A transmissão da energia desenvolvida em um local determinado, a uma distancia maior ou menor, tem uma importancia industrial enorme, em vista das variadissimas aplicações que a força póde ter, o que justifica as tentativas numerosas de resolução do problema, até o conduzirem a uma solução pratica.
No seculo que se passou, sob o imperio que se afigurava omnipotente da machina a vapor, essa transmissão não ia muito além da fabrica, em que a expansão deste exercia em uma limitada circumscrição a sua força, dando o movimento aos machinismos fabris, aos teares e outras machinas uteis. Comprehende-se que este modo de transmissão restricto e pouco economico, dada a veracidade insaciavel das fornalhas, não é já hoje compativel com os grandes processos da industria moderna, essencialmente descentralisadora.
Modernamente procura-se fundar centros de produção de energia e distribuil-a a grande numero de pontos, constituindo esses centros como fócos d’onde irradia, n’um raio kilometrico mais ou menos longo, a potencia geradora que faz trabalhar as fabricas, formando-se assim não já um estabelecimento ou um grupo de estabelecimentos participantes da mesma actividade motriz, mas vastas regiões de laboração, as quaes em pouco tempo fazem prosperar o pais, pela transformação e apropriação de disposições naturaes, taes como quedas d’agua, correntes fluviaes, etc., cuja potencia é aproveitada por aquelles centros e espalhada ao redor, por muitas povoações, fomentando o trabalho industrial.
Não passaremos em revista, n’esta curta noticia, os modos de produzir essa energia geral e de transmittil-a aos logares da sua applicação especial. Elles variam com os recursos do pais e da população, tirando partido da agua, em motores hydraulicos, ou por meio do ar comprimido, do gaz illuminante, ou ainda empregando os motores electricos.
Citaremos apenas, como exemplos dignos de memoria, alguns dos casos particulares do emprego engenhoso de similhantes potencias sem as quaes não bastaria uma geração, trabalhando a vida inteira, para a execução de tão grandes obras.
A transmissão da força pelo ar comprimido foi pela primeira vez ideada por um engenheiro francês, Audrand, em 1840. Mais tarde (1852) Colladon propoz o seu emprego na perfuração do monte Cenis p. 2 e ainda hoje o processo se aplica a trabalhos identicos, como ha pouco na abertura do Simplon, como o foi no tunel de S. Gothardo.
O aperfeiçoamento do material electrico veiu suplantar até certo ponto estes systemas transmissores, e permittir a utilização de formidaveis energias motoras, a grandes distancias das suas origens.
Para produzir as grandes quantidades de electricidade que exigem as modernas fainas industriaes usam-se exclusivamente as machinas dynamo-electricas, que dependem das descobertas inestimaveis dos grandes inventores que foram Faraday, o descobridor do principio de inducção (1830); Clarke, Siemens, Halske e Wheatstone, que aperfeiçoaram os motores electro-magneticos e a transmissão electrica (1832 a 1867) e por fim Gramme, que em 1870 deu a estes poderosos geradores a fórma propriamente industrial.
A descrição d’estes aparelhos, hoje complicadissimos no seu artificioso organismo, sae do nosso plano. Basta-nos mencionar, para o fim que temos em vista, que a machina dynamo electrica é destinada a transformar facil e economicamente o trabalho mechanico em electricidade gerada á custa do movimento dos dynamos produz trabalho mechanico utilisavel no fabrico. Este principio da reversibilidade cuja generalização é apanagio das sciencias physico-chimicas, foi introduzido por Sadi-Carnot, no começo do seculo passado.
A primeira vez que este principio fecundo teve applicação foi na exposição de Vienna d’Austria, em 1873, com o auxilio de machinas de Gramme.
Nenhum outro modo de transmissão apresenta maior facilidade de estabelecimento. Um simples fio conductor, de grossura conveniente, o qual passa bem por toda a parte, leva a distancias consideraveis um rendimento de força excedente a 60p por cento.
Se se pensar que as quédas de agua por esse mundo fóra valem muitas vezes mais do que a força motriz que podem gerar annualmente as machinas de vapor, modesto esforço, posto que genial, em comparação ousada com as forças de que dispõe a Natureza, é facil prever que a tendencia futura será para converter em trabalho essa potencia grandiosa, ainda hoje quasi inteiramente perdida e cujo transporte pode ser feito a enormes distancias pela electricidade.
J. Bettencourt Ferreira - "Pela sciencia - A transmissão da força a distancia – Criação de centros de producção de energia para distribuição ás fabricas – A importancia das descobertas no dominio da electricidade – O aproveitamento das quédas d’agua e torrentes como força motriz – Fabricas hydroelectricas"
in Diário dos Açores
de 16 de Dezembro de 1908, nº. 5258, p. 1-2 (col. 6;1). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2703.