Trabalhando pela agricultura nacional
Um novo adubo: o «polyfosfato»
Reune todas as qualidades dos supersfosfatos e fica por um preço muito menos elevado
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Uma iniciativa da Companhia Industrial Portuguesa digna de todos os elogios
Prometera o sr dr. Marques da Costa, illustre presidente da Companhia Industrial Portuguesa, proprietaria da fabrica de Santa Iria e que, como dissémos, se impôs a patriotica tarefa de produzir em grande escala os adubos de que a nossa agricultura tanto necessita, elucidar-nos sobre as qualidades e processo de fabrico de novos adubos até hoje desconhecidos entre nós.
Movidos pela curiosidade e ao mesmo tempo por se tratar dum assunto que tanto interessa á economia nacional, porque concorrer para a valorização do solo, para intensificar a produção, é um serviço de alto valor, fomos hoje procurar o distinto medico e não menos considerado agricultor.
Recebidos com uma cativante gentileza, foi ele proprio quem veio ao encontro dos nossos desejos, dizendo: – Não esqueceu então a minha promessa?
- Não e vimos reclamar o seu cumprimento, se v. exª a isso está disposto.
- Porque não? Vou falar-lhe hoje principalmente dos polyfosfatos que em breve a Companhia Industrial Portuguesa vai apresentar aos nossos agricultores. Mas é preciso, antes disso que eles saibam bem do que se trata e por estar forma, assim, conversando nós e transmitindo-lhes o senhor o que vou dizer, ficarão eles elucidados.
Como sabe, na industria dos adubos ocupa o primeiro lugar o fabrico dos superfosfatos, cujo o enorme desenvolvimento na industria de todos os países essencialmente agricolas do certo conhece, não é verdade?
- É facto.
- O problema da utilização dos fosfatos naturais na agricultura, sem necessidade de recorrer ao seu tratamento previo e dispendioso pelo acido sulfurico, prendeu durante largo tempo a atenção dos tecnicos e, posto que estudado e resolvido teoricamente, não pôde, até ha poucos anos, ter applicação industrial, devido ao produto obtido não dar o resultado satisfatorio sob o ponto de vista economico.
- Quem foi que conseguiu resolver esse importante problema para a economia de todos os paises agricolas?
- O sabio professor italiano dr. Ermenegildo Stoppani, com a descoberta do seu novo produto «setrafosfato», já hoje usado largamente em Italia e em França e com resultados iguais, se não superiores aos obtidos pelo emprego dos superfosfatos. É um verdadeiro titulo de gloria para esse professor a descoberta que fez.
«E é desse novo produto destinado a substituir por completo o emprego dos superfosfatos e cuja patente a Companhia Industrial Portuguesa adquiriu para Portugal e Espanha, registando-o para os dois paises sob a designação de «Polyfosfato», que lhe vou falar, certo como estou que no seu emprego está o futuro da nossa agricultura.
«É interessante conhecer as circunstancias que influiram no animo de Stoppani para o induzir aos estudos que o deviam levar a descoberta do novo produto.
- Foram essas circunstancias?
- Eu lhe digo. No Outono de 1894 o dr. Stoppani viu-se obrigado a apressar a entrega de uma grande lote de superfosfatos, que por motivos vários tinha ficado muito humidos. Apertado não só pelo tempo, como pela impaciencia dos seus clientes, recorreu ao comodo expediente de secar o superfosfato com carbonato de cal em pó impalpavel. O superfosfato tornou-se d’uma secura inesperada, muito leve e dum tão magnifico aspecto que a clientela ficou imensamente satisfeita.
«Essa agradavel impressão não durou porém, mito tempo, pois que todas as analises a que os clientes do dr. Stoppani mandaram proceder dentro dos prazos fixados nos seus contratos foram desastrosas.
«O superfosfato assim obtido e que na data da entrega indicava mais de 12º lo de anidrido fosforico soluvel no citrato de amoniaco passados poucos dias não dava mas que 3ºlode anidrido soluvel.
«O carbonato de cal, juntado ao superfosfato, tinha exercido a sua acção, com o fenómeno de retrogradação quase completa, fazendo voltar o fosfato soluvel, quase na totalidade, no estado de fosfato tribasico insoluvel.
«Esse facto deu origem a protestos e pedidos de indemnização da parte dos agricultores, que não queriam reconhecer o titulo real, mas tão sómente o que lhes dava a analise.
- Protestos que eram em parte justificados, não é essa a opinião de v. ex.ª?
- Que o pareciam, sim, mas ouça o que sucedeu subsequentemente. Chegado o verão e com ele a epoca das colheitas, verificou-se que estas haviam sido satisfatorias sob todos os pontos de vista, verificando-se ainda que o superfosfato retrogrado ao estado de fosfato tribasico de cal tinha dado resultados analogos aos do superfosfato não modificado. Era o inicio da demolição dum grande principio, como diz o sabio professor.
«O tratamento que o superfosfato tinha experimentado em presença do calcareo não havia feito mais que avançar a transformação que ele sofre quando encorporado num terreno de composição normal o qual transforma o seu fosfato monobasico e bibasico em fosfato tribasico hidratado e poroso, que, como se reconhece e se admite já, se encontra e estado de ser facil e utilmente assimilado pelos vegetais e que não é já o mesmo fosfato tribasico que se encontra nas fosforites, antes de tratadas pelo acido sulfurico, ou, para melhor dizer, é verdadeiramente o mesmo considerado quimicamente, sendo porém as suas condições fisico-quimicas inteiramente diferentes.
«Estava, pois, aberto o caminho para um estudo importante que, se por um lado vinha atacar a base duma industria colossal como é dos superfosfatos, por outro lado vinha solucionar um problema economico e industrial da mais alta importancia.
«Sem ser preciso enumerar a serie de trabalhos e experiencias a que o dr. Stoppani se dedicou, desde 1894 até 1911, data em que terminou duma maneira positiva os seus estudos, dir-lhe-ei que foi só no Outono de 1914 que ele apresentou oficialmente o seu novo produto, o «Polyfosfato», o qual foi ensaiado não só em varias escolas oficiaes de agricultura, como ainda por muitos agricultores.
«E sómente em 1915, depois dos optimos resultados obtidos em variadas experiencias que o «Polyfosfato» é lançado no mercado pela Société Generale Italienne da Tetraphosphate, resultados por tal forma confirmados na sua aplicação em larga escala que já hoje sobe a vinte e cinco o numero de fabricas que em Italia essa Sociedade possue em intensa e plena laboração.
«Acabo de fazer a historia das razões que levaram Stoppani a empreender estudos que o deveriam levam a uma tão grande descoberta. É justo que o esclareça agora sobre o processo de fabrico, pelo qual se conseguiu a transformação da fosforite de fórma a obter-se o fosfato tribasico hidrotado e poroso, perfeitamente assimilavel pelas plantas, sem ter necessidade de recorrer ao produto industrial intermedio, o «Superfosfato».
«Esse processo consiste em calcinar as fosforites em fornos especiais e a temperaturas bastante elevadas, em mistura com outros produtos, entre os quais se contam os carbonatos alcalinos em proporções determinantes e fixas, hidratando a seguir, bruscamente essa mistura é saida dos fornos. Devo ainda esclarecer que os produtos empregados na mistura, ao mesmo tempo que, pela fórma como actuam, favorecer a desejada transformação das fosforites, impedem tambem a formação de eventual de silicatos e silico-fosfatos de cal, cuja presença seria prejudicial.
- Quais as vantagens que para a agricultura veem do emprego, ou antes d a substituição do superfosfato pelo Polyfosfato?
- É natural a pergunta e vou satisfazer a sua curiosidade. A primeira vantagem é que o preço do Polyfosfato é muito menos elevado que o do superfosfato, apesar da sua acção ser perfeitamente igual ao deste. Mas outras razões ha, e de peso, a favor do polyfosfato.
«Como naturalmente gabe, entre os defeitos apontados ao superfosfato pelos agricultores e descritos pelo professor G. Lotrionte na «Nouvelle Agriculture du Latium» n.º 83, de 16 de Julho de 1916, figuram: a) Excessiva acidez, muitas vezes nociva; b) Higroscopia e humidade excessivas, que provocam a formação facil de grumos, tornando-se frequentemente necessaria a crivagem e a trituração desses grumos endurecidos, donde uma perda sensivel de tempo; c) Acção corrosiva, pelo que ataca o tecido dos sacos, a ponto de os inutizar põe completo.
«São mais três qualidades negativas do superfosfato, juntando-as a diferença de preço, por si só bastariam a justificar o seu imediato emprego.
«Para nós, pelo industrialmente atrasado, com uma produção d’acido sulfurico mais que insuficiente para o fabrico do superfosfato necessario ao desenvolvimento da nossa agricultura. Polyfosfato vem preencher pelo menos uma falta até aqui impossivel de remediar, e em atais condições de preço que permite desde já ao lavrador intensificar ao maximo a sua cultura sem ver o produto do seu trabalho totalmente absorvido pela verba destinada ao pagamento dos adubos, que foi forçado a empregar.
- O lavrador portugues aceitará as razões que v. ex.ª acaba de me expôr e começará a empregar desde já o Plyfosfato?
- Afirmo-lhe com toda a confiança que assim o espero. Alguem poderá por hoje em ouvida os incalculaveis prejuizos sofridos pelo pais, em consequencia da aceitação pouco favoravel que tivera, os adubos quimicos nos primeiros anos que entre nós foram empregados? / “Haverá ai alguem que se levante a suscitar duvidas, quando são apresentados ao pais novos adubos que teem já larga aceitação no estrangeiro e quando as suas qualidades estão perfeitamente demonstradas em paises como a Italia, cuja lavoura sob o ponto de vista do aperfeiçoamento, póde servir de modelo aos outros povos?
- A rotina, v. ex.ª sabe!... - dissémos nós.
- Sim, a desgraçada rotina do nossoa povoa, eu conheço-a. Ela vai tão longe que ainda hoje a nossa legislação agricola mostra estar convencida de que os elementos fertilizantes e especialmente os fosfatos só podem ser absorvidos e assimilados pelas plantas no seu estado soluvel em agua, concepção esta que é perfeitamente erronea.
Mas, que quer? As dificuldades da hora presente, a convição que deve apoderar-se de todos nós de que é preciso trabalhar e produzir e de que só com um grande esforço e com uma grande fé no futuro da nossa Patria nos poderemos salvar, vai imperar de certo no espirito dos nossos agricultores para que, animados da mesma fé que nos levou a abalançar-nos a uma empresa de tamanho vulto no actual momento, recebam de braços abertos os produtos que, conscienciosamente e honestamente, animados do mais puro sentimento patriotico, lhes vimos trazer, para com o nosso pequeno esforço ajudaremos a salvar o Pais.
«Podia ainda falar-lhe doutros novos adubos, como os biofosfatos, assim como dos varios produtos quimicos que fabricamos, secção em que temos conseguido fazer progressos, pois já produzimos alguns que até aqui eram importados, mas não quero massa-lo mais.
- É para nós um verdadeiro prazer estar a ouvi-lo. De mais, trata-se de um empreendimento verdadeiramente patriotico e bem merece a Companhia Industrial Portuguesa da Agricultura Nacional, que apraz-nos crêl-o não lhe regateará o seu louvor e o seu apoio.
- Obrigado pela sua predição e tenho a esperança de que ela se confirmará. Daqui a algum tempo peço-lhe o favor de me procurar, pois que espero poder-lhe já então confirmar os resultados que estou certo vamos obter. E nessa ocasião dar-lhe-ei mais alguns esclarecimentos.
A entrevista terminara. O sr. dr. Marques da Costa despediu-se de nós com um cordeal aperto de mão. No seu rosto lia-se a fé inabalavel daquele que, tendo produzido uma obra til, tem a certeza de que ela será devidamente apreciada.