Fundamentos scientificos da moderna politica colonial
Após a Conferencia de Berlim, isto é, desde que a Alemanha se fez potencia colonial, uma nova politica surgiu, com fins e processos diferentes.
Seguiu-lhe de perto na esteira, a progressiva Holanda, reconhecendo o que valia uma sólida preparação scientifica, amparada por um finalismo lógico, e posta ao serviço de uma vontade colectiva consciente e progressiva.
Essas nações souberam imprimir á sua conduta colonial uma orientação segura, baseada em inqueritos scientificos completos, feitos com o auxilio de numerosas expedições e missões de estudo.
Na sua maneira de proceder, sempre estribada em largas documentações, tomaram conhecimento integral de quasi todas as suas possessões, enquanto outros teimavam em não conhecer as dêles, enriquecendo a Sciencia com notaveis trabalhos etnologicos, climatologicos, geograficos, geologicos, sanitarios, etc.
No alvorecer do seculo actual entravam os Estados Unidos da America no numero das nações coloniais, animados dum espirito rasgadamente scientifico e clarividente, pondo em execução um programa inteligentemente traçado, e dando assim provas inequivocas de serem capazes de fazer progredir os seus dominios intertropicais mais depressa do que a mais avançada das nações europeias.
Varios foram os grandes empreendimentos, que em pouco tempo a America do Norte levou a cabo com inteiro exito.
É, porém, o canal de Panamá o seu maior titulo de gloria, conquanto não deixem de merecer particular menção o saneamento de Havana e o levantamento das Filipinas, que em menos de um quarto de seculo transformaram sob todos os pontos de vista aquele arquipelago, cuja capital é hoje uma cidade totalmente diversa do que foi outróra.
Enquanto os franceses consumiram improficuamente, e com incalculaveis prejuizos de toda a ordem, na formidavel empresa da comunicação inter-oceanica através do afamado istmo, milhões de francos e centenas de vidas, – a ponto de ao tempo se haver afirmado, que cada travessa da exttensa [sic] via da «Panamá-Railroad» custára a vida dum homem, – triunfavam os americanos, não tanto pelo seu dinheiro, logrando executar em poucos anos a mais gigantesca obra de engenharia de todos os tempos.
E conseguiram a realização dessa maravilha contemporanea, em grande parte, por haverem cuidado, antes de tudo, do saneamento da região onde iriam operar.
Uma comissão composta dos maiores higienistas e parasitólogos norte-americanos, investida de plenos poderes executivos, entrou a trabalhar vigorosamente na zona do Panamá, que iria ser atravessada pelo canal do mesmo nome e pela respectiva linha ferrea, rematando o seu intensivo labôr tecnico-profissional com o mais estrondoso e completo sucesso até hoje conhecido na Historia Sanitária do Mundo.
Se o resultado imediata dessa conduta do governo dos Estados Unidos, fôra a salubrização do istmo mortifero, onde o paludismo e a febre amarela ceifavam rapidamente vidas sem conta, – a consequencia imediata, aquela que mais interessava aos norte-americanos, foi a possibilidade dos seus engenheiros poderem trabalhar incolumemente, no tocante aos agentes morbigenos que a infestavam sem tréguas.
Para exemplo comprovativo – de que tanto a colonização, como qualquer empreendimento colonial, devem basear-se no reconhecimento e nos trabalhos scientificos, – basta e sobeja.
Os progressivos yankees, com uma admiravel intuição pratica, viram que o papel primordial ao encetarem a colossal empresa, deveria pertencer ao sanitaristas, podendo os engenheiros iniciar a sua missão, logo que findasse a tarefa daqueles.
Torna-se indispensavel que, nós portugueses, adoptemos uma conduta scientifica, abandonando por completo o empirismo hesitante e nocivo da nossa administração ultramarina.
Sem pretenciosas preocupações de apenas ombrearmos com as grandes potencias coloniais, imitemos, quanto mais não seja, a Holanda e a propria Belgica, que têm já organizado o ensino universitario das sciencias de aplicação colonial, para darem aos seus funcionarios ultramarinos uma competencia tecnica especial, a fim de poderem ser agentes de confiança na organização de inqueritos dignos de credito.
O 1.º Congresso Colonial realizado pela Sociedade de Geografia inspirou-se nesta orientação, datando de então o movimento colonial contemporaneo, e tendo o 2.º seguido uma orientação aproximadamente igual á do anterior.
Urge, portanto, ganhar o tempo perdido, agindo criteriosamente e com espirito de sequencia, de maneira que cheguemos a conhecer todos os nossos valores coloniais, tais como terras, climas, homens, doenças, regiões colonizaveis, etc. O conjunto de todas estas investigações, a que se chama o reconhecimento scientifico de uma região, deve ser obra de naturalistas e medicos especialisados nos mais importantes ramos das Sciencia Naturais.
O desenvolvimento maximo da rêde dos postos climatologicos, a criação de laboratorios de geologia e de pesquisas microbioticas, a montagem de gabinetes antropologicos, etc., etc., constituem os preliminares fundamentais da colonização moderna e duma politica colonial digna deste nome.
GERMANO CORREIA,
Capitão-medico.
Germano Correia - "Fundamentos scientificos da moderna politica colonial"
in Diário de Notícias
de 17 de Fevereiro de 1925, nº. 21221, p. 5 (c. 3). Disponível em linha em http://bd-divulgacaocientificaemjornais.ciuhct.org/entrada.php?id=2730.