seu retiro de Serignan prestar-lhe a sua homenagem de admiração; os homens de letras dedicavam-lhe palavras de louvor enternecido; e os seus livros sobre a vida humilde dos insectos, os seus costumes e a sua psicologia estão impressos em edições artisticas, destinadas a presentes de anos e de noivado – o que é a suprema homenagem dos editores aos autores que bem merecem da estima publica.

O dr. C. V. Legros, um dos discípulos do mestre entomologista, achou que já era tempo de contar, num volume, a vida daquele que dedicou tantos volumes a contar a vida dos insectos. O livro do dr. Legros, não ha muito publicado em Paris, foi depois editado numa tradução inglesa. «Fabre, Poet of Science».

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Henrique Fabre contava quase 92 anos de idade e, se não fossem a fraqueza da sua vista e a debilidade geral do corpo, ele trabalharia ainda tanto como nos anos de mocidade.

Esse Poeta da Sciencia é, como Mistral, seu amigo, da Provença radiosa e cantante.

De origem humilde, é um do grupo – de que ele é o autor de «Mireille» são os luminares – que teem dado tamanho lustre, em nossos dias, á terra provençal. As suas fotografias mostram uma face franca de camponez, em que se estampam as rugas da meditação e do trabalho, olhos de uma acuidade extraordinaria, toda uma fisionomia em que se casam a força e a amargura.

É que a sua vida não foi facil, embaraçada pela pobreza até adiantada velhice. Mas o seu entusiasmo pelo estudo da vida dos insectos era nele bem uma vocação, naquele sentido a que se refere Renan: uma coisa que se traz do berço e a que não é possivel resistir na vida. E a sua capacidade de trabalho era tremenda.

Sem pensar na riqueza, ou sequer na fama, deixou-se ficar todo entregue ao trabalho humilde e paciente das suas investigações no estranho e obscuro reino dos insectos. A pobreza, porém, ali estava, ao lado da sua vida, ás cavaleiras da sua vocação. Foi, então, obrigado a aceitar uma cadeira de professor na Universidade de Avignon, bem mal remunerada, e a dedicar horas precisas dos seus estudos a ensinar meninos e escrever livros didacticos. Mesmo com esse recurso, foi com dificuldade que ele se pôde manter e á sua familia, durante muitos anos. Sem falar que as suas investigações entomologicas tiveram de ser sacrificadas durante muito tempo, não dispunha senão de dois dias na semana para entrar no reino encantado dos seus insectos.

Um dia, Pasteur foi visitá-lo, impresionando-se, naturalmente, com a pobreza do seu lar. O eminente fundador da medicina moderna interessou-se mito pelos trabalhos de entomologia do pobre professor. Perguntou-lhe uma porção de coisas sobre a vida dos bichos de seda, etc. No intuito de ganhar algum dinheiro, com que se libertar de preocupações financeiras, Henri Fabre estudou e melhorou os processos de preparação de certas tinturas: mas outros se aproveitaram das suas descobertas e ficaram com o premio delas. Henri Fabre continuou ainda mais pobre do que dantes.

Felizmente, Victor Duray, ministro da instrução publica no segundo imperio, teve noticia, ao mesmo tempo, dos trabalhos notaveis e da notavel pobreza, em meio dos quais se escoava a vida obscura e preciosa do professor da Universidade de Avignon. Começou por distingui-lo com a legião de Honra, e um dia apresentou-o ao imperador Napoleão III, nas Tulherias. O convivio da corte, porém, só o aborreceu e infelicitou. Ele tinha saudades do seu modesto laboratorio e daqueles insectos, cuja vida era toda a sua propria vida.

Com a queda de Duruy, Henri Fabre começou a ser hostilizado pelo elemento clerical, que o acusava de pouca ortodoxia no seu ensino. As donas da sua casa, solteironas beatas, intimaram-no a mudar-se. Ele aproveitou a oportunidade para abandonar o professorado e sair de Avignon, indo então instalar-se no modesto retiro de Serignan, hoje famoso pelo mundo inteiro, verdadeiro sitio de peregrinação, a que acorrem sabios, poetas, estadistas, simples leigos de todo o mundo.

Os meios de subsistencia continuavam a faltar-lhe mais do que nunca; mas J. Stuart Mill, o grande economista e filosofo inglês que veiu a morrer em Avignon e foi um dos melhores amigos de Henri Fabre, emprestou-lhe, sem condições, 2.500 francos, que Fabre pagou mais tarde, conservando inapagavel gratidão a Stuart Mill. Com o tempo, os seus livros didactos tornaram-se mais populares e deram-lhe um bom rendimento, que lhe permitiu voltar mais despreocupadamente e com mais solicitude aos seus estudos.

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Em 1878 deu inicio á sua grande obra, os «Souvenirs entomologiques», mixto harmonioso de penetração e fantasia poetica e de acurada investigação scientifica da vida dos insectos. Evidentemente, o titulo familiar e despretencioso do livro não basta para sugerir o mundo de erudição e de poesia que as suas paginas encerram.

Os seus processos de investigação, aclarados pela chama animadora do seu génio imaginativo, permitiram a Henri Fabre penetrar centenas de recônditos nos cosmos, para nós obscuro, em que se desenrola a vida dos insectos. Os seus estudos encerram observações , ao mesmo tempo belas e terrificas. Espirito fundamentalmente religioso, embora em dogmatismo, ele viu-se estupefacto diante das tragédias e excessos, que lhe revelaram as comunidades liliputianas dos insectos. Há historias fantasticas de crueldade, de hipocrisia, de libidinagem, de horror grotesco – como não nos registam os anais da vida humana. E as descrições da beleza da forma e da cor dos insectos são do mais puro gosto literario.

Esse livro monumental dá-nos uma nitida visão da vida mistica de outra creação, ao mesmo tempo que mostra o grande abismo aberto entre a nossa inteligencia e essa outra coisa parecida que dirige as actividades dos insectos. Mal se sabia afinal, que conclusão tirar do acumulo de observações feitas pelo entomologista de Sérignan sobre o problema do «testonoto».

Com esse trabalho de execução inimitavelmente delicado e dextro, a crisalida tece um casulo de seda, dentro do qual, a coberto dos inimigos exteriores, ela póde passar os meses de incubação e transformação que precedem a sua renascença sob a forma de um novo elemento. Se, entretanto, um rasgão artificial se produz no seu inacabado lar de inverno, a tecelã pouco se importará com remendá-lo. Terminado o trabalho da rotina, deitar-se-á tranquilamente, á espera da vida nova, num leito que, já agora é certo será o leito da sua morte. É que lhe falta capacidade para reflectir e modificar o habito funcional, a fim de reparar o incidente inesperado.

Por outro lado, parece haver uma certa capacidade de descriminação nesses insectos que revelam afinidade electiva com certas plantas. Na percepção de poderes tão depressa adquiridos, como perdidos, por certos insectos, Henri Fabre procurou descobrir manifestações em desacordo com a doutrina da evolução.

Até poucos anos atraz, o solitario e infatigavel trabalhador continuava desconhecido, a não ser por especialistas scientificos e um pequeno grupo de homens de letras. Os seus livros didácticos haviam passado da voga e ele estava á beira da miseria. Um dia escreveu a Mistral, pedindo-lhe que o ajudasse a vender a sua preciosa colecção de aguarelas de fungoides. O grande poeta, de coração largo como o estro, fez mais do que isso. Obteve para o sabio naturalista duas pequenas pensões. E os seus discípulos, entre os quais o dr. Legros, organizaram festas para celebrar o seu jubileu.

Desde esse dia do jubileu, há uns quatro anos, apenas, o nome e a obra de Henro Fabre, o solitario de Sérignan, tornaram-se conhecidos e famosos pelo mundo inteiro.

De toda a parte lhe chegavam as mais simpaticas manifestações de admiração. Era como se os seus admiradores quizessem todos ao mesmo tempo coroar a alvejante cabeça do veneravel poeta dos insectos e iluminar com um brilhante raio o crepusculo duma vida tão nobrememnte preenchida.

O sr. Poincaré, pouco depois de se encontrar na Presidencia da Republica, foi visitá-lo a Sérignan e saudou-o como um grande mestre.

- Ao estudo dos seres mais humildes, declarava o chefe de Estado ao veneravel homenageado, dedicastes uma atenção tão apaixonada, uma penetração tão ardente, que em cada pagina da vossa obra temos a sensação de nos inclinar sobre o infinito.

Em meados de 1913, um grupo de homens eminentes constituiu-se em comissão para lhe erigir uma estatua no pateo da escola normal de Avinhão. O cinzel do escultor Felix Charpentier fixou notavelmente a sua original fisionomia, de faces emagrecidas, cortadas por rugas profundas e a fronte vasta assombreada por largo chapeu mole provençal.

Em principios de Agosto daquele mesmo ano o sr. José Thierry, ministro das Obras Publicas, foi saudá-lo oficialmente no seu retiro, e alguns meses depois falou-se na eleição de Fabre para a Academia das Sciencias.

No começo do ano passado, uma comissão de que faziam parte homens como Louis Barthou, Auguste Lacour, Frederic Mitral, Edmond Rostand, Jean Richepin, Charles Roux, Victor Legros, Fromentin e outros, propoz-se adquirir a propriedade de Serignan, onde o entomologista passara cincoenta anos duma vida admiravel, para a transformarem num santuario. Assim, se procurava que ficassem intactos, por muito tempo ainda, o gabnete de trabalho e a biblioteca onde se alinham os quarenta e oito volumes contendo o herbario reunido pelo entomologista no seus passeios quotidianos.

A vida de Henri Fabre fenece no silencio e na solidão que apenas foi perturbada por tardias homenagens. Deixa na sua obra a revelação dum mundo novo. A historia da sua vida é a historia dum drama obscuramente doloroso, terminado com a triunfal apoteose dum genio.

[NOTA - A notícia contém uma fotografia do cientista]


Referência bibliográfica

[n.d.] - "Henri Fabre" in Diário de Notícias de 13 de Outubro de 1915, nº. 17935, p. 1 (c. 5-6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2282.



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