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Texto da entrada (ID.2542)

Quando em 1839, François Arago pedia á camara dos deputados uma recompensa nacional para Niepce e Daguerre, os inventores da photographia, já aquelle illustre sabio previa que a nova descoberta poderia prestar immensos serviços á astronomia.

Quando a esta invenção se juntou, mais tarde, a das placas de gelatina brometada, a photographia astronomica substituiu a observação ocular, graças, bem entendido, ao auxilio do telescopio.

Os nossos olhos não são capazes de ver aquillo que não descobriram após um instante de attenção, quer por meio de telescopio, quer com a vista directa.

A photographia tem a capacidade de ver o que para nós é invisivel; basta para isso deixar-lhe o tempo necessario.

Um artigo de Ernest Constet, na “Revue Scientifique”, relata-nos o que até agora se tem obtido, graças à photographia astronomica:

“A viva luminosidade do sol tornou facil a sua reproducção. No observatorio de Meudon (França), o sol é photographado todos os dias que o estado do céo o permitte; a objectiva que se emprega mede só 138 millimetros de diametro, com um comprimento local de dois metros.

A imagem obtida tem apenas dois centimetros de diametro; é, pois, augmentada por meio de uma lente que projecta sobre a placa sensivel uma imagem do disco solar de um diametro de trinta centimetros. Graças a um obturador rapidissimo, o tempo de “pose” fica reduzido a tres millesimos de segundo, o que permitte registrar as manchas e as granulações da photosphera”.

A photographia do nosso satelite é uma operação que já não offerece grandes difficuldades; graças ás placas ultrarapidas, conseguiu-se reduzir o tempo da “pose” a menos de um segundo.

“A maior parte dos grandes observatorios executaram reproducções photographicas da lua, mas nenhum d’elles conseguiu até hoje rivalisar com as do grande atlas lunar de Loney e Pulseux, obtidas por meio do grande equitatorial do observatorio de Paris.

Foram as difficuldades que os dois operadores tiveram de superar, para obterem a sua colheita de photographias.

Declararam elles proprios que nos quatro annos, durante os quaes poderam aproveitar-se de todas as circumstancias favoraveis para a execução das suas photographias, só obtiveram dez vezes provas verdadeiramente boas e podendo supportar uma forte ampliação.

Uma photographia que sae bem, offerece uma tal abundancia de detalhes, que o desenhista mais habil não conseguiria traçal-a senão ao cabo de alguns annos de trabalho. I. Schmidt empregou 36 annos de 1835 a 1871, em desenhar uma carta da lua: hoje em menos de um segundo a photographia dá-nos com maior certeza e precisão uma clarissima imagem”.

A photographia, applicada ao estudo da constituição physica dos planetas, mantem se por ora manifestamente inferior á observação visual. Dada a enorme distancia que nos separa dos planetas, as vibrações do ar não permittem que as imagens sejam sufficientemente claras.

O pouco, porém, que as photographias dos planetas nos mostram, tem, sobre os desenhos precedentemente executados, a vantagem de uma certeza indiscutivel.

Um exemplo bastará para o demonstrar.

“É hoje bem conhecida a famosa questão dos canaes de Marte; a geminação das linhas, que os partidarios d’essa theoria citaram para sustentar a sua opinião, foi causa de controversias infinitas, affirmavam muitos astronomos, porém, que o phenomeno da geminação era puramente subjectivo, e devido a uma illusão de optica. Lowell poz fim a esta incerteza, no dia em que conseguiu photographar os famosos canaes, demonstrando que a geminação das linhas é um facto absolutamente objectivo.

A estereoscopia facilitou muito a descoberta dos pequenos planetas que gravitam entre Marte e Jupiter. Com effeito, basta dispor no estereoscopio duas photographias, representando a mesma região do céo, tomadas com um dia de intervallo.

As estrellas occupam a mesma posição relativa e as suas imagens podem sobrepor-se exactamente; mas se um planeta se encontra no campo photographico, o deslocamento effectuado entre a primeira e a segunda “pose”, fal-o-ha apparecer como em relevo.

Ainda se deve à photographia a descoberta do sexto e setimo satellite de Jupiter, e do nono (Febo) de Saturno; relativamente a este ultimo, as observações photographicas de alguns annos demonstraram que a orbita percorrida é uma ellipse assaz alongada e que a sua direcção é inversa da dos outros satellites”.

A photographia tem revelado cometas de cuja existencia se não suspeitava sequer. Aconteceu isto em 1892 ao astronomo Barnard ao examinar uma placa negativa que reproduzia uma parte da Via Lactea. Distinguiu-se n’ella perfeitamente um risco luminoso, figurando a cauda de um cometa desconhecido, que a observação directa confirmou em seguida. Desde esta época a photographia revela todos os annos cometas, cujo percurso se regista muito exactamente.

No que diz respeito ás estrellas, tambem a photographia tem prestado relevantes serviços.

Basta meio segundo para reproduzir, por meio da photographia, todos os astros visiveis a olho nú.

Em treze minutos as placas recebem a impressão das estrellas mais longiquas que só os mais potentes telescopios permittem descobrir.

Se se prolonga o tempo da “pose”, outras estrellas, de cuja existencia nem sequer se suspeitava, deixam vestigios sobre a placa sensivel e revelam a sua existencia a distancias tão enormes que a imaginação é impotente para as calcular.

Cada um d’estes pontos é catalogado com o maximo cuidado, medições micrometricas determinam rigorosamente a sua posição exacta, e a sobreposição de duas imagens da mesma região do céo, executada em tempos diversos, torna evidente o mais pequeno deslocamento de qualquer d’estes milhões de astros.

A photographia das estrellas permittiu ainda calcular as parallaxes com relativa facilidade.

A photographia dos espectros estrellares permitte medir os deslocamentos dos astros, quando elles se effectuam na direcção do raio visual, e desdobrar muitissimas estrellas que a principio se julgavam simples.

A applicação das photographias ao estudo das nebulosas demonstrou em que erro grave se cae em querer desenhar a sua imagem.

As fórmas antigamente attribuidas a estes corpos longiquos são hoje reconhecidas como sendo de todo phantasticas: só a forma espiral indicada por alguns desenhistas concorda em parte com a realidade.

O exame da estructura das nebulosas suscitou a duvida sobre a theoria geralmente aceita, relativa á revolução estrellar.

Sustenta o astronomo americano Bernard que se não teria emittido esta hypothese, se na epoca em que foi concebida se tivesse conhecido a fórma d’estas agglomerações, como a photographia nol-as revela hoje.

A photographia afasta pois indefinidamente os limites do universo visivel, e revela-nos inesperadas creações.

Onde o mais potente telescopio não consegue penetrar as tenebrosas espessuras do espaço, o objectivo torna visiveis novas agglomerações estrellares, ou materias cosmicas diffusas.

E quanto mais sensiveis são as placas, tanto mais penetram os nossos conhecimentos nos abysmos mais profundos e a immensidade revela-se aos nossos olhos como um organismo colossal onde tudo vive e se agita.

Os astronomos trabalham mais para o futuro do que para a nossa epoca.

A maior parte dos documentos que se amontoam nos observatorios são quasi inuteis para hoje em dia, mas é facil prever que os astronomos dos seculos futuros poderão colher d’elles grandes proveitos, quer para verificar a exactidão das theorias emittidas na nossa epoca, quer para crear theorias novas.

Assim como nós colhemos hoje e que os nossos longiquos predecessores semearam, tambem nós semeamos uma seara que não ha de crescer snão d’aqui a um seculo e que não hade produzir fructos senão d’aqui a duzentos annos.

A sciencia do céo avança com segura e magestosa lentidão.

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Referência bibliográfica

[n.d.] - "A photographia dos astros" in Diário dos Açores de 8 de Outubro de 1908, nº. 5200, p. 1 (col. 1-3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2542.



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