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Texto da entrada (ID.2428)

NOVAS DO BRASIL

GAGO COUTINHO

jornalista

Uma critica cerrada ás teorias do professor Einstein

O «Jornal», do Rio de Janeiro, teve a feliz ideia de convidar para seu colaborador efectivo o ilustre almirante Gago Coutinho. Matematico, geografo, explorador dos sertões africanos, homem de gabinete, estudioso apaixonado das sciencias aplicadas, Gago Coutinho é tambem um escritor elegante, mesmo tratando assuntos de scientifica aridez como este com que no «Jornal» iniciou os seus trabalhos criticando severamente as teorias de Einstein sobre a relatividade, a proposito de uma anunciada visita proxima do sabio alemão á America do Sul.

Não resistimos á tentação de extractar alguns trechos desse notabilissimo artigo, lamentando apenas que a sua extensão não nos permita publical-o na integra.

Recordemos – principia Gago Coutinho – que o facto simpatico de este socio da Academia de Berlim discordar ostensivamente dos seus compatriotas, na admiração pelos processos crueis empregados pela Alemanha na guerra, foi o factor que o tornou popular na Europa Ocidental. Foi recebido em Paris, e lá, como em outras terras, foi ouvido com benevolencia, em conferencias acerca da sua «Teoria da Relatividade», uma nova maneira de explicar a Mecanica, e, especialmente, a mecanica celeste.

Einstein causou uma incontestavel agitação nos meios scientificos com a sua «Teoria», nome este bem adequado, visto que ela ainda não entrou na compreensão pratica das pessoas medianamente ilustradas. Mesmo os artigos de vulgarização, que o astronomo francês Nordman publicou a respeito, não foram de molde a ser digeridos pelo publico, continuando a não passar de poucos milhares o numero daqueles que – pelo menos no nosso planeta – já não digo acreditam, mas compreendem as deduções de Einstein.

«Por varias razões, eu não poderia pretender entrar aqui em detalhes ácêrca do que é essa revolucionaria «Theoria», a qual foi explicada pelo seu inventor no livro «La Théorie de la Rélativité», folheto de 120 paginas, que custa 7 francos. Este folheto – de um preço tão elevado que a alguns faz suspeitar do industrialismo de Einstein – pretende «estar ao alcance de toda a gente», e, de facto, as formulas algebricas, que apresenta, são elementares. E o principio da «relatividade» em si é elementar tambem, embora de uma geometria abstracta. Mas as viagens de propaganda do autor, como as suas conferencias, mostram que a compreensão da materia do folheto não é muito elementar, sendo de lamentar a falta de livros claros sobre o assunto.

«As consequencias desse novo principio, ou hipotese de Einstein, essas já não são elementares e inocentes: porque parece que destroem algumas das leis mecanicas, em que acreditavamos até aqui – como a de Newton – base da existencia dos sistemas planetarios, constituidos por astros dotados de velocidade propria, combinada com uma atracção reciproca, na razão inversa do quadrado das distancias.

«Einstein começa por abalar os fundamentos da nossa sciencia adquirida, mostrando-nos que não sabemos definir, com palavras, algumas ideias elementares que, comtudo [sic], temos seguras e nitidas, como seja a «linha recta», o «espaço», o «tempo»; e chega a duvidar de que tenhamos uma ideia clara do que seja a «simultaneidade» de acontecimentos passados ao mesmo tempo, embora em lugares diferentes. Depois das objecções de Einstein, essas nossas ideias tão simples ficam obscuras, e no nosso espirito reina a confusão.

«Tendo-nos tão profundamente desmoralizado, fazendo bolas de papel dos nossos anteriores conhecimentos e hipóteses, que tanto estudo nos custaram, Einstein apresenta-nos, então, as suas extraordinarias conclusões, que não compreendemos bem como sairam do seu principio fundamental, aparentemente neutro e inocente. Vencidos – como o não fomos na Grande Guerra! – temos que aceitar ainda outras imposições mais largas, cuja logica e verosimilhança nos escapam. É uma especie de «imperialismo» ou «bolchevismo», generalizado á Mecanica».

A teoria da relatividade será uma especie de “cubismo” scientifico?

Gago Coutinho pas[s]a seguidamente em revista algumas das conclusões de Einstein sobre a ideia do movimento e a fórma esferica do espaço, e referindo-se ás conferencias de vulgarização das suas teorias, que o sabio alemão projecta fazer na America do Sul, termina espirituosa e severamente:

«Pela nossa parte não queiramos enganar Einstein, dando-nos ares de termos compreendido a sua exposição nebulosa, por um nosso snobismo pretensioso. Enganar-nos-iamos a nós mesmos – como já nos aconteceu no negocio dos marcos, em que tentámos «bancar» de espertos contra a Alemanha. – Sejamos francos, Confessemos de antemão a nossa insuficiencia, a nossa dificuldade em seguir os raciocinios complicados de Einstein, se eles não forem feitos – o que bem sabemos que é dificil – na linguagem comum, que estamos habituados a empregar e compreender. Lembre-se que nós somos as pessoas simples, que ele considerou incapazes de definir as noções mais elementares. Dê-nos, pois, nas suas conferencias, explicações que nós tenhamos facilidade de compreender, embora não sejam numericas nem completas.

«Se Einstein vem de boa fé, se não quere que demos ouvidos áqueles descrentes – entre eles até alguns considerados academicos alemães – os quais, apoiados na falta de clareza dos seus raciocinios filosoficos, pretendem que a «Teoria da Relatividade» é um «bluff», ou uma especie de «cubismo» scientifico, que nem o proprio criador conseguiu compreender com a nitidez essencial para a poder transmitir ás outras pessoas… se, enfim, Einstein deseja que as suas conferencias deixem fama, sejam uteis e interessem o publico sul-americano, que, sofrego de modernismo, o quere ouvir, ele ha de procurar atender os nossos pedidos, tão naturais e tão pouco maliciosos. Doutra maneira, seria melhor abster-se de conferencias, para não cair na banalidade.

«Ter-lhe-ão, talvez, contado que na America do Sul ha uma grande inclinação para o romance, e por isso frequentamos o cinema. Mas não se julgue que tomamos a sério essas projecções de fotografias sentimentais, como nos não enganamos com os labios pintados, que até é de uso retocar em publico: achamos belos esses quadros coloridos, com que as moças não procuram iludir, mas apenas agradar aos amadores de Arte.

«Somos, pois, gente mais pratica do que na Europa se poderá julgar. Como temos ainda por cá muitos campos para aproveitar, muitos açudes e estradas para construir, interessamo-nos mais directamente pelos inventos utilitarios – quem nos ensinasse a maneira de poupar combustivel, transformando integralmente a materia em energia?! – sem, contudo, desprezarmos a ficção, quando nos queremos distrair.

«Enfim, uns correm mais atrás de ideias. Outros atrás de factos. Para evitar desilusões aos ouvintes de Einstein, seria, pois, bom saber-se de antemão em que vamos empregar o nosso tempo. Irá Einstein servir-nos sciencia autentica ou vai ele fazer passar no «écran» um engenhoso «film» futurista? Eis uma pregunta [sic] a que eu lamento não saber responder.»


Referência bibliográfica

[n.d.] - "NOVAS DO BRASIL" in Diário de Notícias de 13 de Abril de 1925, nº. 21275, p. 1 (c. 6). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2428.



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