D’uma correspondencia de Paris para o Commercio do Porto:
A morte acaba de roubar á França e à Academia das Sciencias, em menos de 24 horas, dois dos seus mais notaveis e denodados apostolos da sciencia, Henri Becquerel e Nicolas Mascart, o primeiro na terça-feira de manhã e o segundo na noite do mesmo dia.
Henri Becquerel, que no principio d’este anno foi eleito, por unanimidade, presidente da Academia das Sciencias, que ha cerca de tres mezes o nomeou, igualmente por unanimidade, seu secretario perpetuo, não tinha ainda 56 annos de idade; era professor de physica no Museu desde 1892 e da Escola Polytechnica desde 1895.
Apaixonado pela sciencia, o eminente sabio, cujas pesquizas sobre o magnetismo o tinham tornado célebre, entregou-se, a partir de 1882 a longos estudos sobre a phosphorescencia, estudos que, alliados aos que fazia sobre a electricidade e respectivas experiencias, o levaram á descoberta de novos raios do uranium, aos quaes a sciencia foi unanime em dar o nome de raios de Becquerel.
As memorias que Henri Becquerel publicou desde 1886 a 1897, sob o titulo “Descobrimento das radiações invisiveis emittidas pelo uranio e dos phenomenos produzidos por estas radiações; photographia através dos corpos opacos, descargas dos corpos electricos”, fazem parte das bibliothecas de todos os sabios do mundo e valeram-lhe em 1903 o premio Nobel.
E foram os raios de Becquerel que conduziram, alguns annos mais tarde, madame Curie e seu chorado marido á descoberta das radiações analogas do radio.
Uma circumstancia digna de ser notada. Quando o finado rei D. Carlos esteve em Pariz, em 1905, pediu que na matinée scientifica offerecida em sua honra no Museu Henri Becquerel e madame Curie fizessem a demonstração dos dois corpos novos. Toda a gente ficou admirada com o pedido do monarcha portuguez, mas mais ficou ainda a multidão de assistentes, entre os quaes figuravam os principaes vultos da sciencia, em presença não só do interesse que D. Carlos tomou durante cerca de uma hora por que se prolongaram as demonstrações, mas tambem pelos conhecimentos que mostrou possuir sobre o assumpto, na palestra que teve com os dois sabios.
Quanto a Nicholas Mascart, que tinha 71 annos e que, desde 1878 até ao anno findo, desempenhou o cargo de director da repartição central de meteorologia, onde realisou importantissimas reformas, a sua notoriedade scientifica não era inferior á de Henri Becquerel.
Fazendo como aquelle parte da mesma secção de physica geral e tendo consagrado as suas elevadas aptidões aos estudos da electricidade, da meteorologia, do magnetismo e da mechanica, os phenomenos atmosphericos mereceram-lhe especial attenção e a essa sciencia se dedicou com estranhado affecto desde 1878.
É a Nicolas Mascart que de devem as advertencias da previsão do tempo pela ligação da repartição meteorologica com as estações costeiras, a publicação das cartas meteorologicas, a organisação do observatorio da torre Eiffel, etc.
Entre as obras que publicou e de grande valor contam-se as seguintes: “Tratado de electricidade estatica”, “Lições de electricidade e de magnetismo”, “Elementos de mechanica”. “Tratado de optica”, e é de um conjunto de estudos a que procedeu com Moureux nas estações meteorologicas do parque Saint Maur e do Val-Joyeux, que resultou a publicação, em 1881 e 1900, de duas obras que fazem auctoridade na materia: “A Meteorologia applicada á previsão do tempo” e o “Tratado de magnetismo terrestre”.
Nicolas Mascart fazia parte de numerosas corporações scientificas e era presidente da commissão das invenções no ministerio da guerra.
A morte dos dois grandes sabios constitue uma perda enorme para a França e para o mundo da sciencia.