Quem inventou a polvora
O importante jornal parisiense «Le Temps» abriu nas suas colunas um inquerito acerca do homem que inventou a polvora, para demonstrar que não foi um alemão o autor do prodigioso descobrimento.
Neste curioso debate interveio o ilustre politico e academico M. Gabriel Hanoteaux com uma carta deveras interessante em que transcreve a opinião dum escritor do seculo XVII, autor duma obra que foi editada pelo famoso João Teodoro de Bry: tratado da artilharia e seu uso», publicada sob o nome de Diego Usano Velasco, capitão de artilharia no castelo de Antuerpia no ano de 1610.
Diz m. Hanotaux.
«Na sua dedicatoria ao muito alto e muito ilustre Mauricio Landgrave de Hesse, o autor diz. «se o começo e uso da polvora e da artilharia está tachado de alguma infamia por causa do inventor, considerado, não já como um monge que rebusca e prova os segredos da quimica, mas como o proprio diabo…»
«Depois de falar assim, como bom cristão, fala como historiador e cita os seus autores. «Sem embargo, há outros que são de diferente opinião e dizem que a invenção e o uso tanto da artilharia como da pólvora foram muito antigos no grande reino da China. O que se vê por um relato que o reverendo padre frei André de Aguirre, provincial da Ordem de santo Agostinho nas ilhas Filipinas enviou ao irmão Pedro de Roxas, filho do marquês de Poza, seu intimo amigo, contando-lhe circunstanciadamente as maravilhas e coisas notaveis do dito reino da China.
«Diz que no ano de 58 de Nosso Senhor esta invenção teve o seu começo ali e que em algumas provincias maritimas do reino se encontram ainda hoje algumas peças de artilharia antiquissimas, de ferro ou cobre, com a data da sua fundição gravada, assim como o nome e as armas do rei Vitey, que foi o inventor.
«E sabe-se por monumentos e dados históricos, antigos e verdadeiros que o dito rei, grande nigromantico e encantador, depois de haver conjurado, por meio dos seus encantamentos o espirito maligno para que o ensinasse a usar aquelas armas, foi o primeiro que as empregou contra os tartaros no reino de Pegú e na conquista das Indias orientais.
«O mesmo contam alguns portugueses que navegaram e costearam aquelas terras, conhecidas tambem do padre Herrada e seus companheiros. E isto está de perfeito acordo com uma carta do capitão Artrida ao Rei Nosso Senhor (trata-se do rei de Espanha); referindo-lhe minuciosamente todas as particularidades deste grande reino e dizendo-lhe que em todas as suas terras se usam as mesmas armas e a artilharia como a Europa e que as fundições são de melhores materiais que as europeias e muito mais fortes e mais duradouras e que em cada cidade ha um arsenal onde, entre outras coisas, se prepara a pólvora e se funde a artilharia.»
«O autor explica-nos em seguida que a grande muralha da China foi construida por aquela época e que as ordens imperiais impediam que algum as atravessasse, tanto de dentro para fóra como de fóra para dentro. Como este mandato se observa ainda hoje em dia em todo o seu rigor, deve supor-se que esta seja a causa de que até agora não se haja ouvido nem visto a artilharia, nem no reino do Sofi da Persia, que está tão proximo da China, nem em nenhum outro lugar visinho, e muito menos na Asia, Africa e Europa. E é coisa muito certa que nem no Sofi nem em nenhuma outra nação houve nada disto até ao ano de 1330, no qual, como se disse, um monge, curioso de procurar os efeitos da Natureza por meio da alquimia, o descobriu.»
Depois de fazer estas transcrições, M. Hanotaux acrescenta.
«Não é esta prova suficiente e não é curioso que um subdito do Sacro Romano Imperio, protegido do Landgrave de Hesse, despoje a Alemanha do descobrimento que pretendia haver feito?
«Alguns outros capitulos deveriam ser lidos neste livro: dir-se-ia que estão escritos a proposito da guerra de trincheiras: «Como devem formar-se e carregar-se as balas de fogo»; «Como se fazem as bombas de fogo e as balas de mão»; «Como, encontrando-se sitiados em um lugar, se lançam as balas de fogo para iluminar o campo»; «Como se pode deitar o fogo em qualquer sitio ou lançá-lo s obre o inimigo assaltante». Os nossos artilheiros descobririam ali os seus morteiros e todo um estudo sobre diferentes modelos de granadas, e talvez pudessem ser, mesmo para eles, de alguma utilidade os seus ensinamentos, visto que a guerra voltou agora aos metodos dos tempos passados.»
Destas afirmações do insigne academico francês e dos textos que ele exumou, duas coisas ressaltam muito interessantes: primeira, que mais uma vez se reconhece a verdade de Salomão ao dizer «Nil novi sab sole», e segunda, que nem o progresso nem a sciencia escapam á tendência regressiva que existe em tudo quanto é humano. E assim… tudo é novo quando está em moda!
Mas, voltando á polvora, vejamos o que a tal respeito diz o Larousse.
«Está hoje demonstrado que desde os primeiros seculos da era cristã os chineses conheciam a polvora nos seus efeitos mais simples, como os fogos de artificio, os foguetes, etc., mas não a empregavam para lançar projecteis. Aí por meados dos seculo VII foi empregada pelos gregos do baixo Imperio, sob a forma de foguetes incendiarios ou fogo grego. Só no seculo XVI se viu figurar a polvora na Europa como meio de destruição na mão dos ingleses (batalha de Crécy, 1346).
«Os nomes de Rogerio Bacon, de Alberto o Grande e do monge alemão Bertoldo Schwartz relacionam-se com a invenção, ou antes com a introdução da Europa, da polvora de canhão, mas sem que se saiba bem ao certo até que ponto cada um deles contribuiu para isso.»
A edição do Larousse de que copiamos textualmente estes periodos é a de 1890.