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Texto da entrada (ID.2433)

CRONICAS MEDICAS

O bacteriófago

Ha perto de dois anos encontrei em Paris, num dos laboratorios da Faculdade de Medicina, o dr. Paul Hauduroy, verdadeiramente entusiasmado com os estudos que estava efectuando com o bacteriófago de Hérelle. O dr. Hauduroy não sabe português, não virá a topar com o seu nome no «Diario de Noticias», e assim não ficará sabendo que me conservo grato á sua boa companhia de algumas horas e que aproveito a ocasião de a recordar a proposito dum artigo seu inserto no ultimo numero da «Presse Médicale».

Justamente esse artigo resume os ultimos trabalhos do autor sobre o bacteriófago. Como a grande maioria dos leitores desconhece o que corresponde áquele arrevezado termo, dir-lhes-ei que o seu significado etimologico é devorador de microbios e que designa uma especie de seres que ninguem viu e que, mesmo, se não pode garantir que existam, com absoluta certeza. Notou-se uma propriedade ligada a materias de eliminação, em certas condições, e atribuiu-se a um ser essa propriedade. Assim têm feito por muitas vezes os sabios, tão poeticos como os antigos gregos quando rios, montes e vales povoavam de deuses.

Viu Hérelle que as materias fecais de pessoas convalescentes de febre tifoide têm forte poder de destruição sobre o bacilo causador daquela mesma doença. E concluiu o observador: É que nessas materias fecais existe um ser invisivel com as mais fortes ampliações dos microscopios, tão pequeno que passa através os [sic] poros dos filtros, enfim, um ultra-virus como abreviadamente se diz, e que esse ultravirus vive á custa do bacilo tifico, sendo, portanto, um parasita dum parasita.

Nem todos aceitam a existencia dum ser vivo para explicar o fenomeno de Hérelle. Ha quem atribua a propriedade descrita a um fermento, por exemplo; mas o nome ficou, independentemente do que o futuro possa estabelecer como certo.

Notou-se que o bacteriófago se não revelava ou mal s revelava nas materias fecais de tifosos durante os primeiros periodos da doença, e que era particularmente activo no seu final, quando este levava á cura. Hauduroy passou a fazer as suas pesquizas [sic] no sangue, com resultados que se harmonizam com aqueles; mas sobretudo são interessantes três observações que merecem rapida citação.

Tratava-se de doentes em que a queda de temperatura se não realizou gradualmente, como é costume, mas bruscamente. Observadas as culturas de sangue imediatamente antes e imediatamente depois dessa desfervescencia, isto é, dessa queda de temperatura, viu-se que a cultura se tinha mostrado negativa relativamente a bacilos tificos, mas se tinha tornado positiva relativamente ao bacteriófago.

Tudo isto, a presença do bacteriófago no sangue e nas fezes de individuos convalescentes de febre tifoide, a sua ausencia ou escassês nos outros periodos da doença, tornam licita a suposição de que o bacteriofago seja um agente de cura da febre tifoide. E sendo assim, fôsse ou não fôsse ele um ser vivo, o nome que lhe foi dado não poderia ser muito descabido.

Quando, num passado que nos parece já extremamente remoto, se discutia a acção patogenica dos microbios, combateram os que atribuiam as doenças a esses microorganismos com os que atribuiam a existencia destes ás modificações patologicas dos humores. Assim agora se poderia preguntar [sic] se essa propriedade que se pôs á conta dum bacteriófago seria simples efeito duma modificação fisico-quimica dos humores. Mas isso fica para uma outra conversa com o dr. Hauduroy, se alguma outra vez nos puserem em contacto os acasos da vida.

F. MIRA.

(...)

[NOTA - segue-se uma pequena série de respostas a leitores]


Referência bibliográfica

F. Mira - "CRONICAS MEDICAS" in Diário de Notícias de 29 de Abril de 1925, nº. 21291, p. 3 (c. 1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2433.



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