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Texto da entrada (ID.2566)

Cronicas medicas

O alcool

Li num jornal francês de medicina que o vicio alcoolico se tem agravado. Colhem-se proveitos dos trabalhos de propaganda anti-sifilitica e anti-tuberculosa. A propaganda anti-alcoolica tem sido ineficaz. Verificamo-lo todos ao vêr as listas de almoços e jantares em que se reunem representantes das classes mais cultas, politicos, literatos, homens de sciencia. Até os medicos, nas refeições em comum para prestar homenagem a qualquer colega ou por ocasião de Congressos de medicina, não dispensam o Porto, o champanhe e os licôres acompanhando o café.

É justo então preguntar [sic] por que motivo os medicos clamam contra o vicio operario de beber, eles, que, nas suas reuniões, bebem tambem, embora mais caro. Não haverá razão no mal que se diz a respeito do alcool? Ha, sem duvida; sómente ele é bem sedutor e a vontade humana é bem fraca.

Conta-se que um homem desgostoso por vêr seu velho pai frequentemente em estado de embriaguês, aproveitou a ocasião em que passava um ebrio cambaleante para lhe falar nas vergonhas do vicio alcoolico que reduz um homem a situação tão baixa. E o velho respondeu-lhe: Pois é verdade, filho; mas se tu soubesses como ele vai contente!

Está nisso o segredo da sedução do alcool. Ele faz esquecer os pesares, córa de tons rosados o negrume da vida, dá a cada um confiança em si proprio; dum pussilanime [sic] faz ousado; dum silencioso faz eloquente. O individuo sob o imperio do alcool perde a sua personaldiade propria para adquirir a do individuo que ele desejara ser. Se é ou não sedutor o alcool!

Toda a medalha tem, porém, seu reverso, e tão agradavel foi o sonho alcoolico, como é penoso o despertar. Revela-se então, com os incomodos viscerais passageiros que sucedem á embriaguês, uma depressão moral. O individuo sente-se mais mesquinho, mais pusilanime, mais taciturno do que antes da intoxicação. Procurará novo sonho com mais alcool, e assim continua, se não tem força para reagir, até descer á condição de misero farrapo humano.

Quasi todos nós temos que confessar culpas em materia de alcoolismo: os que uma ou outra vez se embriagam, e os que, mercê de habito que vem de longe, ingerem quotidianamente apreciaveis porções de alcool com que se lhe não turva o entendimento mas que lhe estragam o figado. Queira reagir a tempo quem tem força de vontade.

Assim são os debeis de vontade principalmente sujeitos ao vicio alcoolico. A guerra, trazendo circunstancias dificeis para muita gente, desenvolveu o alcoolismo, porque havia mais quem procurasse um momentaneo esquecimento dessas aflitivas circunstancias. A paz, com todos os seus desnivelamentos sociais, trouxe resultados semelhantes. A classe dos novos pobres bebeu para se consolar; a dos novos ricos bebeu porque cada um queria gastar daqueles liquidos caros que até então mal conhecia de nome. Na verdade, o vicio alcoolico aumentou.

(…)

Creio que a melhor propaganda anti-alcoolica seria a de expôr a questão francamente, sem exageros nem sentimentalismos, não escondendo que o vinho é um alimento, pelo alcool que contém, mas que este alcool intoxica em doses que não são muito elevadas. E que é necessario não esquecer a propaganda pelo exemplo: os medicos higienistas que terçam armas contra o alcool bem fariam em aspar das listas de banquetes com que solenizam as suas reuniões, a consagrada linha: «Porto, Champagne, Café, Liqueurs».

F. MIRA

(…).


Referência bibliográfica

Fernando Mira - "Cronicas medicas" in Diário de Notícias de 7 de Janeiro de 1925, nº. 21181, p. 3 (c. 4). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2566.



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