Segundo no Matin acaba de escrever o illustre Jean d’Assay, estamos diante de uma descoberta deveras maravilhosa.
Diz o citado escriptor francez:
Está realizado o velho sonho da alchimia, consistindo na transformção da materia vil em nobre materia.
(esta esperança atravessou toda a história da humanidade)
Ouvi a historia d’essa descoberta feita n’um laboratorio do collegio de França e da qual M. Lapparent deu conhecimento á Academia das Sciencias.
Desde algum tempo que o professor Bordas se preoccupava com uma observação de Curie e de sua esposa sobre a qual já se fixara a attenção de Berthelot. Sabe-se que o radio está mettido em pequenos tubos de vidro que mostra sempre ao seu contacto uma linda côr azul.
Berthelot, estudando esta coloração, attribuira-a a certos traços de manganesio que, com a sua potencia milagrosa de projecção, o radio descobre no vidro e faz reviver. Pensou o professor Bordas em collaborar n’este curiosissimo estudo, para o impulsionar quanto fôsse possivel, diligenciando saber se bastaria tal explicação.
Nasceu-lhe então a ideia de se servir dos mais puros productos naturaes – as pedras finas – submettendo-os á acção do radio.
Tomou o coridon de 2 francos o carat, pol-o em contacto com um tubo de radio puro e deixou-o sob esta acção durante um mez.
Ao fim d’esse mez o professor foi ver as suas pedras, que até ali só exaggeradamente se podiam chamar preciosas.
Tinham mudado de côr! O coridon incolor amarelara-se como o topasio, a azul fizera-se verde como a esmeralda e o violeta ficou azul como a saphira.
Assim estava já destruida uma das opiniões mais seguras dos sabios, o saber-se que cada pedra tem a sua côr propria, o seu oxydo proprio e que não ha nenhuma relação entre esses oxydos.
Mas isto não era senão o começo das admiraveis surpresas reservadas a este espirito.
O professor Bordas tomando estas pedras transformadas, levou-as ao joalheiro que lh’as vendera, o qual não as reconheceu e declarou que em lugar de dois francos a carat valiam quarenta e cinco francos.
Ignoro – continua d’Assay – como é feita a alma de Bordas, mas imagino como elle devia sentir uma alegria estranha e um obscuro terror.
Comprehender n’um instante que se possue, que se tem, como uma pedra na mão, o segredo de fazer e desfazer fortunas, e um segredo que todas as gerações teem perseguido, atravez de esperanças insensatas e decepções seculares, dizer-se que se pode talvez amanhã revelando este segredo, trahindo a natureza que dissimulou durante milhares d’annos este parentesco do mineral vil com o mineral precioso, transtornar as industrias, mudar o curso da Bolsa, destruir os calculos dos sabios e dos financeiros, ha em tudo isto bastante para fazer saltar o coração no peito.
(depois repetiu a experiencia com pares de coridons, pondo em contacto com radio)
O radio fez novamente a sua obra: as suas molleculas projectadas penetraram as pedras, submetteram-nas a uma especie de bombardeamento luminoso.
(o coridonn vermelho carregado tornou-se violeta, o violeta azul saphira, azul amarelo topasio)
Sir William Ramsay mudando o cobre em litum provou que a transformação dos metaes não era uma chimera.
A sua descoberta tem mais importancia pratica que a outra, porque ella póde parar como lhe convem, a transformação da pedra.
(...)
Resta-nos falar da famosa pedra philosophal.
Tambem esta pedra, (...) foi descoberta pelo francez Curie e o seu poder foi provado pelo francez Bordas.
O pequeno tubo de radio, da grossura de duas cabeças de alfinete ligadas, do cumprimento de dois alfinetes, eis a varinha da sciencia, com a ajuda da qual será dado a alguns conhecer as pedras e mudar os termos do valor.
(...)
Sejam quaes forem as consequencias economicas d’esta descoberta da sciencia, desde que o coridon vil adquira valor louco ou que ao contrario a pedra preciosa p. 2 baixe a ser materia vil e perca n’um dia todo o seu valor, é preciso inclinarmo-nos com respeito diante d’este novo milagre porque o homem acaba de adquirir sobre as cousas o poder que até aqui se emprestava á divindade. (...)
[n.d.] - "A victoria da alchimia – a fabricação de pedras preciosas – Os prodigios operados pelo radio"
in Diário dos Açores
de 20 de Agosto de 1908, nº. 5158, p. 1-2 (col. 4-6;1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2406.