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Texto da entrada (ID.2563)

Educação fisica e desportiva

Considerações sobre um inquerito ao corpo medico

O «contrôle» medico fisiologico da cultura fisica é uma necessidade para o individuo e um dever para toda a colectividade, onde ela se pratique. – Ao medico escolar e ao professor de educação fisica, identificados na doutrina e com a ideia nitida das suas atribuições, compete realizar a grande obra de revigoramento da mocidade portuguesa pela educação fisica racional.

Todas as respostas ao inquerito concordaram com a absoluta necessidade de uma vigilante cooperação medica em todo e qualquer trabalho de cultura fisica; nos Congressos de Educação Fisica realizados em França é sempre um assunto largamente tratado e os trabalhos de Tissié, Rosenthal, Heckel, Diffre, Boigey, etc., versam largamente o problema, mostrando os perigos dessa falta de cooperação, unica apta a evitar desastres irreparaveis na saude de muitos individuos – muitas vezes passando despercebidos porque se não vêm os resultados longinquos – desastres que, generalisados, irão perturbar com prejuizo a eugenica da especie.

A exploração da integridade organica e funcional e o exame morfologico do individuo como base para a indicação do exercicio como meio terapeutico ou de desenvolvimento; a vigilancia medica da gimnastica educativa ou treino desportivo e o exame consciencioso dos resultados obtidos, exigem uma acção medica assidua, dedicada e competente, de comum acordo doutrinario e tecnico com o professor de educação fisica, ou seja o medico e o professor com a ideia nitida das suas atribuições e da responsabilidade da sua missão.

(…)

Como, quando e até que ponto vai a intervenção medica na cultura fisica? Ao medico especialisado compete fixar os principios dessa intervenção, baseando-se no estudo profundo do problema e na propria observação pessoal como praticante convicto.

(…)

O prof. dr. Azevedo Neves, drs. Raul Viana e Urgel Horta afirmam terem observado individuos portadores de graves lesões organicas dedicando-se a desportos atleticos! O dr. Cassiano Neves informou-nos que inqueritos prosseguidos em alunos das Universidades dos Estados Unidos da America fazendo treinos atleticos, mostravam os prejuizos duma imoderada actividade fisica, principalmente para o estado do coração.

Lagrange fala-nos de dilatações agudas do orgão cardiaco observadas nos alunos de Oxford e Cambridge submetidos aos treinos intensivos de preparação para as regatas anuais entre as duas celebres Universidades. Heckel encontrou cardiopatias funcionais em jogadores de «foot-ball». Tissié diz-nos – 1922 – que os ultimos conselhos de revisão realizados em França mostraram que o esforço atletico realizado por muitos mancebos que se apresentaram á inspecção medica, provocou a «claquage» do seu coração.

Uma rigorosa vigilancia medica, uma fiscalisação activa da parte do Estado por meio de um organismo competente, evitariam, quanto possivel, esses males nas colectividades desportivas que unicamente serão benemeritas desde que se dediquem ao melhoramento fisico – não esquecendo o moral – dos seus associados e não á exploração da sua juventude em espectaculos comercialisados ou não, para satisfação dos seus interesses financeiros ou desportivos.

O dr. Antonio de Vasconcelos aconselha a criação dum Conselho Superior de Educação Fisica que tivesse a seu cargo, além do estudo e resolução do problema da educação fisica em Portugal, a sua fiscalização [sic]; o dr. Salazar Carreira acha absolutamente indispensavel essa fiscalisação e o dr. Lobão de Carvalho apresentou um esboço de projecto de lei que a organisa.

Como exemplo duma inteligente e estreita cooperação entre o medico e o professor de educação fisica indicamos a obra que se revela na resposta do dr. Vasconcelos.

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Se defendemos por absolutamente necessaria a cooperação medica em todos os trabalhos de cultura fisica, se afirmamos como o dr. Rochu-Méry «que o «contrôle» medido do desposto é uma necessidade para o individuo e um dever para toda a organização desportiva», não podemos admitir como verdadeira a opinião formulada por alguns medicos de que a sua classe se deve tornar a orientadora exclusiva da educação fisica em virtude da vastidão dos seus conhecimentos scientificos.

Porque a educação fisica constitui hoje uma sciencia áparte da medicina e tambem porque os medicos não estão preparados para a missão de educadores; porque a fisiologia que estudaram foi essencialmente patologica, ou considerando unicamente o homem em repouso não produzindo trabalho fisico – na Faculdade de Medicina de Paris existe a cadeira de Fisiologia aplicada aos exercicios fisicos –; não tendo estudado o valor do exercicio como meio de desenvolvimento, nem sequer como meio terapeutico; generalisando demasiadamente, em nossa opinião aliás, perfilhada por alguns medicos, o conceito perigoso da fadiga, só o medico especialisado teorica e praticamente poderá ser um bom professor de educação fisica.

Por sua vez, o professor de educação fisica não precisa ser um medico, ainda que deva ser um biologista, principalmente um fisiologista. O recente decreto que dispõe só os medicos poderem frequentar o Curso Normal de Educação Fisica é, por consequencia, um erro no campo dos principios.

Demeni disse muito bem: «A educação fisica nas mãos de patologistas seria como a educação intelectual confiada a psiquiatras.»

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Ao mesmo tempo que a cultura fisica não póde dispensar a cooperação medica, torna-se necessario, pelo menos nas colectividades desportivas mais importantes e estabelecimentos oficiais onde se pratiquem desportos violentos, o chamado «contrôle» fisiologico, com o auxilio de aparelhos especiais que aqui não indicamos para não alongar estas considerações. Uma ficha ou boletim medico-biometrico e de aptidão fisica estabecelerá praticamente o acordo entre o medico e o professor de educação fisica.

O dr. Heckel afirma que a auscultação, a avaliação do pulso pelo dedo não despistam a fadiga incipiente, não dão uma ideia segura do estado funcional do coração, vasos e aparelho respiratorio, isto é, não informam sobre fases que podem preceder grandes lesões. Além disso esses meios tradicionais não dão elementos precisos para a determinação da intensidade maxima dum exercicio a partir do qual ele se torna perigoso ou nocivo.

A minha experiencia pessoal corrobora a opinião de Heckel sobre a insuficiencia da simples observação clinica habitual em casos de fadiga incipiente do orgão cardiaco: Quando no ano findo nos preparavamos para o campeonato militar de esgrima, depois de atingirmos a «fase de infatigabilidade» caracteristica do treino completo, compativel com a nossa constituição e temperamento, abusámos caindo no sobreteino; então o excesso de trabalho neuro-muscular conjugado com o intelectual transformou a nossa resistencia em fadiga imediata a qualquer pequeno esforço, bastando-nos subir uma escada para o ritmo cardiaco se acelerar extraordinariamente em tumultuosas batidas, sendo demorada a sua normalisação que, por vezes, era inferior á normal.

(…)

O «contrôle» fisiologico fazendo conhecer os efeitos dos exercicios nas varias funções organicas dá-nos elementos para o estudo do doseamento da sua intensidade e duração, fazendo conhecer, em qualquer ocasião, o estado de treino dum individuo num determinado exercicio – criterios dynamicos funcionais de treino segundo Pachon – e permite-nos calcular a resistencia fisiologica do motôr humano, unico a quem se pedem esforços sem ter sido estudada a sua capacidade maxima de trabalho, ao contrario do que sucede com os motores industriais, cujos engenheiros ou maquinistas sabem claramente qua a actividade a que eles podem ser submetidos, sem risco de se perderem ou de se usarem prematuramente.

O dr. Cassiano Neves afirmou a necessidade de se estudarem, nas associações desportivas, regras praticas de avaliação de capacidade fisiologica do individuo: Os trabalhos de Lagrange, Heckel, Martinet, Boigey, Rosenthal, Pachon, etc., permitem estabelecer regras quanto possivel praticas para essa avaliação.

Os drs. Anibal de Castro e Raul Viana referiram-se á capacidade funcional do coração nos grandes esforços atleticos, sendo interessante notar que o primeiro discorda da interpretação dada pelo dr. Maurice Boigey, medico e professor da Escola de Gimnastica e Esgrima de Joinville le Pont, no seu ultimo livro «Manuel scientifique d’Education Physique», ao exame radioscopico do coração do atleta após um grande esforço; o segundo destes distintos clinicos esboça o mesmo assunto apoiado em estudos de sumidades medicas estrangeiras.

Insistindo: Nas escolas, colegios e colectividades onde se pratique a cultura fisica, é indispensavel um sábio «contrôle» medico-fisiologico, para que dessa cultura resulte um incalculavel beneficio para o individuo e não um meio de o conduzir á invalidez ou de o aproximar da morte. Ao medico e ao professor de educação fisica, cada um com a ideia nitida das suas atribuições, compete realizar a grande obra de revigoramento da mocidade portuguesa pela educação fisica racional.

(Continua).

Tenente LEAL DE OLIVEIRA.

[NOTA - A conclusão do artigo foi publicada na edição n.º 21193 do Diário de Notícias, de 19 de Janeiro (p. 4, c. 2-4)]


Referência bibliográfica

Leal de Oliveira - "EDUCAÇÃO FISICA E DESPORTIVA" in Diário de Notícias de 5 de Janeiro de 1925, nº. 21779, p. 4 (c. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2563.



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