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Texto da entrada (ID.2570)

Cronica medica

Salus Populi!

Quis a amabilidade de um dos correspondentes no Porto deste grande jornal, encarregar-me da «Secção Medica» na pagina semanal dedicada a esta minha amada Invicta. Aceito com prazer a incumbencia por todos os motivos grata, e particularmente agora que, por dever do meu cargo de medico sanitario, estou empenhado em chamar a atenção publica para a necessidade imperiosa de sanear o burgo. E como inicio forçado do desenrolar dos varios aspectos que tal problema apresenta, ha que bradar bem alto, sempre, para que todos se compenetrem bem da gravidade do assunto, que a nossa situação, sob o ponto de vista higienico, continua a ser miseravel.

Tivemos durante 40 anos, de 1880 a 1919, descontados mesmo os de excepcional morticinio por motivo das epidemas, uma quota de mortalidade que sempre andou á volta de 30 obitos por cada 1.000 habitantes. Só nos ultimos 3 anos com estatistica apurada (1920 a 1922), a mortalidade desceu para 26. Mas é preciso explicar que a melhoria não é tão grande como o simples dado numerico parece indicar; porque ela coincide com uma diminuição sensivel nos nascimentos, que sendo anteriormente de trinta e tal por cada mil habitantes, baixaram para 29. Ora como as creancinhas morrem em proporções cêrca de 10 vezes maiores que as relativas á demais gente, não andaremos muito longe da verdade afirmando que a melhoria será de 2 a 3 pontos; menos de 10 por cento da mortalidade geral, ao cabo de tantos anos! Mas adoptemos a optimista quota mortuária de 26; ela só dentota que infelizmente continuamos a ser uma cidade por sanear.

Essa cifra de 26 é hoje, com os progressos da higiene, absolutamente intoleravel em qualquer parte do mundo, e muito mais neste torrão português, abençoado por todas as graças de um clima excelente. Ha 50 anos ainda se podia admitir, porque nem as praticas de higiene individual estavam divulgadas, nem a higiene publica tinha ainda demonstrado largamente os seus benefícos efeitos. Mas hoje, quando por toda a parte a salubrização é um facto indiscutivel, o nosso atraso é um vergonhoso atestado de barbarie.

É preciso que nos convençamos todos de que se o Porto fôr saneado, a sua mortalidade baixará para metade do seu valor actual. Não se trata de qualquer pequeno melhoramento, mas de evitar por ano umas 2.500 mortes, que só ao nosso desmazelo são devidas. Não ha nesta asserção a mais leve sombra do proposito de carregar as côres, para chamar a atenção com promessas maravilhosas. Tal redução de obituario é perfeitamente realizavel, e até num curto espaço de tempo. Busquemos um exemplo entre muitos: o de Anvers ou Antuerpia, o conhecido porto maritimo da Belgica.

Em 1880, Antuerpia tinha 38 nascimentos por cada 1.000 habitantes e uma quota de mortalidade de 28; estas cifras não se afastam muito das que o Porto oferecia nessa época. Aqui, a nascença tem vindo a decrescer, sendo nos 3 anos de 1920 a 22, em media, de 29; mas a mortalidade essa, baixou apenas para 26, mesmo sem entrar em linha de conta com a influencia, já explicada, da diminuição dos nascimentos. Vejamos o que se passa com Antuerpia. Em 1914, já a quota de mortalidade era inferior a 20, sendo a da natalidade de 30. Em 14 anos, uma baixa de 8 pontos! E o progresso seguiu… Mais dez anos passados, e a cifra da mortalidade desce abaixo dos 15. Em 24 anos, uma redução de metade! E não ficou por aí; como todas as cidades salubres, cujas quotas de mortalidade são de 11 ou 12, quando não descem abaixo da dezena.

Propositadamente não escolhi um dos exemplos mais brilhantes, como seja o de Chmnitz, que em 14 anos reduziu a metade a sua alta mortalidade, que em 1895 era ainda de cerca de 30. Na vida duma cidade, duas dezenas de anos é um curto prazo; pois não é preciso mais para tornar o Porto uma cidade habitavel.

Tenho fé, profunda fé, em que tão grande mal será sanado. A obra a realizar é grande, certamente. Mas porque não ha de executar-se, se em toda a parte se fez e gradualmente se vai aperfeiçoando? Alguma coisa se tem feito já, mas é pouco, e as cifras estão a demonstrar claramente a sua insuficiencia. O que existe representa esforço, ao qual ninguem pode regatear louvores. Mas é preciso mais, muito mais….

Dr. A. GARRETT,

Delegado de Saude.

[NOTA - Contém fotografia do autor da secção]


Referência bibliográfica

A. Garrett - "Cronica medica" in Diário de Notícias de 12 de Janeiro de 1925, nº. 21186, p. 5 (c. 7). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2570.



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