O mesmo autor mostrou que o ar das cidades contém uma quantidade bastante grande de materias gasosas de diferente natureza, productos de combustão, da respiração, de uma actividade reductora, de modo que essa atmosphera deixa de ser oxydante para ser reductora e torna-se nociva à saude, sendo o mais sensivel a isso o aparelho respiratorio, cuja parte activa e importante não é necessario encarecer aqui.
O que é certo, é que o pulmão em vez de se abrir, como o faz espontaneamente no ambiente puro, seu natural estimulante, contrahe-se, defende-se da penetração desses corpos reductores e irritantes, improprios para a respiração; o numero de vesiculas pulmonares em contacto com o ar diminue; aquellas que cessam de trabalhar alternadamente, condemnam-se á atrophia; a hematose, essa funcção essencialissima da boa economia animal torna-se defeituosa; o globulo vermelho, essa riqueza do organismo saudavel, diminue, deforma-se, estraga-se e a anemia sobrevem. O organismo enfraquece, fica em estado inferioridade para o combate com as infecções, em particular com aquellas que se fazem pelos orgãos da respiração.
Compare-se, diz o dr. Henriet, o robusto camponio, que vive ao ar livre dos campos, e o cidadão miseravel, que passa os seus dias entre quatro paredes; ver-se-á que o peito de um não se parece nada com o peito do outro...
A atmosphera de ordinario respirada pelo habitante das cidades deve entrar por alguma coisa nas causas da estreiteza do peito deste.
Ainda o mesmo entendido observador notou que a existencia do ozone no ar está em relação directa com a direcção dos ventos e com a duração das chuvas.
Logo desde a descoberta deste corpo no ar por Schvonbein, em 1840, se lhe atribuiu um papel importante na vida por causa das suas reconhecidas energias, do seu elevado poder oxydante. Atribuiu-se-lhe nada menos que a destruição dos miasmas, o que se vê hoje que tinha uma certa razão de ser, em vista das suas propriedades batericidas que fazem delle modernamente um dos purificadores mais preciosos do ar, das aguas e de outras substancias. Cousa curiosa: foi exactamente depois das revolucionárias descobertas de Pasteur que os creditos de antiseptico do ozone sofreram mais, não porque infermasse a crença neste seu poder, mas porque, dada a sua diminuta proporção na atmosphera (2 a 3 milligr. p. 100), a sua influencia microbicida é sensivelmente pequena.
Seria necessaria uma concentração 15000 vezes maior para o pleno exercicio dessa acção. Mas é principalmente como antianemico que elle tem o seu valor aerotherapico e hygienico e para isso não é preciso mais do que a sua diluição de 0,0001 por litro d’ar, que se utilisa no tratamento de certas efecções das vias respiratorias.
Se este agente tão espalhado no ar não póde ter uma determinante decisiva na economia, não é menos um factor importante de pureza do ar, pois que elle existe constantemente nas atmospheras normaes e quando diminue ou desaparece é que os maximos inconvenientes se observam.
A avaliação deste elemento no ar que respiramos é uma boa especie de indice da sua boa ou má qualidade. Cousa banal, mas tanta vez posta de parte, como um dos interesses mais caros e postergados! Se o ar puro é essencial à existencia e da sua poluição decorrem tantos e taes inconvenientes, os modos de assegurar a purificação delle e a sua constante renovação, sobretudo nas habitações, deve ser um dos primeiros cuidados dos hygienistas, dos constructores e ... dos interessados.
J. Bettencourt Ferreira - "Pela sciencia - Estudos sobre o ar confinado – Atmosphera violada – Deficiencia de ventilação das habitações, quartos, salas communs, de espectaculos, escolas, etc. – O ar da cidade e o ar dos campos – Ozone atmosferico"
in Diário dos Açores
de 2 de Dezembro de 1908, nº. 5247, p. 1 (col. 1-2). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2689.