CRONICAS MEDICAS
O primeiro ano de vida
Cada um está no seu direito de mandar ou não vir meninos de França; mas desde que os encomendou e lhe foi satisfeita a encomenda, comete um erro imperdoavel se não tiver com eles os cuidados necessarios. Na população portuguesa ha, segundo o que eu julgo saber, quem prejudique as criancinhas por falta de atenções, mas ha muito mais gente que peca pelo extremo oposto, tratando mal os pequenos justamente por muito lhes querer. São as mães que alimentam demasiadamente os seus filhinhos, ou teimando em oferecer-lhes o seio quando eles se desviam por terem já ingerido a quantidade de leite que os satisfaz, ou não espaçando convenientemente as refeições e assim metendo-lhes no estomago nova dose de leite quando a digestão da dose precedente não está ainda realizada.
Todas as mães que o são pela primeira vez deviam entender-se muito a serio com o seu medico sobre este assunto, e assim, possivelmente, se dispensariam de o chamar depois quando já estivesse feito o mal, isto é, quando por erros de alimentação se tivesse já declarado a vulgar dispepsia infantil que tantas vezes leva a gastro-interites graves. A essas mães que cobrem os filhos de caricias, espiam todos os seus gestos e lhes dão o seio mal lhes ouvem um gemido, já que lhe ensinaram geografia, piano, canto e inglês mas não o modo de tratar crianças, se recomenda neste humilde escrito que tenham em atenção o seguinte:
São elas que devem criar os filhos, não sendo bom que recorram a mercenarias e muito menos a processos de alimentação por leites de animais, frescos ou não. Nas primeiras 24 horas que seguem o nascimento, á criancinha só deve dar-se umas colherzinhas de agua com açucar; no dia seguinte põe-se ao seio por umas três ou quatro vezes, e ao chegar o oitavo dia deve entrar-se em regime de amamentação a horas certas. Aconselha-se o intervalo de duas horas e meia entre cada duas refeições consecutivas.
Durante o primeiro trimestre essas refeições podem ser oito. Suponha-se que se começou ás 5 da manhã: ter-se-á finalizado o trabalho de amamentação ás 10 e meia da noite, ficando livres seis horas em que a criança e a mãe podem sossegadamente dormir. Depois, nos trimestres seguintes, como a quantidade de leite que a criança ingere por cada vez vai aumentando dia a dia, podem espaçar-se as refeições e tambem diminuir o seu numero. Durante o segundo trimestre sete refeições, seis durante o terceiro, guardando intervalos de três horas.
O estado geral da criança, particularmente o estado do aparelho digestivo, darão indicações seguras sobre o aproveitamento que ela faz do regime a que foi sujeita. Pode saber-se que quantidade de leite ingere por dia e isso é trabalho e efectuar de vez em quando, tomando-lhe o peso antes e depois de mamar. Uma simples subtracção indica o peso do leite absorvido. Convém ainda ter presente que a quantidade varia muito conforme a idade da criança. Um pequenito com quatro quilos de peso ingere nas 24 horas, em media, 600 a 650 gramas de leite. Depois, peso da criança e quantidade de leite absorvido vão aumentando com a idade de aquele, e quando pesa oito quilos, lá para o oitavo mês ou mais tarde, pode já absorver cêrca de um litro de leite por dia.
Todos estes numeros são medias a que ninguem deve rigorosamente cingir-se. Nisto, como em tudo, é precisa sensatez, tendo em vista que a super-alimentação, ou por numero demasiado de refeições ou por quantidades demasiadas de leite a cada refeição, é tão prejudicial como o seria uma dieta que pecasse por escassez de alimentação.
F. MIRA.
(…).
[NOTA - segue-se uma pequena série de respostas a leitores]
F. Mira - "CRONICAS MEDICAS"
in Diário de Notícias
de 15 de Abril de 1925, nº. 21277, p. 3 (c. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2430.