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FOLHETIM

Actualidades Scientificas

O cinematógrafo pelos raios X (Cineradiografia)

Entre as descobertas que revolucionaram a sciencia no seculo passado, sem duvida que as dos raios X foi das que mais prenderam os espiritos em justificada admiração.

Quer se trate simplesmente do fenomeno fisico das radiações misteriosas observadas pela primeira vez em 1895 pelo professor Roentgen, quer se trate de qualquer uma umas das suas aplicações maravilhosas, a demorada atenção e curiosidade intensas são solicitadas amiude sobre os factos surpreendentes derivados dessa tecunda descoberta.

A sua historia primitiva é breve. Observando as modificações da descarga electrica na ampola de Crookes, com o intuito de estudar as radiações produzidas no interior dela, Roentgen notou primeiro a fluorescencia produzida fora do aparelho, apesar de envolvido em papel negro e da oposição de obstaculos espessos, sobre um alvo impregnado de uma substancia fosforecente – o platinocianeto de bario. Uma desconhecida irradiação fazia-se atraves dos anteparos e impressionava aquela substancia. Interpondo ao acaso a mão, viu com estranheza justificada aparecer no alvo o esqueleto, cujos ossos se desenhavam com nitidez, como se estes fizessem sombra aos raios da nova especie pela ampola. Semelhante efeito não poderia ser atribuido aos raios catodicos para o pecie de agente, até aquele tempo.

Uma dessas propriedades mais evidentes e caracteristicas consiste em tornar fluorescentes certas substancias como o vidro e determinados compostos de bario, principalmente o platinocianeto de bario. Teem alem disso a propriedade de atravesar os corpos opacos, a madeira, o papel, certos metais como aluminto e o magnesio e tambem as partes moles do organismo.

Esta ultima possue, como é já sabido, o enorme alcance para a medicina e a cirurgia de permitir o exame do interior, devassar o que se passa no intimo das cavidades visceras de revelar a situação, por vezes anomala, dos orgãos oi o seu irregular funcionamento e particularmente a existencia de corpos estranhos. Por isso, na cirurgia de guerra e mesmo na cirurgia de todos os dias os raios de Roentgen constituem um excelente e indispensavel meio de observação.

A sua impossibilidade de penetrar certos corpos, por exemplo, os ossos, facto inicial do descobrimento desses raios, é de um auxilio inestimavel para o estudo de todas as particularidades do esqueleto e presta ainda por esta forma ao cirurgião um processo de diagnostico bastante elucidativo e mesmo um agente terapeutico e grande poder, que carece de ter manejado com extraordinarias cautelas.

No nosso século as invenções e as descobertas caminham depressa para o desenvolvimento e perfeição, no ponto de vista das suas mais produtivas aplicações e não nos sobejaria o espaço e o tempo se quizessemos dar conta, ainda que sucintamente, dos inumeros aperfeiçoamentos e das variadas subtilezas de observação de que o metodo roentgologico é susceptivel. A grande guerra trouxe a este ramo das sciencias medicas um inesperado e enorme incitamento de que a pratica medico-cirurgica sabe irar imenso partido.

Porém, a vontade de aprender, de penetrar nos misterios da Natureza, torna insaciaveis os homens de saber e ter conhecimentos praticos, no modo de empregar até as mais recentes novidades do engenho humano. Eis porque não nos contentamos já hoje com esta admiravel faculdade de visão intima que nos fornece os raios X, patenteando-nos os receios do complicado organismo animal, numa dada fase, e queremos seguir o trabalho das visceras e mais orgãos em sucessivas fases e dar-nos deste modo conta das deficiencias e desordens do seu funcionamento.

Dai a associação da vista cinematografica ás revelações interessantissimas dos aludidos raios, para a reconstituição de movimentos de orgãos que de outra forma, seria impossivel seguir em mal se presumem pela aproximação de entrecoriadas observações e experiencias de fisiologia, dificilmente interpretaveis.

Ora os raios X teem efectivamente a propriedade de impressionar a chapa fotografica, conquanto se não se trate de radiações luminosas e não possam ser desviados pelo prisma nem focados por uma lente. A sua direcção é rectilinea. Não podem por isso dar uma imagem do foco que os emite. As figuras obtidas pela radiografia são apenas sombras produzidas pelos corpos que as radiações não quais o vidro da ampôla não é transparente. Tratava-se portanto de radiações de outra natureza, até então ignorada e que foram denominadas por isso – Raios X. Estes partem da parede do tubo ou ampôla de Crookes, onde os raios catodicos incidem, depois de encontrarem um obstaculo qualquer, por pequeno que seja. O fisico de Wurtzburge descobriu efectivamente esse obstaculo sujeito ao bombardeamento dos raios catodicos, que adquirem a velocidade de 40.00km por segundo, se torna um centro de emissão de raios X, aos quais dão tambem o nome do seu descobridor.

Não podendo admitir-se como origem de tais radiações uma emissão de particulas, semelhantemente ao que se indica para os raios catodicos, formulando a hipotese de novas vibrações devidas ao choque e suscepitiveis de ser transmitidas pelo éter, aproximando-as assim dos raios luminosos, posta a diferença de amplitude das suas vibrações, a qual é muito diminuta para os raios X.

Estes raios apresentam propriedades totalmente novas, que os fisicos ainda não haviam consignado em nenhuma es, atravessam, como por exemplo, os ossos, os metais, os sais de bismuto. Estes ultimos introduzidos de certo modo nas cavidades organicas dão-no-las a conhecer no seu rigoroso contorno, pelo contraste que o negrume da sua sombra revela no alvo fluorencente, em comparação com as outras partes atravessadas pela radiação.

Por vezes é necessario exagerar muito as dimensões ordinarias das chapas fotograficas, para conter ao menos uma parte importante dos orgãos a examinar, o torax, por exemplo.

Por compensação, a fita cinematografica apresenta dimensões minimas, o quanto baste para conter em cada fracção uma imagem reduzidissima, numa pequena superficie de 18,12 milimetros, a qual, mesmo que fosse possivel impressiona-la pelos raios X, daria sómente a radiografia de objectos minusculos. Por outro lado não é pratico a reprodução de imagens radiograficas em ponto grande e em serie. A passagem de semelhantes clichés não poderia ser feita com a necessaria rapidez e sucessão de impressão que nos dá a impressão sintetica do movimento não reproduz com inteira verdade a acção.

Comtudo [sic] os raios X, como dissémos atrás, tornam luminescentes certas substancias e permitem desse modo a radioscopia – isto é, o exame minucioso dos orgãos e dos seus movimentos, vistos num alvo impregnado por qualquer dessas substancias.

Naturalmente veio á ideia fotografar as imagens obtidas pela projecção nesse alvo, o que permitiria as reproduções de imagens de dimensões bastante limitadas para compor o film cinematografico.

Uma objecção de grande vulto tolhia, a principio, esta faculdade. Sendo o alvo que de ordinario se emprega nas radioscopias provido de induto em que entra o platinocianeto de bario, este produz sobre a acção dos raios X uma luz esverdeada, antifotogenica, isto é, incapaz de impressionar a pelicula sensibilizada.

Outras substancias porem ha que se tornam luminescentes sobre a influencias dos raios X. Uma delas – o tungstato de calcio – emprega-se desde certo tempo na confecção de alvos auxiliares ou reforçadores da radiografia. Estes alvos produzem uma luz violacea, quando recebem aqueles raios, o que permite tira em pouco instante a radiografia ou, para a mesma exposição, uma imagem reforçada, porque a sua luminescencia actua na chapa fotografica.

A imagem obtida num desses alvos reforçadores pode portanto ser recolhida por uma objectiva usual, num tempo de pose muito curto. Basta para isso ter um tubo de raio X, um alvo reforçado e a camara para receber a imagem.

Os raios luminosos azues e violetas não atravessam porém todos os meios transparentes. O vidro ordinario é para eles impenetravel; pelo contrario, o cristal de rocha, assim como os vidros de composição especial, deixam-se penetrar pelas radiações ditas obscuras, porque o seu poder luminoso é muito fraco. Não obstante, a sua acção transformadora é consideravel, no ponto de vista quimico. Por isso impressionam demoradamente a pelicula sensibilizada depois de focados peça lente de cristal de rocha e podem deste modo ser aproveitados no receptor cinematografico.

Utilizando habilmente estes elementos os srs. Lomon e Comandon conseguiram algumas radiocinematografias, representando o trabalho dos orgãos internos de pequenos animais (cavias), resultados que apresentam á Sociedade de Radiologia.

A reprodução cinematografica pelos raios de Roentgen dos movimentos internos e externos de pequenos roedores e avesinhas é alcançada coma sucessão de 14 imagens por segundo. Com esta velocidade observam-se os ditos animais reduzidos á sua forma esqueletica movendo com agilidade prodigiosa as articulações.

Notam-se tambem as pulsações do coração e a situação do fígado. Se os pulmões são transparentes aos raios X, a actividade respiratoria é representada pelas oscilações do diafragma. O intestino destaca-se, pelo orificio bismuto, em negro, revelando a sua motilidade especial.

Desta forma toda a movimentação interna do organismo nos é patenteada, como atraves de teguementos transparentes e a vida vegetativa aparece-nos em toda a plenitude do seu dramatismo.

Não careciamos de mais nenhuma documentação para calcular a utilidade scientifica de incalculavel valor desta associação de dois inventos notabilissimos, legados pelo seculo passado e aperfeiçoados nos ultimos momentos historicos, por assim dizer.

Já anteriormente o cinematografo nos fizera assistir ás arrojadas intervenções cirurgicas do dr. Doyen, de uma instrutiva tecnica. Por outro lado, assistimos pelo mesmo processo á luta entre elementos figurados do sangue e os parasitas que o s atacam produzindo algumas das mais temiveis enfermidades – a sifilis e a tripanosomaise podem analisar-se os movimentos lentos ou rapidos de muitas especies animais e vegetais; seguir-se, instante a instante, as fases da germinação da flor, em toa a verdade de forma e da cor.

A Sciencia de posse deste duplo instrumento abre um novo capitulo de investigações, que se podem prestar a diferentes ramos, particularmente ás indagações da fisiologia e da patologia e bastariam estas para dar todo o interesse á combinação experimental da cinematografia, segundo a denominação posta pelos autores.

Isto que é mais do que uma promessa, uma teoria fantasista ou uma previsão legitimada pelas tentativas da experiencia, deixa-nos esperar confiadamente que de futuro, os progressos pelas subtilezas da fotografia e da mecanica mais delicada, nos darão conhecimentos totalmente ineditos e prestarão ao cosmos e á divulgação um inestimavel auxilio.

J. Bethencourt Ferreira.


Referência bibliográfica

J. Bettencourt Ferreira - "FOLHETIM / Actualidades Scientificas / O cinematógrafo pelos raios X (Cineradiografia)" in Diário de Notícias de 3 de Março de 1920, nº. 19487, p. 1 (margem inferior). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2304.



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