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Texto da entrada (ID.2298)

O problema português

O ensino técnico

Á brilhante conferencia do sr. dr. Azevedo Neves assistem centenas de pessoas

Mas uma vez o esplendido e vasto salão da Academia de Sciencias se encheu literalmente de uma assistência de «élite», em que figuravam homens de letras, artistas, professores e alunos das escolas de ensino superior e especial, industriais, comerciantes e muitas senhoras.

Ás 21 e 30, o professor jubilado, dr. José Joaquim da Silva Amado, residente da Academia de sciencias, assumiu o seu lugar na mesa, ladeado, á direita, pelo sr. Cristovam Aires e, á esquerda, pelo nosso presado director.

O sr. dr. Augusto de Castro, num rapido preambulo, manifestou o seu jubilo, como director do Diario de Noticias, pelo exito que teem tido as conferencias sobre «O Problema Português» e agradeceu ao distinto auditorio a honra da sua presença.

O conferente de hoje, prosseguiu, vai versar um dos problemas mais graves da vida portuguesa – «o ensino técnico».

O sr. dr. Azevedo Neves, além de ser um ilustre homem da sciencia, revelou-se um talentoso estadista nos poucos meses em que sobraçou a pasta do comercio. Sobejam-lhe qualidades para o versar com mestria.

O professor sr. Dr. Azevedo Neves, vestindo, a rigor, casaca e ostentando o seu colar de academico, foi recebido na tribuna com uma prolongada salva de palmas.

Desejariamos arquivar integralmente nas colunas do Diario de Noticias a primorosa exposição do notável homem de sciencia, mas a falta e espaço, criada pelas circunstancias de momento, inibem-nos de o fazer. O extracto, que abaixo reproduzimos, não é nem um vislumbre do que foi a conferencia do ilustre director do Instituto de Medicina Legal de Lisboa.

A CONFERENCIA

O problema mundial é o problema do trabalho

O orador inicia a sua brilhante conferencia, que constitue a explanação das vantagens e do alcance do admiravel decreto da sua autoria sobre a reorganização do ensino tecnico em Portugal, referindo-se á encapelada onda de convulsão social que, levantando-se sobre o mundo inteiro, ameaça subverter-se as velhas doutrinas para se construir uma sociedade nova.

Dessa onda, alguma coisa ficará que sómente será util e proveitosa para o bem comum, se do lado das forças organizadas houver a compreensão nitida das tendências igualitárias da moderna sociedade, democráticas e progressiva.

O problema mundial é na essência o problema do trabalho, cuja organização, porém, é extremamente complexa, prendendo-se com as questões financeira, economica, politica, de instrução e de educação.

«O problema português, diz, complexo e variado e estreitamente unido ao problema mundial, constitue objecto duma serie de conferencias organizadas pela iniciativa fecunda do Diario de Noticias, que encarregou as melhores e mais altas competencias do nosso pais de definirem as suas varias modalidades. Bem haja a ilustre direcção no Diario de Noticias pela sua ideia, que não deixará de exercer influencia sobre o meio português.

«O Diario de Noticias, distinguiu-me e honrou-me convidando-me para fazer uma dessas conferencias. Falta-me a competências, tanto mais que sendo professor universitario deverei falar sobre o ensino técnico, que é fundamentalmente diverso, mas sobra-se a vontade de contribuir para a propaganda do ensino tecnico, que é, segundo julgo, absolutamente indispensavel para o progresso economico do pais e representa um dos elementos essencias para a resolução do problema do trabalho a que ha pouco aludi.»

A organização do ensino técnico

Em seguida, o sr dr. Azevedo Neves, afirmando que o problema do ensino industrial e comercial e uma questão vital para o pais, demonstra como é inadiavel a organização do ensino técnico, que é uma das garantias mais solidas da resolução do problema economico e mesmo do social.

- Devemos organizar o ensino tecnico, exclama, mas com professor e mestres que sejam verdadeiramente tecnicos e que será preciso ir buscar onde se encontrarem. A industria sente a falta de operarios, de mestres e de engenheiros e a classe comercial remedeia-se como pode e não como deve de ser.

A proposito cita a importancia que lá fóra se dá ao ensino tecnico atribuindo todo o progresso economico da Alemanha e Estados Unidos ao ensino comercia e industrial, «essencial para a prosperidade da nação», conforme reza a lei de 23 de Fevereiro de 1917, deste ultimo pais.

Depois de se referir a cifras que provam que todo o dinheiro que se despende com o ensino tecnico é capital que rende um lucro fabuloso, lamenta tambem a falta de iniciativa particular, tão abundante lá fóra, e que obriga os governos portugueses a pensarem em tudo: iniciativa, propaganda e execução. Filia esta triste realidade na falta necessaria educação para os grandes rasgos que se encontram a cada passo na America e na Inglaterra, onde a iniciativa e a propaganda particulares precedem sempre a acção do governo, que assim encontra o campo devidamente preparado.

Seguindo a sua interessante exposição, o ilustre professor, notando que o ensino tecnico é muito especial pela sua natureza, pelo seu metodo e pelas classes a que se destina, faz em resumo a sua comparação com os outros ensinos patenteando como aquele se ocupa somente do facto concreto, da resolução imediata e pratica.

Na industria e no comercio dominam a utilidade, a realização e a economia, isto é, rendimento.

O decreto sobre a reorganização do ensino técnico

Refere se nesta altura á organização do ensino industrial e comercial, decretada em 1 de Dezembro de 1918 pelo sr. dr. Sidonio Pais, a que chama um diploma destinado a constituir o esqueleto em torno do qual se constituiram os diferentes institutos, escolas e todos os elementos de ensino.

Justifica a separação do ensino comercial e industrial, defendendo a ideia dos cursos de aperfeiçoamento, de curta duração, tendo pôr fim por patrões e empregados aos corrente do progresso da sua especialidade. E expõe tambem a necessidade do governo se por em contacto com as escolas e associações. Ouvindo tambem todos os combatentes e o autorizado parecer do Conselho Superior do Ensino Comercial e Industrial, ao mesmo tempo fazendo a maior propaganda a favor da interferencia das classes industriais e comercias, de empregados e operarios no desenvolvimento das classes elementares, que é mister criar em grande numero, disseminando-as largamente por todo o pais, para que um ensino medio e superior bons, como podemos ter, não se reduza a um ensino elementar reduzido e pouco pratico, o que equivaleria a um inutil exercito com optimos chefes, mas sem soldados.

Enumera as seguintes condições para que o ensino tecnico seja verdadeiramente util e proveitoso, entrando, depois, na brilhante demonstração de que a organização do ensino tecnico contém os principios mais democraticos das modernas sociedades.

A fixação dos alunos á escola

Iniciando como que um novo capitulo, passa a referir-se a uma das maiores dificuldades com que luta o ensino tecnico em todos os paises, que consiste na fixação dos alunos á escola.

Para eliminar uma das causas a deserção á escola é preciso recrutar cautelosamente os professores, porque sómente servem os professores que possam a par da capacidade artistica ou industrial a capacidade pedagogica.

Continuando a analise do decreto, o ilustre orador cita ainda os meios de reter os bons alunos e aqueles que a necessidade de ganhar a vida obriga a abandonar o curso. O decreto tudo prêve e tudo procura remediar.

Nesta altura, relata as vantagens do ensino escolar sobre o das oficinas, entendendo, no emtanto, que nas escolas se podem e devem receber encomendas de produtos, para que os alunos, aos quis se imporá como Lena fundamental «fazer bem», se habituem ás exigencias da verdadeira industria e anuncia a utilidade da criação das escolas junto das oficinas, expondo, depois, a forma como o decreto prevê tambem a educação profissional da mulher.

Um outro ponto de cabal importancia o da estipulação dos salarios dos mestres, merece tambem, ao sr. dr. Azevedo Neves uma citação especial, assim como, o seu recrutamento, que se lhe afigura um problema extremamente dificil.

Em linhas muito gerais mas nitidas e precisas, passa em seguida a explicar a auditorio como foi organizado o ensino industrial e comercial pelo decreto de 1 de Dezembro de 1918, contando somente com as possibilidades que esse decreto permite.

E alonga-se na interessante descrição das escolas «de artes e ofícios», designação geral destinada a abranger o conjunto das escolas elementares, cada uma das quais tem a sua feição particular e um nome em harmonia com a profissão a que se destina, enumerando as escolas que julga de mais urgente criação.

O papel das escolas industrais

Entra o ilustre conferente num novo capitulo do seu admiravel trabalho que detem a atenção dos numerosíssimo auditorio. Trata agora das escolas industriais que se destinam á preparação de aprendizes e de operários modernos, isto é, o individuo que possue uma educação elementar geral e uma educação manual suficiente.

Nas escolas industriais ha cursos de aperfeiçoamento consagrado aos operários que pretendem instruir-se ou aperfeiçoar-se na sua arte ou oficio. Os cursos para a formação dos operarios são cursos regulares, constituidos segundo um programa sistematico.

E, a seguir, com uma lucidez que encanta, o sr. dr. Azevedo Neves explica o que entende deva ser o ensino professado nessas escolas, absolutamente pratico fazendo-se nas oficinas dotadas de todos os elementos que se encontram nas melhores das industria particular. Aplicando o que se ensinou na mesa de desenho ou no laboratorio de experiencia.

Todas as escolas industriais teem uma parte comum, a que diz respeito á educação geral do operario, e uma parte diferindo de escola para escola e cuja natureza varia segundo as necessidades da industria da localidade ode se criar a escola.

E continuando a explicar o decreto da sua autoria, o eminente professor expõe o objectivo das escolas preparatorias, justificando a sua razão d ser e a sua orientação, para, depois, examinar o papel que cabe ás escolas de arte aplicada, onde apenas poderão ser admitidos individuos que possuam o grau geral das escolas industriais, e dissertar sobre o ensino do desenho, uma das disciplinas mais importantes para os cursos industriais.

Para divulgar o ensino tecnico e concretizar a sua função, em cada concelho o governo promoverá a criação de comissões de ensino tecnico, presididas pelo administrador do concelho e de que farão parte socios de associações industriais do concelho e operarios de reconhecida competência, devendo constituir-se em Lisboa uma comissão de professores, mestres e operarios, tendo por fim a organização de programas tipos das materias exigidas para os exames das diferentes profissões. Programa esses sobre que o ilustre conferente emite a sua opinião autorizada.

Os institutos industriais e o Instituto Superior Tecnico

O sr dr. Azevedo Neves ocupa-se agora dos Institutos Industriais – são estabelecimentos de ensino industrial destinados a preparar os engenheiros auxiliares, possuindo a indispensavel educação técnica e scientifica. Não tem por preparar homens de sciencia, mas técnicas possuindo os necessarios conhecimentos scientificios e uma preparação oficinal e tecnica completa.

Nos institutos industriais deve haver um bom museu industrial e uma biblioteca possuindo as necessarias publicações e revistas.

Ainda dentro do capitulo «Institutos Industriais», o sr.dr. Azevedo Neves esplana o caracter e a orientação do ensino que neles deve ser ministrado, a distribuição dos cursos, depois do que dedica a sua atenção ao Instituto Superior Tecnico, grau maximo dos estabelecimentos de ensino industrial, destinado a produzir engenheiros com solidos conhecimentos scientificos e tecnicos, com a pratica oficinal suficientes, capazes de dirigir grandes industrias, fabricas, minas, empresas, etc., e com base precisa para executar pesquizas scientificas se disso tiverem necessidade. São engenheiros.

Junto desse Instituto é absolutamente indispensavel que funcionem escolas d’artes e oficios, onde os alunos privem com os operarios, mestres e alunos dessas escolas.

Além disso, deve possuir tudo quanto seja necessario ao seu obejctivo, reservando se ao governo o papel de lhe defender todas as prerogativas e autonomia e facilitar o seu mas dilatado desenvolvimento. Um estabelecimento como o Instituto Superior Tecnico deve gosar de uma grande autonomia e independencia para produzir os melhores beneficios para o país. É um estabelecimento cuja acção o estado deve auxiliar largamente.

E antes de se referir os museus industriais onde mais de uma vez as suas formas extraordinarias qualidades de organizador e a sua admiravel visão, o sr dr. Azevedo Neves tem uma recordação comovida para o fundador daquele instituto, o professor Bensaude.

A missão das aulas comerciais

No ramo comercial representam as aulas comerciais os estabelecimentos de ensino mais elementares – diz o orador. – As aulas comerciais têem por fim ministrar o ensino comercial mais elementar e sumario, que constituíria preparação necessaria a todos os individuos que se destinam aos logares menos importantes do comercio, e ainda a individuos que não se consagrando á carreira comercial, precisam de noções de comercio suficientes para organizarem uma pequena escrituração.

As aulas comerciais, do mesmo modo que todo o ensino tecnico, tem uma feição eminentemente pratica. São todas organisadas segundo o mesmo tipo, o mesmo programa, e a mesma forma imutavel.

Utilisando o professor de instrução primaria neste ensino, obtem-se, segundo o conferente, assinaladas vantagens, entre as quaes a propaganda directa deste ensino junto das crianças que frequentam a instrução primaria, conduzindo-as para aquele.

Julga absolutamente indispensavel criarem-se aulas comerciais para o sexo feminino, podendo o ensino ser feito por professoras.

A criação das aulas comerciais não deve abandonar-se inteiramente á iniciativa particular e das entidades aludidas, pois sem o primeiro impulso do governo coisa nenhuma se conseguirá realizar. Á indispensavel a directa intervenção do governo.

O ensino comercial e o Instituto Superior de Comercio

Cabe agora a vez ao ensino comercial e sobre o que ele deve ser o sr. dr. Azevedo Neves dissertou largamente, frizando a necessidade de cursos de especialização para caixeiros viajantes de vinhos, industria hoteleira e turismo, como de criados de hotel e «restaurant».

As escolas comerciais devem ser criadas em localidades que representem centros comerciais de certa importancia, mediante previo inquerito ás condições do comercio da localidade, feito por professores comissionados pelo governo, devendo, do mesmo modo que as escolas industriais, ser criadas ode o meio justifique a necessidade e procurando estabelecer uma ligação entre a escola e o meio comercial da localidade.

Defendendo a criação de cursos nocturnos em todas as escolas, como base fundamental do desenvolvimento da sua frequencia, julga indispensavel, tambem, a existencia de bibliotecas e museus anexos, assim como a criação imediata de escolas comerciais em Lisboa e Porto, destinadas especialmente ao seco feminino.

Sobre os Instituto Superiores de Comercio, diz o ilustre conferente que, organizados de modo a constituirem os estabelecimentos mais importantes do ensino comercial, eles se destinam á preparação de comercialistas plenamente conhecedores da parte mais difícil da carreira e aptos para o desempenho de cargos da maior responsabilidade nas empresas comerciais, bancarias, companhias de seguros, etc.

Ministrando-se o ensino de especialização consular, aduaneira, e outros de preparação para cargos publicos, as secretarias de Estado deveriam adoptar como disposição legal a admissão aos seus concursos de individuos convenientemente habilitados com os cursos da especialidade do Instituto Superior do Comercio.

O museu comercial, anexo ao Instituto do Comercio, cujas funções já foram devidamente regulamentadas, será chamado a desempenhar importantissimo papel na vida do nosso comercio.

Frizando a importancia dos serviços medicos no exame dos indivíduos que pretendem frequentar ou frequentem as escolas de ensino industrial e comercial, o sr. dr. Azevedo Neves diz que é vasta e complexa a missão do medico escolar.

Refere-se ainda o conferente ás vantagens do conselho de ensino formado por todas as individualidades que pela sua situação oficial possam ter opinião sobre ensino especial, podendo as suas secções, comercial e industrial, funcionar conjunta ou isoladamente, e competindo-lhes dar parecer sobre a criação. Transfromação e supressão de escolas, ou cursos; instalação de edificios escolares e regulamentos de ensino insdustrail e comercial; e de todos os mais assuntos para que seja competente.

E depois de ser referir largamente ao papel da direcção Geral de Ensino Industrial e Comercial , que reputa importantíssimo, e de fazer o elogio do sr. Alvaro Coelho, a quem presta suas homenagens, o sr. dr. Azevedo Neves, para terminar a sua conferencia, afirma que a reforma procura inspirara-se na tradição portuguesa e aspira a fazer reflorir as nossas artes e industrias regionais; a reforma procura servir para se criar em Portugal o ensino tecnico com uma orientação pratica e segura. Foi bem recebida. Foi bem recebida pelos competentes e pelas classes interessadas; até hoje ainda não sofreu modificação que a alterasse. Algumas escolas se teem criado segundo suas regras.

Necessario se torna, porém, dar um grande impulso á organização do ensino tecnico, impulso que nos faça avançar rapidamente recuperando o tempo perdido. Está nas mãos das classes organizadas dar esse impulso a fim de que se construa um Portugal que a nossos filhos ofereça as melhores condições de paz e de prosperidade.

A exposição brilhantissima do ilustre director da Faculdade de medicina dói premiada, no final, por uma quente ovação que perdurou por alguns minutos.

Depois, o sr. conselheiro Silva Amado, em nome daAcademia de Sciencias, agradeceu ao professor Azevedo Neves a sua excelente conferencia, homrando assim a sala com o seu magnifico trabalho de alto valor social.

Conhece de perto o conferente, disse, e esperava que fosse interessante a sua palestra, todavia constata que ela excedeu toda a sua espectativa.

O professor dr. Azevedo Neves foi muito felicitado pela sua admirável palestra que constituiu um verdadeiro sucesso.


Referência bibliográfica

[n.d.] - "O problema português / O ensino tecnico" in Diário de Notícias de 25 de Janeiro de 1920, nº. 19450, p. 1 (c. 1-4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2298.



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