A cura da tuberculose
O tratamento especifico pela tuberculina
Forte de Lemos, que foi um dos discipulos queridos do prof. Carlos Tavares e um dos organizadores da Enfermaria de Clinica Medica do Hospital Escolar, ex-assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa e autor de varios livros sobre o grave problema da tuberculose, entre os quais destacamos «Tratamento especifico sobre a tuberculose» e a «Tuberculose pulmunar e auto-intoxicação intestinal», é um nome que se impunha neste instante em que as gazetas voltam a noticiar a cura da tuberculose.
Ha muito tempo que Forte de Lemos, especialista conhecido, trabalhador infatigavel e clinico de nomeada, vem dedicando as suas faculdades de estudo á resolução deste problema grave.
Quisémos ouvir a sua opinião.
- A cura da tuberculose?
- Sim.
- É um problema importante…
- A sua opinião?
- Uma entrevista?
- Não. A sua opinião sobre a tuberculina – o que acusam as suas estatisticas, que dizem ser as mais completas.
O sr. dr. Forte de Lemos ofereceu-nos um cigarro e explicou:
- É verdade que a tuberculina não goza de amplas simpatias, antes pelo contrario. O seu dificil manejo é um grande obstaculo – o maior obstaculo ao seu emprego e, contudo, a tuberculina é a arma mais poderosa de que nós dispômos contra a tuberculose.
- A causa dessa antipatia?
- Quando em 1890 Kock descobriu a sua famosa linfa, os alemães apregoaram que tinham descoberto o remedio para a cura da tuberculose. O processo é velho – tem cabelos brancos. Compreende, quantas dezenas de doentes correram para a Alemanha, em busca da cura. Foi um desastre. Muitos deles, os primeiros animais que se prontificaram á experiencia, morreram. Os outros fugiram aterrados para suas casas. Nasceu deste incidente o terror pela tuberculina, terror que as primeiras experiencias alimentaram, espalharam pelo mundo.
- O senhor falou em linfa… Ha ligação entre a tuberculina e a linfa?
-Nada mais facil de compreender. A primitiva linfa de Kock é a tuberculina.
- Aparentemente existe uma justificação: o medo, o horror da morte…
- Não, senhor. Explicava-se esse receio ha 35 anos, em virtude dos factos que lhe apontei, factos que pertencem á historia da sciencia medica. Tem-se trabalhado muito nestes trinta e cinco anos. Hoje, não ha motivos para receios – as coisas mudaram muito. O mal não estava no remedio, não residia nele, estava no seu emprego, na sua primitiva tecnica. Hoje conseguem-se curas verdadeiramente assombrosas, verdadeiras ressuscitações. Não foi a tuberculina que faliu, foi a sua primitiva tecnica, a sua má tecnica, hoje posta de lado. Ha 14 anos que emprego a tuberculina e sinto, cada vez, maior fé. Simplesmente…
- Simplesmente?...
- É preciso sabê-la usar. Os tratados de tuberculinóterapia trazem, a seu respeito, esta frase sacramental: – «A tuberculina é uma faca de dois gumes: bem manejada, cura; mal manejada, pode matar».
- É um tratamento perigoso?
- Perigosos são todos os tratamentos. Em medicina não ha tratamentos perigosos ou não. Todos podem matar ou salvar o doente. O perigo depende da forma e da oportunidade do seu emprego. O tratamento pela tuberculina requere um certo numero de conhecimentos especiais, particularidades de tecnica. É tudo. Não tem perigo, quando bem empregada. Não tenho um unico caso de morte na minha vasta estatistica. Estão aqui os graficos. Veja.
- Todos os tuberculosos podem ser sujeitos á tuberculina?
- Nem todos. Existem alguns doentes que necessitam primeiramente de uma preparação, preparação que se costuma fazer com os soros especificos. Na luta contra a tuberculose empregamos, além da tuberculina, outros preparados especificos, constituindo este conjunto o tratamento especifico da tuberculose.
- Está convencido que é este o grande tratamento contra a tuberculose?
- Absolutamente convencido.
- Porque se não emprega todos os dias, porque se não combate com a tuberculina?
O sr. dr. Fortes de Lemos fixa-nos, medita passar junto de si o «film» da sua vida de trabalho e de clinico.
Guarda os graficos que ofereceu ao nosso exame, acende um novo cigarro e interroga-nos:
- As razões?
- Sim.
- Hei-de dizê-las num livro que tenho a sair, de colaboração com o meu ilustre colega dr. José Alberto de Faria. Além da triste historia do seu passado, do primitivo cortejo de mortos, existem outras razões ocultas, outras razões!
- Num livro?
- Sim. O dr. Faria e eu ha muito que o temos pensado.
- É um livro de sensação?
- Um livro de verdade e de experiencia.
- Tem muitas curas?
- Numa conferencia que em 12 de janeiro de 1924 fiz na S. das Sciencias Medicas de Lisboa, sobre o tratamento da tuberculose pela tuberculina, e onde me referi á minha estatistica, disse que a percentagem das curas andava por 80%, contando entre os insucessos alguns doentes que estavam irremediavelmente perdidos, condenados, alguns doentes que me foram recomendados por amigos ou pessoas de familia.
- É importante: 80 %...
- Sim. É importante. No entanto deixe-me dizer que essa estatistica não se refere unicamente á tuberculose pulmonar – abrange todas as variedades.
- É uma percentagem animadora, a dois passos da cura…
- Sim.
- E a «Sanocrisina»?
- Nada se pode afirmar por enquanto. É muito cedo. O unico tratamento que existe, eficaz, definitivo, experimentado, cujos resultados estão cimentados em estatisticas honestas e verdadeiras, o unico tratamento contra a tuberculose é o seu tratamento especifico: a tuberculina.
O sr. dr. Forte de Lemos, trabalhador infatigavel, ex-assistente da Faculdade de Medicina de Lisboa e discipulo querido do prof. Carlos Tavares, cuja figura de iluminado repousa sobre a sua secretaria, repetiu quando se despedia de nós, á porta do seu gabinete do trabalho:
- A tuberculina, quando bem manejada, é o unico remedio indicado, aquele que dá mais de 80 % de garantias ao clinico…
[NOTA - Contém uma fotografia do entrevistado]